História do Vinho – Parte XIII

Conhecidos como ‘carreteiros do mar’, os holandeses chegaram a ostentar uma frota de 10 mil navios.

Conhecidos como ‘carreteiros do mar’, os holandeses chegaram a ostentar uma frota de 10 mil navios.

Famosos por empanturrar-se, beber em excesso, consumir muito tabaco, adorar flores raras e deleitar-se com tudo que agradasse os sentidos, os holandeses ensinaram à Europa o significado do poderio comercial das bebidas alcoólicas. Foram eles que, no desenrolar do século XVII, tornaram-se pólo comercial da Europa, distribuindo tudo o que era tipo de bebida, inclusive o vinho. E essa história é curiosa. Por mais de um século, os holandeses foram vassalos da Espanha e não tinham importância alguma e nem recursos para comercializar qualquer que fosse o produto. Até que as províncias holandesas uniram-se para lutar contra os espanhóis e, praticamente da noite para o dia, Amsterdã tornou-se uma cidade rica e próspera. Em 1650, os holandeses possuíam a maior frota mercante que o mundo já vira. Eram 10 mil navios: portanto, não foi à toa que passaram a ser chamados de ‘carreteiros do mar’, já que atravessavam todas as estradas marítimas do mundo. Por causa desse contingente, a maior parte do comércio vinícola importante e lucrativo estava em suas mãos.

 

Entretanto, eles não se limitavam a ser meros transportadores de vinho de um porto a outro. Passaram também a participar da viticultura e da vinicultura em várias regiões, principalmente em Bordeaux, na França. Compravam bebida de todo o mundo, inclusive da Espanha, com a qual estavam em guerra. Dessa forma, pode-se afirmar que durante o século XVII, período da indústria vinícola francesa, os holandeses é que estavam no comando.

 

Em prol dos brancos
Os holandeses dominavam o transporte e muitos mercados europeus. Por causa disso, tinham o poderio de influenciar a produção, a qualidade e até mesmo os tipos de vinhos a serem elaborados. Com o intuito de obter grandes carregamentos necessários para abastecer todos os seus clientes setentrionais e encher suas tabernas, eles recorreram ao grande poço de vinho representado pela costa ocidental da França, pois queriam um fluxo constante da bebida. Era Bordeaux, onde tiveram uma boa recepção. Isso por dois motivos: não só compravam muito mais que os ingleses – até então principais compradores da região –, como eram especialistas em drenagens.

 

Outro fator de destaque estava relacionado ao paladar. Enquanto os ingleses procuravam apenas os tradicionais ‘clarete’, mais leves, os holandeses buscavam algo diferente. Inclinavam-se para os brancos doces e os tintos escuros e encorpados. Além disso, compravam imensas quantidades de vinho comum que eram passíveis de destilação, já que precisavam de aguardente para acrescentá-la à água potável existente nos navios, tornando-a mais segura e palatável.

 

Suas preferências e seu poder aquisitivo logo conquistaram os viticultores. Em meados do século XVII, os holandeses se tornaram consumidores tão importantes que muitos produtores de Bordeaux trocaram os vinhedos de uvas tintas pela moscatel, para satisfazer o gosto dos novos clientes. Entre as regiões que fizeram a troca estava Sauternes, identificada pelos holandeses como um lugar onde as uvas podiam esperar até o outono para serem colhidas, o que aumentava seu teor de açúcar. Foi nesse período de hegemonia holandesa que a região de Sauternes começou a produzir o vinho branco doce que a tornou famosa.

 

Artimanhas
Além de constituírem um mercado significativo para o vinho francês e de terem maximizado o uso da terra para a viticultura, os holandeses conheciam diversos truques, como aumentar a durabilidade. Muitas vezes isso era alcançado adicionando-se álcool à bebida. E como não eram nada meticulosos, eles chegavam a acrescentar açúcar e até destilados antes de vender o vinho.
Porém, o mais importante foi que os holandeses ensinaram os franceses a queimar enxofre nos barris antes de enchê-los de vinhos. Este método, que já era usado na região do Reno, servia para estabilizar o vinho, especialmente os brancos doces, e impedir que ele continuasse fermentando durante a viagem, e com isso, perdesse parte do açúcar residual. O lado negativo desta técnica é que era necessário manter o vinho nos barris por mais tempo, antes de colocá-lo à venda, para permitir que o cheiro de enxofre se dissipasse.

 

A lógica comercial dos holandeses também os levou a procurar vinhos cada vez mais baratos, principalmente ao sul de Ingrandes, região de clima marítimo, onde incentivaram o plantio das cultivares Muscadet e Gros Plant.

 

Proibições
Todavia, o destaque dos holandeses despertou a inveja dos ingleses e, mais tarde, também dos franceses. As atividades comerciais holandesas começaram a ser restringidas e os governos dos dois países tomaram providências. Na Inglaterra, uma série de leis de navegação foi aprovada, dificultando a entrada no país de mercadorias que não fossem transportadas por navios ingleses. Por volta da década de 1650, foi decretado o Ato de Navegação, proibindo que navios de terceiros transitassem entre portos ingleses e estrangeiros – consta que, de seis navios que deixavam os portos da Inglaterra, cinco eram holandeses. A França decretou programas para construção de frota própria e criou impostos altíssimos a comerciantes estrangeiros, medida que prejudicou as exportações de vinhos de Bordeaux e causou a revolta dos produtores. Em 1652, a Inglaterra declarou guerra à Holanda. Sem se darem por vencidos, os holandeses passaram a olhar para mais longe, em busca de fornecedores de vinhos, e os encontraram na Espanha e em Portugal. As vinícolas espanholas começaram a fornecer quantidades substanciais da bebida para os mercadores holandeses. Em 1675, foram cerca de 17 mil barris de vinho, o que correspondia a 2,4 milhões de litros. As novas sondagens dos holandeses os levaram a iniciar um novo capítulo na história do vinho: nascia a tecnologia do vidro.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação