Viticultura de qualidade começa com mudas de qualidade – Parte 1

Especialistas da Embrapa Uva e Vinho indicam e orientam sobre as técnicas de plantio. Qualidade fitossanitária essencial

 

Daniel Grohs, Lucas da Ressurreição Garrido e Thor Vinícius Fajardo
Embrapa Uva e Vinho

Diversas causas estão relacionadas ao declínio e morte de mudas de videira. A qualidade fitossanitária da própria muda é a principal delas. Mudas de baixa qualidade, além de introduzirem uma série de pragas e patógenos no vinhedo, têm poucas chances de sobrevivência. Porém, além da qualidade intrínseca do material propagativo, existem outros fatores relacionados à morte de mudas, destacando-se: os fatores abióticos (como solos com elevados teores de Cobre); os fatores bióticos (como vinhedos com elevada infestação por pragas e patógenos de solo) e os fatores de manejo relacionados ao plantio da muda (como a fitotoxicidade por herbicidas e a má drenagem).

Neste cenário, é comum que mudas no período de um a quatro anos, permaneçam com fraco desenvolvimento, entrem em declínio e frequentemente morram. Desta forma, as dez indicações técnicas descritas neste guia são um conjunto de etapas que o viticultor deverá seguir no ano de plantio da muda. Ao longo destas indicações busca-se a máxima manutenção das qualidades fitossanitária, fisiológica e nutricional da muda.

Patógenos de solo como os causadores de podridões radiculares e de tronco, podem distribuir-se entre plantas do vinhedo através do contato das raízes de plantas doentes com as de sadias. Ao infectar as raízes e a base do tronco, com ou sem ferimentos, o fungo coloniza a planta promovendo a obstrução dos vasos. Também, a parte aérea de plantas antigas, em geral, está infectada por fungos relacionados a podridão descendente (Botryosphaeria sp.). A manutenção destas plantas contribui para o aumento do inóculo destes patógenos, causando sua dispersão continuada e incontrolável no futuro vinhedo. Portanto, é injustificado que na atual vitivinicultura, a renovação de vinhedos ainda ocorra com o plantio de mudas junto às plantas do cultivo anterior (Fig. 1a).

 

Figura 1a

(Fig. 1a)

Indicações
– Erradicação total das plantas do cultivo anterior da área a ser renovada (Fig. 1b).

Figura 1b - Renovação de área com o erradicação total das plantas do cultivo anterior.

Figura 1b – Renovação de área com o erradicação total das plantas do cultivo anterior.

Os restos vegetais das plantas erradicadas deverão ser retirados do vinhedo e imediatamente eliminados. Os resíduos vegetais menores serão eliminados pelo preparo antecipado do solo.
– Caso a declividade e/ou pedregosidade do terreno não permita o arranquio das plantas com trator, deverá ser utilizado herbicida sistêmico para sua eliminação no local. O herbicida deverá ser aplicado diretamente sobre o tronco cortado da planta. A prática deverá ser repetida até que não haja mais a emissão de rebrotes.

– É altamente recomendável pelo menos um ano de pousio, com a manutenção continuada de culturas gramíneas neste período após a erradicação. Exemplo de sistema para “quebra” do ciclo de doenças é a sucessão aveia preta no inverno e milho no verão (Fig. 1c).

Figura 1c - Renovação de área após um ano de pousio com cultivo de milho no verão

Figura 1c – Renovação de área após um ano de pousio com cultivo de milho no verão

– A melhor estratégia de renovação é a erradicação escalonada de partes vinhedo. Uma proposta é a substituição de 25% da área total por ano, eliminando as plantas em declínio mais duas ou três plantas ainda não sintomáticas no entorno do foco, como margem de segurança.

 

 

 

Preparo antecipado do solo
Patógenos de solo, como os causadores da doença “pé preto” (Cylindrocarpon spp., Ilyonectria macrodidyma) e a doença de Petri (Phaeoacremonium spp., Phaeomoniella spp.) são comumente reconhecidos como saprófitos, ocorrendo nos restos de plantas do cultivo anterior ou na matéria orgânica do solo. Estes patógenos possuem a capacidade de infectar raízes jovens, através dos ferimentos ocasionados no preparo ou plantio de mudas. Também, áreas do vinhedo predispostas ao acúmulo de água devido a má drenagem ou compactação de solo (Fig 2a), estão altamente relacionadas a maior incidência dos patógenos causadores de podridões radiculares.

Figura 2a - Área pronta para a implantação do vinhedo sem confecção de sistemas  para controle de drenagem e erosão

Figura 2a – Área pronta para a implantação do vinhedo sem confecção de sistemas para controle de drenagem e erosão

Já as áreas declivosas, estão associadas a elevada erodibilidade do solo, acarretando na perda da camada fértil e, consequentemente, dos nutrientes. Além disso, o escoamento superficial contribui para dispersão dos esporos de patógenos na área do vinhedo. O preparo antecipado objetiva expor os restos vegetais do cultivo anterior (incluído as raízes mais profundas) aos efeitos da degradação. Com isto, expõe as estruturas dos patógenos à radiação solar. Também, permite que as camadas compactadas do solo sejam quebradas melhorando sua aeração. Portanto, será neste momento que o viticultor realizará a remodelação do vinhedo. Devem-se buscar a melhoria das condições de trabalho, da mão-de-obra e a maximização da mecanização (colheita e pulverizações mecanizadas, por exemplo).

 

 

 

Indicações
– Sucessivas arações e gradagens do solo. O ideal é a aração mais profunda possível com um intenso revolvimento do solo para exposição do máximo de raízes.
– Confecção de camalhões na linha de plantio (Fig. 2b) e/ou sistema de drenagem sub superficial nas áreas predispostas ao acúmulo de água.

Figura 2b - Área pronta para a implantação do vinhedo com confecção de camalhões para controle de drenagem

Figura 2b – Área pronta para a implantação do vinhedo com confecção de camalhões para controle de drenagem

 

 

 

 

 

 

 

 Figura 2c - Área pronta para a implantação do vinhedo com confecção de terraços para controle de erosão

Figura 2c – Área pronta para a implantação do vinhedo com confecção de terraços para controle de erosão

– Confecção de terraços (Fig 2c), patamares e/ou estradas nas áreas predispostas a erosão do solo. É recomendável a reestruturação da logística de acesso ao vinhedo permitindo o livre transito de pulverizadores, tratores e implementos agrícolas.
– Realização antecipada do preparo de solo. Na medida em que as chuvas de outono aumentam (março), diminuem-se os dias com condições ideais de solo para os trabalhos com tratores e retroescavadeiras.

 

Indicações
– Realização de análise do solo imediatamente após a última gradagem/aração. A coleta da amostra será na profundidade de 20 cm. Posteriormente, será solicitado ao Laboratório de Análise de Solos a determinação dos macro e micronutrientes. Para a calagem com foco no manejo dos altos teores de Cobre, na região da Serra Gaúcha, considera-se que para valores de Cobre acima de 100 mg/kg-1 de solo, as indicações de calagem variam conforme o índice SMP, para o pH em água de 6,5. Porém, em áreas ou regiões onde os teores de matéria orgânica são considerados baixos (menores que 2,0%), a fitotoxicidade provocada já ocorre com teores de Cobre abaixo dos 100 mg/kg-1 de solo.

– Para a adubação corretiva do fósforo, potássio e boro a dose varia conforme a tabela 1. Será dada ênfase ao uso da matéria prima simples (cloreto de potássio, superfosfato triplo e borax), pois têm melhor relação custo benefício. A aplicação será a lanço de forma uniforme em toda a área. Destaca-se que a aplicação do adubo nitrogenado não será neste momento e sim no plantio da muda (indicação 9).

Calagem e adubação de correção

Em vinhedos antigos com plantas em produção, a sintomatologia da fitotoxidez por Cobre normalmente não é observada devido a capacidade de adaptação que as plantas vão adquirindo ao longo do tempo. Porém, na erradicação destes vinhedos, o solo é revolvido para o novo plantio. Como consequência, a oxidação da matéria orgânica é potencializada, aumentando a disponibilidade do Cobre que poderá ser tóxico às videiras jovens (Fig 3a). A correção do solo no pré-plantio tem efeito mitigador do Cobre. Em solos ácidos, com o aumento do pH, a densidade de sítios de adsorção para esse metal aumenta, o que reduz sua disponibilidade para as plantas.

Figura 3a -  Mudas com sintomas de fitotoxicidade.

Figura 3a – Mudas com sintomas de fitotoxicidade.

Também, toda condição ambiental que gere estresse fisiológico da muda aumenta sua suscetibilidade a infecção por pragas e doenças. Solos ácidos e em desiquilíbrio nutricional geram este estresse.
Nas áreas vitícolas do Sul do Brasil à exceção do Boro (que em geral está deficiente), os demais nutrientes ou estão em excesso ou em desbalanceados entre si. Sem uma correta interpretação da análise de solo é comum o agravamento desta condição. Portanto, é obrigatório que o viticultor conheça em detalhes a condição química do seu solo antes do plantio das mudas.

 

 

 

 

 

 

Atualmente, a Embrapa trabalha com um grupo de viveiristas licenciados, sistematicamente acompanhados para uma produção qualificada de muda. Para saber mais, acesse (https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/cultivares-e-porta-enxertos).