Fungo ameaça cultura do kiwi em Farroupilha

Doença ataca e mata as plantas em poucos meses. Especialistas ainda não encontraram solução  

Mirian Spuldaro

mirian@avindima.com.br

Plantas de kiwi sofrem rapidamente com a ação do fungo que vem dizimando a produção na Serra

Plantas de kiwi sofrem rapidamente com a ação do fungo que vem dizimando a produção na Serra

Uma das festas mais tradicionais da Serra Gaúcha, a Fenakiwi, realizada no município de Farroupilha (RS) há mais de 20 anos, terá sua última edição em 2017, de 20 de julho a 6 de agosto. A decisão foi anunciada pela prefeitura no início deste ano e, segundo o secretário de Turismo e Cultura da cidade, Francis Dobner Casali, um dos motivos para o encerramento da Festa é porque o kiwi vem perdendo competitividade a cada ano que passa, o que tem resultado em um déficit de produção em torno de 30% ao ano.
Enquanto isso, outras variedades, como o morango, o pêssego e a uva Moscato, têm ganhado qualidade e se destacado. Sendo assim, a ideia da prefeitura é criar uma festa que apresente os demais potenciais de Farroupilha, não somente provindos da agricultura. “Numa nova roupagem, queremos mostrar para a população os potenciais do município. Temos a indústria muito forte, um comércio forte, com os shoppings de compras e as malhas. Será uma feira de negócios, mais ampla”, afirmou o secretário, indicando que a primeira edição dessa nova festa, ainda sem nome, está programada para 2018.
Um dos fatores que contribuíram para a redução da produção de kiwi em Farroupilha e região na última década é a presença de um fungo que ataca e mata as plantas em poucos meses. Esse fenômeno vem ocorrendo há pelo menos dez anos. Porém, a morte de plantas começou a ser mais severa a partir de 2009 e 2010. Deste então, os produtores vêm registrando perdas de 30%, em média, em seus pomares de kiwi. De acordo com o doutor em Fitotecnia e pesquisador a Embrapa Uva e Vinho, Samar Velho da Silveira, que desde 2013 vem estudando esse fenômeno a pedido de um grupo de produtores, esse fungo ataca tanto a parte aérea quanto o sistema radicular, ou seja, pode entrar tanto pelos ramos quanto pelas raízes.

“Normalmente, esse vírus necessita de uma porta de entrada, que é um ferimento causado por um inseto ou por um equipamento de poda, por exemplo. Isso abre a porta para a entrada do fungo”, explica.
Samar destaca que essa é uma doença bastante séria e que mata a planta em poucos meses. “Uma vez que ele entrou, atinge o sistema vascular da mesma, bloqueando os vasos por onde passa a seiva. Com isso, é como se a parte aérea fosse desconectada do sistema radicular e ela deixa de receber água absorvida pela raiz, e, então, a planta murcha e morre”.

Resultados das pesquisas

Conforme explica o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, as pesquisas indicaram duas hipóteses para o surgimento do fungo. Uma delas sugere que o fungo que ataca as plantas de kiwi é nativo do solo da região da Serra Gaúcha. “O questionamento que surge é: se esse fungo já estava na natureza, por que só se manifestou a partir de 2009? Para esse questionamento ainda não temos uma resposta”, pondera o pesquisador, lembrando que as mudanças climáticas evidenciadas nas últimas décadas podem ter contribuído para o desenvolvimento da praga.
Outra hipótese é que estirpes mais violentas desse patógeno tenham vindo para a Serra Gaúcha por meio de mudas compradas em São Paulo e região. “Os viveiros que produziam mudas de kiwi naquela região também produziam mudas de eucalipto, espécie igualmente afetada por esse fungo. Antes de se desenvolver no kiwi, esse fungo se desenvolveu no eucalipto e também precisou se fazer um trabalho sério de desenvolvimento de genótipos para contornar o problema. A manga é outra cultura na qual já foi evidenciada a ocorrência desse fungo”, evidencia o pesquisador, que ressalta que a solução encontrada pelas pesquisas para as culturas de manga e eucalipto foi o desenvolvimento de genótipos resistentes.

Qual será o futuro do kiwi em Farroupilha?

O projeto de pesquisa relacionado à cultura do kiwi, feito pela Embrapa Uva e Vinho, em parceria com outras instituições de pesquisa, como a Secretaria de Agricultura de Farroupilha, a Fepagro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Emater, está trabalhando em algumas frentes para tentar vencer o fungo. Uma delas é desenvolver genótipos resistentes. A outra seria testar produtos que possam controlar a doença. A terceira seria a utilização de inimigos naturais. “É importante frisar que a cultura do kiwi tem uma dificuldade maior, pois não existem produtos identificados para ela no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O kiwi é uma cultura com aporte fitossanitário insuficiente. Isso dificulta bastante a nossa ação, pois não podemos utilizar produtos específicos de outras culturas, pois não temos autorização do MAPA para isso”, explica o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Samar Velho da Silveira.
Diante das evidências, o cultivo de kiwi na Serra Gaúcha parece estar ameaçado, já que ainda não existe uma solução específica para acabar com a doença. Samar diz que não há um prazo de quando irão descobrir uma solução para o problema, justamente pelas dificuldades existentes em levar a pesquisa adiante. “Hoje, ainda não temos uma resposta para dar ao produtor que tem seu pomar de kiwi atacado pelo fungo sobre quais cuidados ele precisa tomar. Seja quanto à utilização de produtos para matar o fungo ou sobre utilizar mudas livres do fungo, pois não temos algum viveirista que possamos dizer que possua mudas sem o fungo”.
O especialista estima que desde que o problema foi evidenciado pelos produtores, há pelo menos uma década, mais da metade da área cultivada de kiwi na região já foi devastada. “Quando iniciamos esse trabalho, fizemos um levantamento de campo para saber exatamente a extensão do problema. Na época, estivemos em quase 100% das propriedades de Farroupilha e diagnosticamos que as perdas estavam em torno de 30% ao ano, se contabilizarmos os anos que decorreram desde então, chegamos à conclusão de que muitos pomares já foram extintos”.
Esse fungo não está restrito à cidade de Farroupilha, que já foi considerada a maior produtora de kiwi do Brasil. Conforme o pesquisador, diversas cidades no entorno também têm o mesmo problema, além de alguns lugares em Santa Catarina e no Paraná. “Temos recebido relatos de morte de plantas no Paraná também. Porém lá não foi diagnosticado o mesmo fungo. As plantas estão morrendo com sintomas muito parecidos, mas o patógeno que causa a morte é outro que ainda está sendo investigado”.

Cuidados fitossanitários podem auxiliar

Como não se tem alternativa, foram tomadas algumas medidas de prevenção para tentar evitar que a praga se espalhe ainda mais rápido pelo pomar. Desde então, a orientação aos produtores é que tenham o máximo de cuidados fitossanitários. “Se podou uma planta, a recomendação é que esterilize a ferramenta antes de passar para outra, para não levar o patógeno de uma planta para outra. Se morreu uma árvore, o produtor deve retirá-la com o máximo possível de raiz e incinerá-la para que não leve adiante a doença”, exemplifica o técnico Samar Velho da Silveira.
Conforme ele, esses cuidados não acabam com a doença, mas evitam que ela se espalhe tão rapidamente. “Esses cuidados têm surtido efeito positivo, pois percebemos uma redução na velocidade com que os pomares vinham sendo eliminados. Hoje, as plantas continuam morrendo, embora em uma velocidade menor”.

 

Esperança de vencer o fungo do kiwi

Celito Contini (E) e seu pai, Claudino Contini, mostram o estrago que a doença vem causado no pomar de kiwi da família, em Farroupilha

Celito Contini (E) e seu pai, Claudino Contini, mostram o estrago que a doença vem causado no pomar de kiwi da família, em Farroupilha

O agricultor Celito Contini, 48 anos, já foi um dos maiores produtores de kiwi de Farroupilha. Dos 17,2 hectares da sua propriedade, localizada na Linha Jacinto, cinco são dedicados à produção da fruta. Nos tempos áureos, os Contini chegaram a colher 100 toneladas de kiwi. Hoje, conforme ele, a produção não chega nem a 30% disso. “A doença já atacou aproximadamente 50% do nosso pomar nesses dez anos. E a situação se agrava a cada ano”, lastima o agricultor que toma as precauções indicadas pela Embrapa a fim de reduzir os danos na plantação.
A intenção, segundo ele, é não abandonar a produção de kiwi, apesar dos problemas enfrentados. Inclusive, a família pensa em investir em novas variedades, mais aceitas pelo mercado, com mudas vindas de outros países, como Chile, Nova Zelândia e Itália. “Esperamos que em breve encontrem alguma solução, como porta-enxertos resistentes à doença. Ainda temos esperança. Acho que as pesquisas não devem parar, pois se isso acontecer não existirá mais futuro para essa cultura”, anseia Celito Contini.
Do alto dos seus 74 anos, o pai de Celito, Claudino Contini, que a vida toda trabalhou na agricultura, se diz surpreso com a situação na propriedade da família. “Plantamos kiwi há mais de 20 anos. Na época, decidimos investir nessa cultura como uma alternativa aos parreirais de uva, que não rendiam o que esperávamos. Por muito tempo foi muito bom. Essa doença foi uma grande surpresa pra nós”, lamenta o agricultor.
Sobre o futuro da produção de kiwi, os agricultores dizem não saber qual será a decisão deles. Até o momento, a ideia é continuar, mas não sabem dizer até quando. “Eu estou teimando, mas não sei se futuramente conseguiremos manter. Ainda tenho esperança e não quero me render”, desabafa Claudino Contini, mostrando parte do pomar atacado pela doença. “Nesse ponto faz menos de 15 dias que os sintomas começaram a aparecer e já está desse jeito. É muito rápido”, conta ele.
Atualmente, os Contini produzem as variedades Bruno, Monty, MG, Hayward e outras precoces, mas em menor quantidade. A produção é toda comercializada em São Paulo e Rio Grande do Sul. A expectativa para 2017 é colher cerca de 40 toneladas de kiwi na propriedade. O carro chefe, contudo, é o pêssego, com cinco hectares plantados, o que rende em torno de 100 toneladas/ano. Os Contini também produzem caqui e uva.