Receituário agronômico e as consequências para quem não cumprir as normas

Documento é exigido por lei na compra de agrotóxico e deve ser prescrito por um profissional

Com o intuito de orientar o uso racional de agrotóxicos, tendo o diagnóstico da propriedade como pré-requisito, o receituário agronômico é uma exigência legal para a compra de todo e qualquer produto classificado como agrotóxico. O documento deve ser prescrito por um engenheiro agrônomo ou profissional da área, e é fundamental para o exercício de uma agricultura mais sustentável, além de disciplinar o comércio de agrotóxicos. Apesar de ser exigido desde 1989, o receituário ainda gera dúvidas entre os agricultores, principalmente de onde procurar o documento e em que casos ele se faz necessário.

O Jornal A Vindima conversou com o engenheiro agrônomo do Conselho Regional de Engenharia a Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS), Luiz Pedro Trevisan, para esclarecer como funciona o receituário agronômico no dia a dia do agricultor. Trevisan explica que o receituário é um documento prescrito pelo profissional legalmente habilitado, principalmente um engenheiro agrônomo, que recomenda e prescreve um produto agrotóxico a ser aplicado pelo agricultor em uma cultura na qual existe algum problema. “É como se fosse uma receita médica, mas aplicada às plantações. O documento é importante, pois tem todo o exercício técnico feito pelo profissional, que vai recomendar um produto que venha a beneficiar a cultura, e com o mínimo possível de reflexos negativos ao meio ambiente”, explica Trevisan.

Esses profissionais podem ser solicitados em órgãos como sindicatos rurais, Emater e em casas agrícolas. Antes de emitir o receituário, o engenheiro deve conversar com o produtor para entender o problema e visitar a propriedade para fazer um diagnóstico – que pressupõe a análise de sinais e sintomas da cultura que se pretende controlar, das condições do clima e do estágio e condições da lavoura. “O receituário pode ser feito pelo profissional que o agricultor já tem um relacionamento, ou pode ser buscado nesses órgãos citados. Antes de mais nada, o engenheiro deve visitar a propriedade para ver o problema, se realmente é necessário aplicar algum agrotóxico, porque aplicar esses produtos é o último recurso diante de uma adversidade”, enfatiza o engenheiro. Em casos onde o profissional conhece a propriedade, já tenha conhecimento do local, ou seja uma situação de tratamentos preventivos – antes que a doença se instale na cultura, a visita na propriedade pode ser dispensada.

Penalidade para quem não cumpre a lei

Descumprir a lei e não dar a devida atenção necessária ao receituário agronômico pode gerar infrações tanto para profissionais quanto para os usuários ou comerciantes. Aos profissionais que prescrevem o documento, fazê-lo com um diagnóstico falso, de maneira genérica, errada, displicente ou indevida pode gerar penalidades previstas em lei, além de responder junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia por acobertamento e/ou Ética Profissional. O comerciante também pode se complicar caso realize a entrega de agrotóxicos sem a apresentação do receituário, sem nota fiscal ou ainda com produtos falsificados.

Para o produtor rural, o uso do agrotóxico demanda uma série de cuidados, desde a compra acompanhada pelo receituário, até a aplicação e destinação correta das embalagens. A fiscalização é uma responsabilidade da Secretaria da Agricultura do Estado, que pode aplicar multas e também, dependendo do caso, encaminhá-lo à Justiça. “Os fiscais estaduais fazem a análise e fiscalizam o conteúdo da receita agronômica. No caso dos agricultores, existe uma série de situações que envolvem os agrotóxicos que são passíveis de autuação, e isso pode acontecer em uma responsabilidade compartilhada com o profissional que prescreveu a receita, dependendo do caso. Nas cidades da Serra sabemos que vinícolas já estão demandando aos produtores que comercializam uvas a execução dessa legislação”, aponta o engenheiro agrônomo Rafael Friedrich de Lima, chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários da Secretaria da Agricultura gaúcha.

Algumas das infrações que geram multa ao agricultor: utilizar agrotóxico em desacordo com a receita agronômica pode prejudicar a lavoura vizinha por deriva; não fornecer o Equipamento de Proteção Individual (EPI) ao funcionário; armazenamento inadequado dos agrotóxicos e de embalagens vazias; aplicar agrotóxico com equipamento distinto daquele indicado na receita ou aplicar em cultura diferente da indicada no documento; não apresentar as receitas agronômicas referentes aos agrotóxicos adquiridos; utilizar agrotóxicos não registrados, não cadastrados ou com restrição de uso; ausência de notas fiscais de aquisição dos agrotóxicos, “A fiscalização dá um prazo de adequação ao produtor, salvo casos mais graves ou de reincidência onde então é utilizada como ferramenta a autuação.

O que é mais comum é o desvio de uso do produto, quando o agrotóxico indicado para determinada cultura é utilizado em outra. As multas podem chegar a até R$ 18 mil (em caso de reincidência ela duplica) e dependendo do caso, se houver, por exemplo, contaminação ambiental, são acionados órgãos como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, complementa o engenheiro.

Recomendações
– Se necessária, a compra dos agrotóxicos pode ser feita no local de preferência do agricultor, não existe nenhuma obrigação de adquirir o produto no estabelecimento que prescreveu a receita.
– O produtor deve guardar todas as notas fiscais de insumos e receituários agronômicos por pelo menos dois anos.
– Após o uso, a destinação correta das embalagens de agrotóxicos também está prevista em lei. O agricultor deve realizar a tríplice lavagem de cada embalagem e, após, devolver tudo no local da compra. É uma obrigação da revenda aceitar as embalagens usadas.
– Produtos de marcas desconhecidas, baratos ou com preços muito abaixo do mercado são motivo de desconfiança. “Nessas condições, com certeza são produtos falsificados ou contrabandeados. Se esses insumos forem encontrados pela fiscalização na propriedade, se desencadeia todo um trâmite criminal. Os produtores devem ter muito cuidado com a compra de insumos”, destaca o engenheiro agrônomo Rafael Friedrich de Lima.

As vantagens
A comercialização de produtos fitossanitários vinculada a uma receita agronômica é uma exigência legal e prática recomendada em muitos países há algum tempo. Como, por exemplo, a Califórnia, nos Estados Unidos – em 1978 já existiam mais de 2 mil agrônomos credenciados a autorizarem a venda de produtos fitossanitários. No Brasil, a medida tornou-se obrigatória desde julho de 1989, data da publicação da Lei Federal 7.802. O engenheiro agrônomo Luiz Pedro Trevisan destaca duas principais vantagens em buscar o receituário agronômico – a primeira é estar dentro da lei e a segunda é a segurança que a presença do profissional traz para a propriedade. “A receita é uma exigência legal, além de que o profissional habilitado estará receitando um produto que vai ajudar a plantação, assim como assumir a responsabilidade por aquilo que está recomendando. Mas, principalmente, a receita agronômica traz qualidade para qualquer cultura. O produtor vai ter um produto saudável e registrado, o que facilita inclusive no momento da venda no mercado”, enfatiza Trevisan.