Isolda Holmer Paes

Uma dama no vinho brasileiro

 

As mulheres passaram de coadjuvantes a especialistas exigentes no mundo do vinho. Se há 20 anos, ela

Em 1998, recebendo o 'Troféu Vitis', da Associação Brasileira de Enologia (ABE) ao lado de Gilberto Pedrucci. (Foto: ARQUIVO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENOLOGIA/divulgação)

Em 1998, recebendo o ‘Troféu Vitis’, da Associação Brasileira de Enologia (ABE) ao lado de Gilberto Pedrucci. (Foto: ARQUIVO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENOLOGIA/divulgação)

‘entendiam’ pouco sobre a bebida, hoje são consumidoras assíduas, entendem técnica e culturalmente a vitivinicultura. Essa mudança, pode-se dizer, esta associada a uma brasileira: dona Isolda Holmer Paes, também conhecida como ‘a dama do vinho brasileiro’. Foi ela que no final dos anos 1990 criou a Associação das Mulheres Amigas do Vinho (Amavi), primeira entidade de caráter internacional para a promoção e divulgação do vinho exclusivamente para as ‘damas’ e se tornou pioneira na liderança feminina em uma área, até então, dominada pelos homens. Entre os muitos títulos que recebeu, foi agraciada com o de chevalier por confrarias da França e da Holanda.

A paixão pelo vinho chegou tarde na vida de Isolda, mas sempre esteve ligada ao gosto pelo ensinar. Aos 69 anos, alguns dias após ter se aposentado como professora de literatura e línguas, estava sentada em sua casa, em Porto Alegre, e lembrou-se de um livro recém comprado, que ainda não tinha lido. Era uma obra sobre enologia e viticultura. Ao iniciar a leitura – conforme contou a revista Bon Vivant, numa entrevista realizada em 1999 – descobriu que tinha um grande interesse por vinhos. Começou a ler e estudar enologia. Juntou uma coleção com cerca de 500 volumes sobre a bebida, se aprofundou em pesquisas e visitou os principais países vitivinícolas fazendo amigos em toda a parte. Iniciou uma nova fase em sua vida, agora como se fosse uma aluna preparando-se para ser professora nesse assunto. “Tudo o que aprendi sempre tenho que contar para o outro. Se descubro um novo vinho, a primeira coisa que eu tenho vontade de fazer é contar a minha experiência”, disse em entrevista.

A educadora
Dona Isolda nasceu em Taquara, na primavera de 1911, numa família com dez filhos. Com os pais Francisco Otto Holmer e Maria José Wellausen Holmer vivia numa casa povoada por música erudita. Os irmãos costumavam tocar flauta, violino ou cítara. Foi nesse ambiente que ela cresceu, fazendo companhia a mãe, já que o pai havia falecido quando ela tinha quatro anos. Na adolescência começou a se desenhar o caminho para o magistério. Porém, alguns empecilhos se apresentavam: as limitadas economias da família e a cidade que não proporcionava estudo além do primário. A opção era mudar-se para Porto Alegre, mas isso era difícil e o sonho do magistério foi deixado de lado, vindo a se concretizar anos mais tarde.

Aos 19 anos, Isolda casou-se com o professor de direito romano Elpídio Paes e mudou-se para a capital gaúcha. Influenciada pelo marido, a educadora dentro despertou. Começou a estudar latim, depois o francês. Aos poucos foi se inteirando e passou a frequentar a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde Elpídio era professor. Lá decidiu cursar Letras, mas antes disso precisava terminar o secundário. E junto as meninas mais novas concluiu o ginásio e o colégio. Passou em primeiro lugar no vestibular e ingressou na UFRGS. Na universidade lecionava para alunos do nível superior e no colégio Aplicação, a qual ajudou a fundar e introduzir novas metodologias, ensinava aos adolescentes. Publicou três livros e presidiu diversas associações e comissões ligadas ao ensino. Por mais de 40 anos exerceu o magistério, até se dedicar ao vinho.

A bebida dos deuses
Como já mencionado, foi após se aposentar que dona Isolda se apaixonou pelo vinho. Estudou sistematicamente sobre o assunto e viajava constantemente para conhecer as caves de todo o mundo. Até seu falecimento, em 2002, aos 91 anos, visitava Bordeaux anualmente para participar da Vinexpo (salão mundial de vinhos e destilados realizado na França). Pelos locais que passava, cultivava amizades e admiradores. Um vinhateiro do sul da França, certa vez, lhe escreveu uma carta poética que dizia: “as folhas estão ficando amareladas/ é próximo ao outono/ as uvas estão maduras nos pés/ vai começar a colheita/ os campos estão bonitos/ há um aroma especial/ você precisa retornar”.

Em sua casa na capital, reunia pessoas que queriam conhecer mais sobre vinhos. Promovia aulas de degustação, ensinava a arte de degustar e costumava organizar viagens pelo mundo a fora. Produziu artigos, proferiu conferências e concedeu entrevistas para jornais, rádios e televisões brasileiras e internacionais divulgando a cultura vinícola. Tanta dedicação, fizeram com que ela presidisse por duas vezes a Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (SBAV-RS), fosse membro da Association of Wine Tasters, na Holanda,  da Chevaliers du Taste-Vin, na França, e da Confraria De Lantier, no Brasil. Por seus trabalhos junto à enologia, recebeu ainda o título de embaixadora ‘Los Vinos deu Mundo’, conferido pela Confraria argentina; o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE); o troféu ‘Enoteca Italiana’; Cofrère Compagnos, da Holanda; e o ‘Sócia Honorária de Soaves’, na Espanha.

Foi considerada a mais importante mulher no mundo do vinho brasileiro em dedicatória especial no livro Guia dos Vinhos Brasileiros, mas em entrevista costumava dizer: “Hoje eu acho que ainda não sei nada. Falta-me um conhecimento que eu nem vou adquirir, que não terei tempo para isso, que é o conhecimento do vinho dentro do copo. Sei muitas coisas, mas não sei ainda algumas que eu queria saber. O assunto é mais complexo que parece”.

Fontes: Revista Bon Vivant, de novembro de 1999/ ensaio ‘Isolda Holmer Paes – A constante aprendiz, a eterna educadora’, de Berenice Gonçalves Hackmann, presente no livro ‘Identidade e vida de educadores Rio-grandenses: narrativas na primeira pessoa (…e em muitas outras)’, publicado em 2004.

 

Dona Isolda junto com o enólogo Adolfo Lona, no baile da Confraria De Lantier.

Dona Isolda junto com o enólogo Adolfo Lona, no baile da Confraria De Lantier.