Os gregos bebem o Deus

Estátua de Dionísio exposta no Museu do Louvre, em Paris.

Estátua de Dionísio exposta no Museu do Louvre, em Paris.

Os gregos tinham muitos motivos para exaltar o vinho. A bebida impulsionava a economia da Grécia, ao mesmo tempo em que proporcionava um enorme prazer e envolvia elementos místicos. Isso se expressava na adoração a Dionísio, o deus do vinho. Aliás, foram os gregos que elevaram Dionísio a essa categoria.
Mas, comecemos do princípio. Foi por volta de 2.500 a.C. que os laços comerciais entre Egito e Creta começaram a se estreitar, o que incluía a comercialização do vinho. De Creta, a produção de vinhos se espalhou para todo o mar Egeu e acredita-se que foram os cretenses os responsáveis pela entrada da vitivinicultura na Grécia.

 

Nos primeiros séculos é provável que a viticultura na Grécia tenha sido particada junto a outros cultivos, como a azeitona. Mas, aos poucos, o plantio exclusivo de uvas se desenvolveu. Os vinhedos estavam localizados nos principais centros populacionais, como Atenas, Esparta, Tebas e Argos. Porém, com o tempo, a crescente demanda pela bebida fez com que outros lugares, como a ilha de Lesbos, Thasos e Quio também cultivasse as uvas.

 

Na plantação de videiras – sempre próxima à água – os gregos inovaram. Deixaram para trás práticas tradicionais da viticultura, como o hábito de fazerem as videiras subirem pelas árvores. Uma curiosidade implantada pelos gregos, que acreditavam que com isso reduziriam os efeitos das chuvas e dos ventos, foi o ritual do galo. Consistia no seguinte: dois homens cortavam um galo ao meio e corriam em direções opostas em torno das videiras segurando uma parte do animal. As duas metades do galo eram enterradas no lugar onde os homens se encontrassem.

 

Por volta do século III a.C., a Grécia já havia desenvolvido uma verdadeira indústria vinícola. Foi por causa dos gregos que a bebida ganhou força na região e a uva se tornou um importante produto do Mediterrâneo. O historiador Rod Phillips escreveu: “Os gregos não somente integraram o consumo do vinho à sua sociedade como nenhum outro povo tinha feito até então, como também estenderam o hábito a muitas outras partes da Europa, através do comércio. No século V a.C., o vinho era encontrado em várias regiões da França, no Egito, em torno do mar Negro e na região do rio Danúbio”.

 

O comércio do vinho era feito em ânforas de argila de dimensões variadas e que comportavam cerca de 20 a 30 litros. Essas ânforas eram transportadas pelo mar, o que fez com que milhares delas se perdessem no fundo do oceano. No sul da França, foi encontrado por arqueólogos um navio que continha 10 mil ânforas, ou seja, 300 mil litros de vinho. Em sua maior parte, o vinho era fermentado em ânforas lacradas. Nem sempre ele era filtrado ou trasvasado – quando não era, tinha de ser decantado ou coado no momento do consumo.

 

Foi devido às ótimas condições da Grécia que a vitivinicultura se tornou uma indústria comercial e o vinho passou a ser produzido em quantidades capazes de abastecer um grande mercado e a preços que a massa podia pagar. Foi assim que a bebida deixou de ser exclusiva das classes nobres para ser consumida por todos. Para Philips “parece lógico que os gregos, que deram ao mundo a democracia, tenham permitido uma participação social mais ampla no consumo da bebida de quaisquer outros povos que os precederam”.

 

Diferentemente dos egípcios, que esmagavam as uvas logo após a colheita, os gregos acrescentaram uma nova etapa para aumentar o teor de açúcar da uva. O objetivo era produzir vinhos mais doces, de maior teor alcoólico e que durassem mais. Por isso, os cachos de uvas eram deixados nas videiras, para que essas murchassem e secassem ao sol por cerca de uma semana. Isso aumentava o teor de açúcar.

 

Na ilha de Tassos produzia-se um vinho vermelho-escuro característico da região. As uvas secavam ao sol por cinco dias e, no sexto, eram mergulhadas numa mistura de sumo de uva fervido e água salgada. Depois, eram prensadas, o sumo era fermentado e, antes de o vinho ser trasvasado, acrescentava-se mais uma determinada quantidade de mosto fervido. Este vinho não era apenas consumido e considerado de primeira entre os gregos, mas também servia como remédio. Era usado contra a insônia, tornava-se um abortivo eficiente e se misturado com vinagre, era bom para os olhos. Acredita-se que a maioria dos vinhos gregos fosse vermelho, muito embora os brancos também fossem valorizados. Uma frase de Homero reforça isso: “O mar Egeu é escuro como o vinho”.

 

Misticismo
Mais do que uma simples bebida, como a cerveja, o vinho adquiriu outros sinônimos e rapidamente atribuiu-se características culturais no mundo antigo. Ele foi incorporado a uma série de práticas religiosas e culturais e foi inserido em debates sobre os aspectos mais fundamentais da existência humana: fertilidade, vida, relações sociais, sexo, morte e vida depois da morte.

 

A bebida era dada aos escravos, pois, acreditava-se, que ela aumentava a força física deles; e no ritual grego de ‘tornar-se homem’, uma das etapas para as crianças serem consideradas adultas era poder tomar a bebida.

 

Entre os gregos, o vinho era consumido em ocasiões públicas. O consumo de vinho pelo homem foi institucionalizado pelo simpósio (em grego symposion, que significa ‘bebendo juntos’), uma ocasião formal que acontecia em residências particulares depois da refeição principal da noite. Cerca de doze homens, todos usando guirlandas sobre a cabeça, ficavam reclinados em sofás, bebendo vinho e conversando. Eles eram servidos por meninos e entretidos por dançarinas e músicos. O simpósio foi idealizado como uma oportunidade para discussões sobre os mais variados temas. O vinho, normalmente, não era bebido puro, mas diluído em água do mar. Como regra, o vinho era despejado na água e não ao contrário, pois acreditava-se que isso produzia uma bebida menos embriagante. As mulheres também participavam dos simpósios e, ao contrário dos homens, bebiam o vinho puro. Lógico que ficavam logo embriagadas, por isso muitas vezes são retratadas nas comédias gregas como bêbadas. Foram elas, inclusive, as primeiras a serem seduzidas por Dionísio.

Falando em Dionísio, os gregos realizavam festivais ao Deus. Uma dessas festas acontecia em fevereiro, quando chegava a época de provar o vinho novo. Nesses festivais, beber era a grande atração, o que incluía competições para ver quem tomava o maior trago.

 

No final no século IV a.C., o mundo grego mudou completamente e os romanos se tornaram herdeiros de todo o universo grego, inclusive do seu vinho. Foi aí que eles passaram a cultuar, ao invés de Dionísio, o deus Baco.

 

Dionísio
Filho de Zeus e da princesa Sêmele, Dionísio – equivalente ao deus romano Baco – é considerado o deus das festas, do vinho, do lazer e do prazer. Durante a gravidez, Sêmele ousou pedir a Zeus que se mostrasse em toda a sua glória. Relutante, ele se mostrou tal qual era e viu a amante cair fulminada. Então, retirou-lhe do ventre o bebê imortal e guardou-o em sua própria coxa até o fim da gestação. Terminada a gestação, Zeus entregou-o para que fosse cuidado por sua tia Ino.

 

Adulto, Dionísio ficou vagando por várias partes da Terra. Aprendeu sobre a cultura da vinha, da poda dos galhos e do fabrico do vinho. Atravessou a Ásia ensinando a cultura da uva. Ele foi o primeiro a plantar e cultivar as parreiras, assim o povo passou a cultuá-lo como deus do vinho.

 

Geralmente está representado sob a forma de um jovem risonho e festivo, tendo, em uma das mãos, um cacho de uvas ou uma taça. É considerado também como protetor do teatro.

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação