Humberto Lotti – O presidente dos dez mandamentos

A história da Cooperativa Vinícola Garibaldi tem entre seus associados e diretores uma figura ímpar, notável tanto por seus acertos, quanto por seus erros. Estamos falando de Humberto Lotti. Presidente da cooperativa de 1966 a 1972, Lotti ingressou na vinícola em 1932, logo após a sua fundação. De lá até a metade da década de 1970, quando se desligou da organização, Lotti sempre foi protagonista de diversas ações. Conquistou a confiança de grandes lideranças, “elevou a Cooperativa Vinícola Garibaldi ao status de maior das Américas, foi um dos líderes do movimento cooperativista no Brasil, angariou muitas amizades, e no bem da verdade, alguns inimigos também”, escreveu Cassius André Fanti, no livro La Nostra Cooperativa.

 

personalidades

Humberto Lotti.

Tido como um homem de negócios e um político de grande habilidade, Lotti nasceu em 4 de junho de 1908, em Garibaldi. Era filho de Giácomo Lotti – um comerciante que costumava fazer longas viagens até Montenegro para vender vinho comprado dos colonos e um dos fundadores da Garibaldi – e de Olga Lotti. Estudou no colégio Dante Alighieri e no Instituto Ítalo-Brasileiros em Porto Alegre. Em 1924 concluiu seus estudos e foi trabalhar numa casa comercial em Caxias do Sul. No ano seguinte, passou a atuar como caixeiro-viajante em Porto Alegre e nos anos posteriores ingressou numa metalúrgica em São Paulo e em João Pessoa, na Paraíba. Sua chegada na Cooperativa Vinícola Garibaldi aconteceu em 1930, depois de fugir de João Pessoa, por causa da revolução.

 

Ao retornar a Garibaldi, encontrou a cidade mobilizada – incluindo seu pai Giácomo – no objetivo de fundar uma cooperativa vinícola, depois da quebra de inúmeras empresas do setor devido a crise financeira de 1929. Em 22 de janeiro de 1931 a Cooperativa Vinícola Garibaldi é fundada. Com apoio do amigo Alberto Pasqualini, que nos anos de 1950 se tornaria senador, Lotti conseguiu o cargo de superintendente de vendas na nova organização. Essa, aliás, sempre foi uma de suas peculiaridades: cultivar amizades. Permaneceu na vinícola durante 42 anos, ora com vendedor, ora como diretor comercial, ora como presidente. Tinha talento para os negócios e era respeitado por diretores e associados. Foi com sua ajuda que a vinícola se tornou uma das grandes empresas do setor. No final de 1940, ele foi coroado como um dos ‘barões do vinho’. Além disso, foi por sua intervenção, enquanto presidente da Federação das Cooperativas de Vinhos do Rio Grande do Sul, que, em 1958, foi feita uma exportação histórica de vinhos: 30 milhões de litros foram vendidos à França.

 

Turbulências
Lotti chegou a presidência da cooperativa em 1966. Nos seis anos que permaneceu no cargo deixou marcas profundas, entretanto seus dois últimos períodos são lembrados pelas turbulências. Sua saída da presidência e da Garibaldi ocorreu por uma pressão imposta por associados, com apoio da Igreja Católica, por meio do bispo dom Benedito Zorzi, por lideranças políticas e pelo então governador do Estado, Euclides Triches.

 

Tudo começou no início de 1970, quando a vinícola deixou de pagar integralmente as safras de 1970 e 1971 – visto que outros descontos no pagamento já haviam ocorrido nas safras de 1968, 1969 e 1972. A gigante Garibaldi mostrava que suas finanças não iam nada bem. A falência só não foi decretada porque a cooperativa tinha muitos associados, representava a base econômica do município e possuía grande quantidade de vinho estocada. Na metade de 1971, a situação estava difícil e as eleições para um novo presidente acirraram os ânimos. O objetivo era substituir Lotti da presidência. Um acordo foi firmado entre os diretores e os associados para permanência de Lotti, mas medidas enérgicas deveriam ser tomadas para recuperar a cooperativa. Porém, nada aconteceu e a situação só piorou. Para conter as manifestações dos associados, Lotti – em tempos de ditadura – realizou uma ação fictícia que repercutiu por muito tempo. Arquitetou uma cena em que “mandava prender” os líderes mais acirrados dos associados, dizendo ser a mando do Departamento de Ordem Política e Social, o temido DOPS. A encenação causou susto, mas logo foi descoberta e confirmada, por meio de uma carta enviada pelo bispo dom Benedito Zorzi. Com isso a pressão sobre Lotti aumentou e antes do Natal de 1972, ele foi obrigado a deixar a cooperativa. “Era o fim de uma trajetória que, apesar da forma como aconteceu, não apagou a importância empreendedora deste visionário”. Após deixar a cooperativa, Lotti trabalhou na Martini & Rossi, que se instalou em Garibaldi na metade da década de 1970.

 

Excentricidade
O presidente era um homem bem relacionado e por seus laços, envolveu-se com a política. Em 1934, filiou-se ao Partido Libertador. Em 1947, foi eleito vereador pelo Partido Social Democrático, alcançando a marca histórica de 496 votos, de um total de 3.953 eleitores. Foi vice-presidente da Câmara de Vereadores de Garibaldi.

 

Conforme escreveu Fanti, Lotti era tido como um homem refinado, excêntrico e de bom gosto. Era apaixonado por carros hidramáticos e um grande apreciador de leitura, visto que tinha em sua residência uma biblioteca com os clássicos da dramaturgia. Muito bem relacionado, costumava receber amigos e autoridades. “Foi durante seu período na presidência que as assembleias de associados tornaram-se eventos gastronômicos. Eram grandes festas após as reuniões. Destes eventos participavam toda a família dos associados, numa confraternização que dificilmente seria repetida nos dias atuais, já que chegavam a ser reunidas mais de três mil pessoas”, escreveu Fanti.

 

Como um bom excêntrico, Lotti criou um folhetim intitulado “Os dez mandamentos de Humberto Lotti” (veja no quadro), que demonstra bem a sua personalidade. Faleceu em 1993, e apesar do encerramento nada amistoso, foi um ícone da vitivinicultura dentro da Cooperativa Garibaldi.

 

Dez mandamentos de Humberto Lotti

– Amar com sobriedade, para que o bom não seja um joguete em mãos alheias;
– Não odiar inutilmente;
– Alimentar-se com requinte, fazendo do ato de comer instantes de bom gosto e não de satisfação orgânica;
– Beber sem excesso, com gosto refinado e oportunidade, para que o ato de beber seja um estimulante espiritual e não um meio à embriaguez;
– Concordar no secundário para que os outros concordem conosco no essencial;
– Evitar a originalidade, que, em regra, afasta os espíritos simples, e ser modesto deliberadamente;
– Não ser puro e nem julgar com rigor as fraquezas alheias;
– Ter sempre presente nas relações com terceiros, como sistematização do princípio de que tudo tem sua utilidade na vida, o contingente de valor útil de todo o indivíduo;
– Nunca pretender sôfrega e diretamente as coisas e jamais precipitar soluções que se almejam, deixando, como condição de êxito, que os fatos, pelo transcurso do tempo, amadureçam;
10° – Cultivar a amizade, nunca sendo avaro para com ninguém.

Fonte
La Nostra Cooperativa – História de coragem, determinação e amor, de Cassius André Fanti e Cooperativa Vinícola Garibaldi.