Criação de abelhas sem ferrão, opção de investimento

Meliponicultura atrai olhares tanto para as características singulares do mel quanto pelo aumento da produção agrícola por meio da polinização

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Há sete anos o produtor Orlando Morschel, 40 anos, morador da Linha São Jacó, no município de Nova Petrópolis, resolveu profissionalizar um gosto que tinha desde a juventude, o de criar e cuidar de abelhas. As participações em cursos sobre o assunto foram se intensificando após a família detectar problemas na formação de frutos da produção semi-hidropônica de morangos, resultado da falta de polinização. Morschel investiu nas abelhinhas e hoje é dono de uma das maiores criações de abelhas sem ferrão, a meliponicultura, na região. São cerca de 25 espécies de abelhas nativas do Rio Grande do Sul e também de diversos Estados brasileiros como Maranhão, Acre, Bahia, Santa Catarina, Mato Grosso, entre outros. Além de melhorar a polinização dos morangos, a meliponicultura transformou a propriedade da família – o que antes era um passatempo virou o negócio profissional e rentável, especialmente com a venda de colmeias.

A criação das abelhas sem ferrão, indígenas ou nativas é uma atividade muito antiga. De acordo com o engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar, Paulo Conrad, são mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão no Brasil, sendo que no Rio Grande do Sul chega a 20 espécies, entre elas a Jataí, Mirins, Irapuá, abelhas mel de chão, muito encontradas na região do Vale do Taquari; além ainda da Mandaçaia e Manduri, que já existiram, são nativas do Estado gaúcho, mas não se encontram mais na natureza. A engenheira agrônoma Andréia Binz Tonin, da Emater de Lajeado, explica que em função das diferenças climáticas do Rio Grande do Sul, a ocorrência de espécies de abelhas sem ferrão é variável. “Em todas as regiões do Estado existem criadores de abelhas sem ferrão, mas a região do Vale do Taquari destaca-se na meliponicultura, e possui, desde 2014, uma associação de criadores de abelhas sem ferrão. A Associação de Meliponicultores do Vale do Alto Taquari (Amevat), fundada em abril de 2014, conta hoje com mais de 80 associados”, destaca.

Nos últimos 15 anos, técnicos e pesquisadores começaram a entender melhor as abelhas sem ferrão e hoje há eventos para troca de experiências, onde se busca mais informações. Essas abelhinhas vêm ganhando a atenção dos produtores. “Embora a produção de mel de abelhas sem ferrão seja inferior à da abelha Apis mellifera (abelha com ferrão), a criação de abelhas sem ferrão possui vantagens muito importantes em relação às outras espécies, especialmente pelo fato de elas estarem muito mais adaptadas à polinização das árvores nativas de nossas florestas. O mel das abelhas sem ferrão obtém melhor preço no mercado por se tratar de um produto especial com aroma e sabor de características únicas de cada espécie. Além disso, a criação de abelhas sem ferrão pode contribuir para o aumento da produção agrícola por meio do serviço de polinização prestado pelas abelhas”, destaca Andréia, que atua na assistência regional em Apicultura e Meliponicultura da Emater/RS-Ascar.

Sem abelhas, sem alimento

A polinização é o processo que garante a produção de frutos e sementes e a reprodução de diversas plantas, sendo um dos principais mecanismos de manutenção e promoção da biodiversidade na Terra. Para que ela ocorra, entram em ação os polinizadores, que são animais como abelhas, vespas, borboletas, pássaros, pequenos mamíferos e morcegos responsáveis pela transferência do pólen entre as flores masculinas e femininas. Em alguns casos, também o vento e a chuva cumprem este processo. É certo, entretanto, que são as abelhas os agentes mais adaptados, mais eficientes e, portanto, os mais importantes no processo de polinização, havendo grande interdependência entre espécies de plantas e seus respectivos polinizadores, que podem ser únicos.

A engenheira agrônomo Andréia Binz Tonin explica que as abelhas sem ferrão têm um papel fundamental na natureza, pois realizam o serviço de polinização das espécies vegetais. “O trabalho realizado por estas abelhas é essencial para a manutenção da diversidade vegetal, estabilidade dos ecossistemas, preservação da flora nativa e sustentabilidade da agricultura. Estima-se que 90% das árvores brasileiras dependem da polinização realizada pelas abelhas nativas”, salienta. Com a intensificação da agricultura convencional, o desmatamento, queimadas, revolvimento do solo e utilização de agrotóxicos, ocorreu à diminuição das populações de abelhas nativas sem ferrão, sendo que algumas espécies tiveram suas populações reduzidas drasticamente. “Por isso hoje a criação de abelhas nativas sem ferrão por meliponicultores é uma forma de garantir a preservação e multiplicação dessas abelhas”, reconhece.

Hoje um dos desafios para os meliponicultores é normatizar a comercialização do mel das abelhas sem ferrão. A criação, o comércio e o transporte dessas abelhas já estão normatizados. “O Estado do Rio Grande do Sul publicou em 29 de setembro de 2014 a Instrução Normativa n° 03 que dispõe sobre a criação, o comércio e o transporte de abelhas sem ferrão – meliponíneas, porém ainda não existe legislação que normatize a comercialização do mel de abelhas sem ferrão. Esse é um dos principais entraves para os meliponicultores, pois podem realizar a criação e comercialização de colmeias de abelhas nativas, porém não podem comercializar o mel”, lamenta Andréia.

Tenha sua própria colmeia

A engenheira agrônoma Andréia Binz Tonin dá algumas dicas para quem deseja iniciar uma criação de abelhas sem ferrão. A primeira recomendação é não retirar colmeias que estejam estabelecidas na natureza, pois estas são responsáveis pela liberação de novos enxames. “Sendo assim, a melhor alternativa é capturar esses enxames que são liberados pelas colmeias instaladas na natureza. Muitas vezes esses novos grupos têm dificuldades de encontrar abrigo e de se estabelecer naturalmente, dessa forma a captura e acondicionamento desses enxames em caixas adequadas contribui para a preservação e multiplicação das espécies”, acrescenta a agrônoma.

Para capturar esses enxames é recomendada a confecção de iscas com garrafas pet. “O objetivo da isca é simular um oco de tronco de árvore, para isso a garrafa deverá ser envolvida com um plástico preto visando o escurecimento do seu interior. Na tampa deverá ser feito um buraco para permitir a entrada das abelhas. Como atrativo pode ser colocado no interior da garrafa e na tampa cera de abelha sem ferrão. A época indicada para instalar as iscas é o início da primavera”, explica Andréia.

Depois disso, o meliponicultor deve acompanhar e examinar as colmeias de abelhas sem ferrão quinzenalmente, verificando a ocorrência do ataque de pragas, como os forídeos, as formigas e as lagartixas. Também ao longo do ano o meliponicultor deve avaliar a necessidade de realizar a alimentação complementar das colmeias. “A alimentação complementar não é obrigatória, pois as abelhas não dependem dela para sobreviver. Entretanto, a maior parte dos meliponicultores modernos são adeptos a sua utilização. A alimentação complementar deve ser realizada principalmente no inverno e nas épocas que a disponibilidade de flores na natureza é pequena. Durante a primavera, o meliponicultor deve realizar a divisão de enxames quando identificar que as colmeias de seu meliponário apresentam condições adequadas para este procedimento”, orienta a agrônoma. Mais informações podem sem procuradas nos escritórios municipais da Emater.

Meliponicultura em Nova Petrópolis

Ao lado do filho Nicolas, o criador Orlando Morschel, de Nova Petrópolis, mantém cerca de 25 espécies de abelhas sem ferrão

Ao lado do filho Nicolas, o criador Orlando Morschel, de Nova Petrópolis, mantém cerca de 25 espécies de abelhas sem ferrão

A propriedade do agricultor Orlando Morschel, na Linha São Jacó, no município de Nova Petrópolis, mudou muito nos últimos anos. Isso porque ele investiu na meliponicultura com aproveitamento da vegetação nativa e polinização dos pomares, através da integração destas atividades. Inicialmente, o objetivo era aumentar a polinização e as tradicionais abelhas traziam incômodo com as ferroadas no momento da colheita dos morangos. “Há sete anos comecei a pesquisar, participar de cursos e com isso capturar alguns enxames na natureza. Comecei, de fato, a investir na meliponicultura e hoje pretendo profissionalizar ainda mais esse que já se tornou um negócio”, conta Morschel, que trabalha com silvicultura, produção de morangos semi-hidropônicos, e a meliponicultura.

Hoje, o principal negócio de Morschel é a venda de enxames das diversas espécies sem ferrão. As técnicas de multiplicação e divisão foram sendo aprimoradas com o passar dos anos. “Com isso, não precisei mais capturar enxames da natureza, mas sim trabalhar com aqueles que eu tinha disponíveis na minha propriedade. Comecei a vender alguns enxames que multiplicava e com esse dinheiro comprava espécies novas e diferentes”, conta. Hoje, o criador conta com cerca de 25 espécies de abelhas, nativas do Rio Grande do Sul e também de outros Estados brasileiros – um total que varia de 450 a 500 colmeias. As abelhas estão espalhadas pela propriedade, todas por espécie e de forma localizada. “Tenho uma abelha, por exemplo, que quer mais sombra e umidade, esta está numa mata mais fechada, próxima de um açude. As espécies mais agressivas eu afasto para locais de menor movimentação, outras que são focadas na polinização ficam ao redor das estufas e assim por diante. É preciso ser profissional para garantir a criação saudável das abelhas e para isso é necessário estar sempre aprendendo”, destaca o criador.

A venda de enxames
O criador Orlando Morschel foca seu trabalho na divisão e venda de enxames, que ocorre durante todo o ano. Depois de dividido, a colmeia precisa de cinco a seis meses para se estabelecer definitivamente. “Existe a procura por enxames durante o ano inteiro. Disponibilizo as abelhas nas diversas fases, as matrizes – aqueles enxames já aptos a serem divididos; aqueles médios e os novos, que eu mesmo fiz e que precisam crescer para ficarem fortes”, explica.

Os valores variam de R$ 200 a até mil reais por enxame, dependendo da espécie de abelha. A escolha varia de acordo com a demanda do comprador. “Abelhas menores, que não produzem muito mel, são as mais baratas, assim como as abelhas maiores que existem em abundância. As abelhas que são mais difíceis de encontrar são também as mais caras”, complementa. Espécies mais custosas chegam a valer de R$ 7 a R$ 8 mil por enxame.

Quem adquirir um enxame pode ter ainda o objetivo da polinização concentrada. Na sua propriedade, Morschel tem 20 mil mudas de morangos, que servem de exemplo desse objetivo. “Minha produção mudou muito depois da polinização com as abelhas sem ferrão. Quando se tem uma grande produção é preciso aumentar as abelhas ao entorno, pois na natureza demora muito para que os enxames se multipliquem. Com esse trabalho acabamos dando uma forcinha muito importante para a natureza”, acredita o criador, que conta com o auxílio da esposa Deise, do irmão Roberto, do pai Afonso Roque e até mesmo do filho Nicolas, de 11 anos. Para mais informações, Morschel atende pelo telefone (54) 99104.9596.