Hugo Zattera

Conheça mais sobre o diretor-presidente da Agrale, empresa
que surgiu focada na agricultura familiar e se tornou uma potência

 

Gesiele Lordes
gesiele@editoranovociclo.com.br

A vida de Hugo Zattera se mistura à história da Agrale, fundada por seu sogro, Francisco Stedile, em 1962. Filho de Valério Zattera e de Augusta Nichele Zattera, nascido na colônia, em Conceição da Linha Feijó, Hugo mudou-se para Caxias do Sul aos oito anos de idade, a fim de alcançar melhores condições de ensino. Desde então, formou-se em Economia, casou-se com Vera Stedile Zattera e foi nomeado diretor-presidente da Agrale, empresa que surgiu focada na agricultura familiar e se tornou uma potência. Hoje são 2.150 funcionários diretos e três fábricas em Caxias do Sul e uma na Argentina, detendo importantes mercados, como o de viaturas militares. A trajetória de Zattera, contada na entrevista a seguir, confirma uma frase que ele mesmo usa para justificar seu gosto por História: ” a realidade é superior à fantasia”.  (Na página 15 conheça os principais fatos que marcaram a história da Agrale).

 

A Vindima: Quais são as suas melhores lembranças da infância?
Hugo Zattera: Da vida ao ar livre, sem limites, sem medo das coisas. Hoje, se nossos filhos quisessem fazer o que eu fazia quando pequeno, a gente morre. Eu saía de manhã com um caniço, uma latinha para botar os peixes, um pedaço de pão e voltava no fim do dia; no meio de mato, rio, cascata. E claro, também com uma ‘funda’ no bolso e o bolso cheio de pedras para eventuais caçadas. Isso aí era uma maravilha. Aí que a gente aprende a gostar da natureza.

AV: Naquele momento em que o senhor Stedile lhe convidou para trabalhar com ele, como foi a sua reação? O senhor imaginou que fosse chegar onde chegou?     
Zattera: Isso aí tem uma conotação interessante. Eu estava profissionalmente muito bem na Kalil Sehbe, eu era chefe de Recursos Humanos, tinha um status, ganhava bem.  E meu sogro insistia que eu fosse trabalhar com ele numa revenda de veículos que tinha aqui, que se chamava Importadora Auto Nordeste Ltda. Ela não estava lá muito bem e houve uma reestruturação societária, e ele insistia que eu fosse trabalhar lá. Não me agradava a ideia de trabalhar com o sogro, porque sempre fica uma relação meio estranha, mas ele foi muito insistente. O que me levou a aceitar, na verdade, foi uma coisa simples: na empresa onde eu trabalhava foi feita uma reestruturação e queriam dar uma estrutura administrativa um pouco mais civilizada – porque uma vez se tinha diretor e um chefe de setor e mais nada – então foi criado o cargo de gerente de produção. Eu ouvi uma conversa de que o candidato era eu, mas como eu era genro do Stedile, é claro que eu não ia ficar na empresa, então escolheram outro, e acabou minha carreira. Se eu vou ter que sair, então vou sair de uma vez, foi isso que eu pensei, senão, nunca teria saído. Eu gostava muito da empresa, tinha uma relação muito boa com o Victor Jorge Sehbe, com o Miguel Sehbe, até com o seu Kalil. Foi um período complicado. Era um período pós-revolução em que foi criado o sistema de venda direta, o financiamento, que não existia em outros períodos, mas era muito complicado, inflação alta. Desta empresa, que na ocasião se chamava Importadora Auto Nordeste, a parte de automóveis foi vendida para uma empresa de Porto Alegre. Aí que fundamos a Lavrale e esta empresa se dedicou especificamente à venda de tratores na região, e a fabricação de implementos e cresceu muito. A Lavrale foi a empresa que, possivelmente, mais contribuiu para a mecanização agrícola de toda a nossa região. A mecanização agrícola foi um divisor de água. Fomos expandindo e a Agrale fez o trator quatro rodas. Nós fizemos muito sucesso.

AV: Nestes momentos difíceis que o senhor passou pela sua trajetória empresarial, teve algum em que o senhor pensou em desistir ou ficou menos confiante?   
Zattera: Pensar em desistir nunca, o problema é como é que se acha uma saída, porque tudo tem solução. Mas foi um período muito tumultuado para nós e para outros, mas especialmente na área de maquinário agrícola, porque inicialmente não existia o sistema de financiamento que existe hoje. Existia um sistema mais rudimentar, era difícil conseguir resultados e junto a isso vieram aqueles períodos inflacionários muito altos, então quando não tinha dinheiro para financiamento, não tinha venda. Foram períodos muito complicados, mas graças a Deus sobrevivemos. Muita gente desapareceu neste período. Tinha muito fabricante e foram desaparecendo, mas nós conseguimos sobreviver.

Fotos:  Jéfferson Bernardes/divulgação

Fotos: Jéfferson Bernardes/divulgação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AV: O que lhe ajudou a seguir em frente?    
Zattera: Eu acho que postura de vida. A gente tem que fazer as coisas andarem, não dá para nos conformarmos com as dificuldades. Nós, na verdade – e aí eu falo muito da Lavrale, como eu participei mais no início – no dia a dia, éramos muito criativos. Éramos e somos criativos. Desenvolvemos linhas completas de produtos. O trator e a aplicação dele vem do implemento. Então, quanto mais implementos têm, mais opções de aplicações tem o trator, e para um trator pequeno como aquele conseguimos fazer milagre com a linha de implementos que tínhamos. Como o Brasil é grande e há regiões diferenciadas, às vezes uma não ia bem, mas outra sim, e começava a compensar. A zona cafeeira sempre foi uma área importante para nós assim como a nossa região, a região da pequena propriedade. Naquela época, se a gente retroagir a fundação da Agrale, ela foi fundada exatamente para produzir tratores para pequenas propriedades, que hoje chamam de agricultura familiar, e foi aí que ela cresceu, em cima deste conceito que hoje está muito badalado. O Brasil tem mais de quatro milhões de propriedades familiares. É ali que está o grande potencial do Brasil crescer, é ali que se pode criar uma sociedade média no meio rural, e aí há diferenças muito importantes. Existem regiões como Caxias, a região da Serra, em que a pequena propriedade é um êxito, e existem outras regiões que têm terras boas e não conseguem ir adiante. Esta nossa gente tem uma tradição de trabalho muito forte, esperto,  produz e comercializa, mas há outras regiões que não têm a mesma estrutura cultural e o governo precisa apoiar. Mas quando o governo apoia o pequeno proprietário, esta é a grande meta: ele tem que sair da agricultura de subsistência e entrar para agricultura de excedentes. Enquanto ele produz só para comer, não cresce. Ele tem que ter volume de produção que permita vender e ter renda. Com estes programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário estão conseguindo avançar, mas é um processo que leva décadas. Se conseguirem fazer pelo país um modelo que temos aqui, o país será riquíssimo. E existe o outro tipo de agricultura, aquela empresarial, de grandes proporções, que ali o que o governo pode fazer é não atrapalhar, porque eles se viram sozinhos. Na pequena propriedade é preciso duas coisas fundamentais: mecanização e tecnologias mais avançadas na área agronômica.

AV: Qual a decisão mais difícil que o senhor já tomou?    
Zaterra: Ah, esta pergunta não saberia te responder. Decisões difíceis foram muitas, qual foi a mais difícil eu não sei te dizer. Em nível pessoal, acho que a mais difícil foi aquela de aceitar ou não trabalhar com meu sogro, mas como trabalhamos separados eu sempre tive uma ótima relação com ele. Em nível empresarial não sei te dizer, porque foram muitas decisões difíceis. Uma que com certeza mudou muito a vida foi quando a Agrale e todas as empresas do setor passaram por uma crise muito grande na década de 90. Neste momento tivemos que fazer uma reestruturação importante na empresa e como nós costumamos pagar as contas, acabamos vendendo a Fras-le e meu sogro me convidou para vir aqui, ajudá-lo na Agrale. Eu sempre participei muito da Agrale, mas não na administração direta. Eu achei que em seis meses eu ajeitava a vida, nomeava diretores e caia fora, mas esqueci de perguntar quantos anos tinham estes meses, e estou aqui há quase 20 anos. Acabamos comprando outras empresas. O nosso grupo detém o controle da Agrale e da Agritech Lavrale, que é a que faz os tratores Yanmar. E depois colocamos uma fábrica na Argentina.

AV: Quais os valores que nortearam as suas escolhas?
Zattera: Acho que isso vem muito da ‘escola’ que eu tive na família e do caráter. Eu sempre procurei trabalhar duro porque com moleza tu não consegue nada; tem que se aprofundar nos temas, não dá para ser muito superficial; planejar e executar, e ter uma ética muito grande nos negócios. Nós temos negócios que encaramos com seriedade, transparentes, com lealdade, e temos relações com muitas empresas. Vou dar um exemplo: nós trabalhamos 15 anos produzindo para a Navistar. Fizemos um acordo de cinco anos e mais 10 sem acordo nenhum porque se conhece quem é , sabe o que se trata, e o que se trata está tratado.
AV: Se o senhor voltasse no tempo, teria feito alguma coisa diferente ou teria deixado de fazer algo?
Zattera: Não sei se eu faria alguma coisa diferente. Acho que a forma como foi decidido era o caminho. Está boa a vida assim. Ela dá muito trabalho, exaspera e tudo, mas pensa na outra alternativa: não fazer nada é um desastre.

AV: Quais pessoas o senhor tem como exemplo de trajetória?    
Zattera: Eu começo pela Kalil Sehbe. Tinha três diretores de lá que eu respeito muito pela atitude e forma de trabalho. Eram o doutor Jorge Sehbe, o seu Miguel Sehbe e o Murilo Marcon, que era meu diretor. É gente clara, direta, trabalhadora. E o seu Francisco Stedile, que eu sempre admirei muito. É uma pessoa simples, de visão, obstinado. Olha o que resultou das iniciativas dele.

AV: Quais são os próximos passos da Agrale?    
Zattera: A Agrale tem uma trajetória de crescimento muito importante. Nós somos uma empresa bastante inovadora, porque somos uma empresa de nicho e, no Brasil, somos a única montadora que realmente tem capital e controle nacional e que desenvolve e fabrica seus produtos. As outras grandes montadoras, não quero menosprezar, trazem projetos prontos. E nós desenvolvemos produtos e escolhemos mercados específicos onde possamos desenvolver produtos qualificados e que nos permitam avançar no mercado. Por exemplo: nós desenvolvemos chassis de ônibus 4×4. A  Agrale é líder nesse mercado de chassis de ônibus 4X4 da linha leve e assim mesmo é o terceiro de todas as linhas do país. Nós fazemos um trabalho que ninguém tem; os chassis 4 x 4 ninguém tem. Estamos vendendo alguns milhares para a nossa parceira aqui, que é a Volare. Nós também, há uma década, entramos na área de viaturas militares. Investimos durante quase nove anos, agora estamos colhendo resultados. Precisa ter persistência para isso. Temos crescido aqui e temos crescido na Argentina, onde somos o segundo produtor de chassis de ônibus, apesar da situação da Argentina, que não é muito favorável.

AV: O que o senhor considera, na sua personalidade, o seu potencial competitivo?
Zattera: Isso ai tu vai ter que perguntar para alguém. Eu sou eu. Eu procuro me antecipar no tempo, isso sim; tem que procurar enxergar o futuro. Enxergar, planejar e fazer. Eu insisto nas coisas e tenho tido alguma sorte em perceber alguns caminhos que o mercado vai. O básico mesmo é bastante trabalho, é repetir aquele golfista americano (Arnold Palmer): “quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho”.
AV: Longe do escritório, nas horas vagas, o que o senhor gosta de fazer?
Zattera: As mesmas coisas, porque eu vou para casa e continuo (risos). Eu gosto muito de leituras, mas como eu não pratico muitos hobbys, eu costumo trabalhar nas coisas da empresa. Eu não gosto muito de televisão, então eu continuo com alguns trabalhos da empresa ou leituras.

 

credito Jéfferson Bernardes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um pouco da
história da Agrale

1962
Em 14 de dezembro a Agrale é fundada com a denominação de Agrisa- Indústria Gaúcha de Implementos Agrícolas S.A., produzindo motocultivadores e seus motores diesel.
1965
Em 14 de outubro, o Grupo Francisco Stedile adquire o controle acionário da Agrisa, transferindo-a para Caxias do Sul e alterando sua denominação para Agrale S.A Tratores e Motores.
1968
Lançamento do microtrator de quatro rodas Agrale 415, primeiro trator fabricado no Rio Grande do Sul.
1982
Início da comercialização do caminhão Agrale TX 1100, precursor da atual família de veículos Agrale.
1983
Início da produção de motocicletas e ciclomotores.
1988
Antecipando-se ao conceito do Mercosul, a Agrale firma acordo com a empresa Deutz, (Alemanha e Argentina), que dá início a fabricação de tratores pesados  “Agrale Deutz” no Brasil e dos caminhões “Deutz Agrale” na Argentina.
1996
Desenvolvimento dos primeiros chassis projetados especialmente para microônibus.
1997
Introdução de uma gama de tratores agrícolas médios.
1998
Início de montagem dos caminhões médios e pesados “International” no Brasil, fruto de um acordo de montagem, descontinuado em 2013, com a empresa norte americana Navistar.
2004
Lançamento da família de viaturas 4×4 Agrale Marruá
2006
Lançamento do primeiro trator brasileiro a admitir o uso de biodiesel.
2007
Lançamento do caminhão 13.000, marcando entrada no segmento de médios.
2008
Início das Operações da Fábrica da Agrale Argentina S.A.
2009
Apresentação do ônibus Hibrido, diesel/elétrico, Agrale “Hybridus”. Lançamento da Linha de Tratores Compact.
2011
Apresentação da nova Geração de Caminhões Agrale 2012 e entrada da nova motorização Euro V nos caminhões, chassis e utilitários Agrale Marruá.
2013
Lançamento da Linha 500 de Tratores Agrale, do novo Trator 5105 e do Caminhão Agrale Marruá AM 41, destinado às Forças Armadas.