Armando Luiz Antunes

Muito além do setor vitivinícola

Danúbia Otobelli

A Cantina Luiz Antunes instalada em 1910, em Caxias do Sul, teve uma trajetória ímpar e complexa. A Adega São Luiz, a Quinta São Luiz, a Fábrica de Produtos Suínos, a Firma Luiz Antunes & Cia e os Vinhos Luiz Antunes S.A. integram as denominações da empresa que desenvolveu uma série de atividades em diversos prédios nos arredores da antiga Colônia Caxias. Inicialmente, a Cantina Antunes – como ficou conhecida – trabalhou com o comércio de vinhos e produtos suínos. Mais tarde passou a produzir os próprios vinhos e equipamentos vinícolas e destacou-se pela introdução da uva Seibel nº 2 e pelos imensos parreirais que cultivou. Entre 1930 a 1950, a Cantina viveu seu apogeu e nos anos seguintes enfrentou uma crise que culminou com o encerramento das atividades. À frente da empresa – do início ao fim – esteve o empresário Armando Luiz Antunes, personalidade viti da indústria caxiense.
Quinto filho do português Luiz Francisco e da brasileira Francisca Dias Antunes, nasceu em Porto Alegre em 8 de fevereiro de 1893. Foi na capital gaúcha que Luiz criou um empreendimento familiar para a comercialização de produtos como banha, cereais e vinhos. Aos oito anos, Armando iniciou seus estudos na Escola Brasileira e completou o curso secundário no Colégio Júlio de Castilhos. Suas tendências eram para a Engenharia, mas preferiu o comércio para dar andamento aos negócios do pai. Com 18 anos já trabalhava na firma da família. Porém, com o adoecimento do progenitor assumiu a direção da empresa e, aos 19 anos, liderava os setores de cereais e banha, mas tinha uma dedicação especial aos vinhos – desde os 10 anos cultivava um pequeno parreiral no quintal de casa.
Em 1913, a conselho do pai Luiz Antunes, mudou-se para Caxias do Sul para abrir uma filial da empresa e dedicar-se com mais veemência ao comércio de vinhos e ao cultivo das uvas. Na cidade, além de desempenhar as tarefas na administração da empresa, trabalhava na análise dos vinhos no laboratório da Adega São Luiz. Armando era ‘químico prático licenciado’ pelo Conselho Regional de Química, especializado no ramo da vitivinicultura.
Com espírito empreendedor e dinâmico, ampliou as vendas dos vinhos e dos suínos e tornou Caxias do Sul a principal fornecedora desses produtos. Com o sucesso, Armando optou pela transferência definitiva para Caxias, residindo numa propriedade no bairro Panazzolo. Nessa área, instalou-se com a esposa Jandira Neves e com as quatro filhas: Noêmia, as gêmeas Ilka e Ilza (falecida aos dois anos) e Nilza.
Na cidade, desenvolveu um grande empreendimento. Investiu na cultura da vinha e chegou a produzir mais de 100.000 parreirais de diversas espécies. O jornal Correio do Povo, em 1933, escreveu: “A família de Armando Luiz Antunes possuía uma colônia com 100.000 mudas das mais variadas castas de videiras europeias, algumas híbridas outras americanas. Três quilômetros de extensão tem os vinhedos da firma Luiz Antunes. As parreiras se acham dispostas em espaldeiras, sistema muito mais prático do que o antigo sistema latado”.
A Luiz Antunes recebeu, em 1925, durante a Exposição Municipal Agrícola, Industrial e Artística, o diploma e medalha de ouro pelos vinhos tintos e medalha de bronze para os vinhos brancos.

Política e administração
Com bom relacionamento em todos os meios, Armando, além de empreendedor no ramo da vitivinicultura, destacou-se como político e administrador, participando ativamente das decisões da cidade. Presidiu diversas entidades e grêmios esportivos. Em agosto de 1924 foi eleito conselheiro municipal pelo Partido Republicano Riograndense, onde permaneceu até 1928. Foi o segundo conselheiro mais votado, recebendo 893 votos. No cargo participou de várias comissões: a Comissão de Reclamações e Petições, a Comissão de Tomada de Contas e a Comissão do Orçamento. Em 25 de novembro de 1926 foi eleito secretário do Conselho, função que desempenhou por dois anos. Participou ainda do projeto de remodelação da Praça Dante Alighieri, a qual ajudou na reforma e no ajardinamento. Na Estátua da Liberdade, presente na praça, consta seu nome como um dos pioneiros da indústria vinícola caxiense.
Com o objetivo de defender os interesses da vitivinicultura e o aperfeiçoamento na elaboração e seleção dos vinhedos, criou o Sindicato dos Produtores de Vinho, em 1928. No livro ata do Sindicato, a Luiz Antunes está registrada como uma das fundadoras, já que, na época, comercializava vinhos para diversos Estados brasileiros. Em 1948, o Sindicato retomou suas atividades, após um período extinto, com o nome de Sindicato da Indústria do Vinho do Rio Grande do Sul (Sindivinho) e Armando foi seu primeiro presidente, permanecendo no cargo por 17 anos.
Como uma personalidade atuante na sociedade local, ajudou na organização da primeira edição da Festa da Uva, tendo sido presidente em 1932 e participando do Conselho Deliberativo da festa, em 1934, com Adelino Sassi e Abramo Eberle. Sua empresa, junto às cantinas Adelino Sassi, Ettore Pezzi e Luis Michielon, foi destaque durante o 1º Congresso de Vitivinicultura e Enologia, realizado em 1931.
Por várias vezes seu nome surgiu como candidato a prefeito, na maioria para pacificar a política caxiense, porém por causa de suas atividades vinícolas recusou todos os convites. Na política, ainda, recebeu duas homenagens do Governo por serviços prestados ao país. Pelas mãos do presidente Juscelino Kubitschek foi condecorado com as medalhas Marechal Hermes e Caetano de Farias aos patriotas.
Em 4 de fevereiro de 1963 a cidade de Caxias  prestou uma homenagem a ele, concedendo-lhe o título de ‘Cidadão Caxiense’. Na homenagem constava: “fundou uma das mais prósperas vinícolas, dedicando-se com idealismo e entusiasmo ao cultivo da videira sendo inclusive o introdutor de novas castas de uvas e estimulou o desenvolvimento da indústria do vinho (…) a projeção industrial e comercial de Caxias muito lhe deve”.

Crise e ruína
Entre os anos de 1960 a 1980, o setor vitivinícola enfrentou uma crise que acarretou no fechamento de diversas empresas. A Luiz Antunes foi uma das atingidas e Armando acompanhou também essa trajetória. A cantina chegou a contratar serviços de empresas especializadas para reestruturar o setor de vendas, mas não adiantou. Em 1965, Armando pediu afastamento da empresa e a filha Noemia assumiu os negócios. Nessa época, a firma já havia se transformado em Sociedade Anônima.
No ano seguinte, de volta à empresa, Armando foi indicado para ocupar o cargo de diretor comercial, função que exerceu até seu afastamento definitivo em 1973. Em sua carta de despedida, alegava problemas de saúde. Em ata, consta: “o plenário o ouviu em profundo respeito e, de pé, aplaudiu carinhosamente e num gesto espontâneo todos abraçaram aquele, que, durante mais de 60 anos dedicou sua vida à Cantina Luiz Antunes”.
Em 1982 foi o último ano que a Antunes vinificou. As dívidas com a União, quase todas em impostos, foram aumentando e, em dezembro de 1984, equipamentos, maquinários, bens móveis e pipas foram leiloados, sendo, aos poucos, retirados do local. Em 1985, a empresa foi ajudiciada à União devido as dívidas fiscais, dois anos depois os prédios e área foram cedidos a prefeitura de Caxias do Sul. A partir de 1998 a administração passou a desenvolver um projeto de transformação do espaço em um local de cultura. A antiga cantina Luiz Antunes deu lugar ao Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho.

Fontes: Publicação ‘Mirante – Cantina Antunes’, do
Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami; Câmara
de Vereadores de Caxias
do Sul; Jornal Pioneiro
(9 de fevereiro de 1963).

Por volta de 1940, Armando Luiz Antunes (de terno branco) recebeu autoridades caxienses na sala de recepção da vinícola Luiz Antunes.  (Foto: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami)

Por volta de 1940, Armando Luiz Antunes (de terno branco) recebeu autoridades caxienses na sala de recepção da vinícola Luiz Antunes. (Foto: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami)