Serra Gaúcha é referência nacional no cultivo de orgânicos

Produção cresce em ritmo acelerado e tem sido umas das bases da agricultura familiar na região

 

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Com crescimento de 600% nos últimos cinco anos, a produção orgânica na agricultura familiar na Serra Gaúcha representa o ganho de cerca de 400 famílias, destas, 318 certificadas. Chegou a esse índice graças a programas de incentivo à produção, por parte das cooperativas, o apoio de assessoria técnica ofertada aos produtores e, principalmente, pelo aumento da demanda por alimentos saudáveis.

 

A região da Serra Gaúcha segue sendo referência nacional no cultivo orgânico na agricultura familiar, tendo como carro chefe a produção de uva, com aproximadamente 400 hectares de parreirais, voltados para a produção de suco, sendo processados nesta última safra 3,2 milhões de litros. “A segunda maior produção é a de hortaliças, seguido do tomate, frutas e batata inglesa”, detalha o agrônomo Luis Carlos Diel Rupp, coordenador da ONG Centro Ecológico de Ipê.

 

Apesar de representar no mercado o volume de 1% da produção, o ganho maior desta forma de cultivar são os impactos sociais e tecnológicos, pois a mobilização dos agricultores em torno do tema “redução de uso de agrotóxicos” e uso de práticas ecológicas em áreas convencionais atinge 20% dos agricultores da região. “A tendência é seguirmos ampliando o número de famílias na base de 20% a 30% ao ano. Porém, o volume de produção nas famílias também aumenta pelo menos 10% ao ano.  Enquanto  que o mercado nacional segue aumentando em 30% ao ano. Se considerarmos aqui a tendência de que no mercado institucional a compra de alimentos pelos governos para distribuição em escolas, creches, hospitais, quartéis, passe a ser de produtos orgânicos, oriundos da agricultura familiar, teremos um aumento de mais uns 10% ao ano”, projeta o técnico da ONG, Leandro Venturin.

 

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Uma das primeiras feiras ecológicas realizadas em Porto Alegre na metade da década de 1980.

A produção de orgânicos na Serra Gaúcha começou no fim dos anos 1980, mas isso só foi possível com o surgimento do Centro Ecológico de Ipê, fundado em fevereiro de 1984 por um grupo de técnicos. Entre eles, a agrônoma Maria José Guazzelli. Ela conta que em uma área experimental passaram a desenvolver técnicas de plantio. “A busca pela mudança da concepção de que não se podia produzir sem o uso de agrotóxicos desafiou-nos ao desenvolvimento de técnicas de cultivo próprias para o nosso clima. Sabíamos que era possível a produção em outros países”, relembra.

 

Por conta disso, o Centro Ecológico conseguiu subsídios financeiros de uma fundação da Suécia para iniciar os trabalhos. Segundo ela, na época, cinco produtores passaram a produzir, mas durante anos todo o trabalho foi se aprimorando para chegar a maior produção e qualidade. Por quase duas décadas, Antônio Prado e Ipê concentravam a produção.

 

Atualmente o eixo principal da ONG é prestar assessoria à produção, processamento e comercialização de alimentos ecológicos. Visitas, curso e oficinas voltadas às áreas anteriores são algumas das atividades desenvolvidas em conjunto com os municípios da Serra Gaúcha, Litoral Norte do Estado e sul de Santa Catarina.

 

Dificuldades superadas ano a ano

Até o ano de 1999, a família de Ana Zanotto, da comunidade de Nossa Senhora de Lurdes, em Ipê, sustentava-se com a produção de tijolos. Com a redução da mão de obra, a procura por outra atividade levou Ana para o projeto ‘Terra Solidária’, oferecido na época pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipê e que dava formação de ensino fundamental aos participantes. “Neste, que era um curso praticamente técnico, obtive todos os conhecimentos para produzir ecologicamente.  No início tivemos dificuldades financeiras, pois não havia mercado para os produtos, bem diferente de hoje, pois falta produtos para atender ao consumidor”, relata a agricultora, que se dedica com o irmão Flávio na produção de verduras e legumes.

 

A dificuldade de vender afetou a maioria dos produtores nos primeiros anos. “Para comercializar tínhamos que correr atrás e oferecer. Não tínhamos leis, não tínhamos mercado, somente uma central de vendas”, conta o coordenador,  Juarez Righes, da  Cooperativa Econativa Filial Ipê, a qual hoje destaca-se no atendimento à rede Zaffari de supermercados, lojas de produtos naturais e distribuição de orgânicos para a merenda escolar em 11 municípios da Serra Gaúcha.

 

A Econativa surgiu em Três Cachoeiras e foi fundada no município da Serra em 1998 por 32 famílias. Seu objetivo principal é ser uma central de compra e venda de produtos da agroecologia, incentivando os agricultores a diversificar a produção. “O trabalho da Econativa  também é de atender os agricultores com insumos necessários para a produção agrícola ecológica”, reforça o ex-coordenador da entidade, Volmir Campagnolo,  que deixou a produção de tabaco para se dedicar ao plantio de frutas e uvas orgânicas.

 

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Aecia, pioneira no cultivo natural

Atualmente na Serra Gaúcha são em torno de 26 associações, segundo os dados do Centro Ecológico. A mais antiga completa 25 anos. A Associação dos Agricultores Ecologistas de Ipê e Antônio Prado – hoje Cooperativa Aecia – teve sua fundação em 1985. Elencada a partir das discussões estimuladas pela Pastoral da Juventude Rural da Igreja Católica de Antônio Prado e pelo Centro de Agricultura Ecológica de Ipê, sobre os problemas causados pela agricultura industrial e pela poluição ambiental originada por máquinas, insumos, o empobrecimento dos agricultores e o êxodo rural. Gilmar Bellé  é um dos cooperados que integra a entidade desde 1990. Motivado pela ideologia de cuidar do meio ambiente e da saúde da família e dos consumidores, ele deixou a produção em grande volume do sistema convencional para dedicar-se aos orgânicos, os quais vende nas feiras. “Na venda dos orgânicos o preço é justo, estável e temos a garantia de um cliente fiel”, diz Bellé, atual presidente da entidade, a qual  tem 23 famílias associadas e 15 famílias parceiras.

 

O agricultor Bellé, como todos os cooperados da Aecia, em sua propriedade, localizada na linha Almeida, em Antônio Prado, produz tomate, maçã, pêssego, uva, figo, pepino, batata, cebola e hortaliças.  Parte da produção, como tomate e a uva, é beneficiada nas unidades de produção da entidade (filiais da cooperativa), sendo três localizadas no interior de Antônio Prado – Linha Almeida, Linha São Roque, Linha 30 – e a Matriz, na área urbana, onde há um entreposto de cargas e o atacado. Já os produtos in natura são vendidos em feiras do agricultor em Caxias do Sul e em Porto Alegre. “Todos os sábados estamos na feira em Porto Alegre. Os clientes valorizam o produto e mesmo com chuva vão até a banca para comprar”, diz o atual prefeito de Antônio Prado, Nilson Camatti, produtor ecologista há 23 anos e proprietário de uma das filiais da Aecia.

 

Para o futuro, a instituição já visa a construção de um novo pavilhão, o qual terá o propósito de atender melhor os cooperados e, principalmente, a demanda dos clientes. “Temos a certeza que vai crescer ainda mais o consumo de produtos saudáveis, pois o consumidor tem a cada dia mais consciência que os agrotóxicos prejudicam a saúde e os produtores do sistema convencional sentem que este mercado está em crise e, nas crises, sabemos que ocorrem as mudanças,” diz o vice-presidente da Aecia, Jamir Vígollo.

 

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Cesar Volpato e Luis Carlos Diel Rupp, do Centro Ecológico de Ipê.

“Produção orgânica é uma filosofia de vida”

A maioria dos produtores orgânicos da Serra Gaúcha buscou esta forma de cultivar sua terra por vários motivos, mas em especial pela saúde, doenças ou sintomas relacionados ao uso de agrotóxicos.
Todos os entrevistados desta reportagem enfatizaram isso. Segundo eles, as doenças como câncer, depressão e intoxicações não estão longe de serem resultados do uso exagerado destes produtos e acima de tudo pela ingestão dos mesmos pelas pessoas.
Por conta disso tudo, cultivar alimentos sem o uso inseticidas sintéticos e fertilizantes químicos, não somente para cuidar do meio ambiente, é cuidar do próximo.  “Produção orgânica é uma filosofia de vida, onde se cuida do ser humano e da natureza,” resume Juarez Righes.

 

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Cooperados da Aecia se encontram todas as sextas-feiras para organização da venda em Porto Alegre.

 

Certificação é garantia de credibilidade

Segundo o técnico Agropecuário do Centro Ecológico de Ipê, Cesar Volpato, para o produtor ser considerado orgânico e poder vender seus produtos dessa forma, somente por meio de certificação, para assim apresentar o selo de Produto Orgânico.
Para consegui-lo o agricultor deve passar pelo período de transição, que é de um ano, e provar que não usa nenhum tipo de defensivo e insumos químicos e sementes transgênicas. Segundo a  Instrução Normativa  nº 46/2011 do  Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que traz as recomendações sobre este plantio, é permitido o uso de biofertilizantes registrados para uso em agricultura orgânica. “Segundo passo é participar de uma associação ou formar um grupo. A partir daí, organização de visitas às propriedades para obter conhecimento, geração de credibilidade e de relacionamento com os demais”, orienta.

 

Passado este processo inicial, começa o de certificação, que é o procedimento pelo qual uma certificadora, devidamente credenciada pelo Mapa e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica. “A certificação apresenta-se sob a forma de um selo afixado ou impresso no rótulo ou na embalagem do produto. Na região, a maioria dos produtos são certificados pelo sistema participativo da Rede Ecovida, ou pela Ecocert, está última trabalha com certificação direta”, explica.

 

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Agrônoma Maria José Guazzelli foi fundadora do Centro Ecológico.

O que pode e o que não pode ser usado na produção

O que é permitido:
* Adubação verde e vegetação espontânea.
* Estercos –  após compostagem de seis meses e no caso da cama de aviário somente se a maravalha for certificada, ou seja, oriunda de madeira não tratada.
* Compostos orgânicos.
* Vermicomposto.
* Biofertilizantes registrados para produção orgânica
* Minerais orgânicos.

Não é permitido:
* Fertilizantes químicos (agrotóxicos).
* Sementes geneticamente modificadas.
* Adubo contendo excrementos humanos (fezes e urina).
* Os adubos minerais só devem ser usados como suplementação da matéria orgânica.
* Os adubos minerais devem ser aplicados em sua composição natural e não devem ser dissolvidos por meio de tratamento químico.
* Insumos tais como  potássio mineral, fertilizantes à base de magnésio, microelementos, adubos com elevado teor de metais pesados e /ou outras substâncias.
* Todos os adubos nitrogenados sintéticos, inclusive ureia.

 

Fontes: Agricultura Ecológica Princípios Básicos
e Instrução Normativa 46/2011 do MAPA.