União de saberes para renovar vinhedos em áreas com problemas fitossanitários

Projeto de pesquisa apresenta alternativas de manejo para viabilizar o replantio de videiras

Fabiano Fabro e a esposa Alina participam do projeto na cidade de Farroupilha.

Fabiano Fabro e a esposa Alina participam do projeto na cidade de Farroupilha.

O declínio e a morte de plantas de videiras é um desafio a ser superado nas principais regiões produtoras. As dificuldades de implantar novos parreirais em áreas contaminadas, seja pelo excesso de cobre no solo, ataques de pragas, como a pérola-da-terra, ou de doenças, como o pé-preto (Cylindrocarpon destructans), é um problema que está tirando o sono de muitos viticultores, em especial na Serra Gaúcha. Região formada essencialmente por pequenas propriedades familiares, é aqui que a continuidade da viticultura depende do replantio da videira nas mesmas áreas cultivadas por longos anos; especialmente com as limitações impostas pelo Novo Código Florestal, que restringem a abertura de novas áreas. “Estava tentando há anos. Eu tentei de tudo. Plantava e não vinha. Plantava e não vinha. Mais morria do que plantava”, comenta Olir Marin, produtor rural da cidade de Flores da Cunha que integra a Cooperativa Nova Aliança e representa a realidade de centenas de pequenos viticultores.
Diante desse cenário, Lucas Garrido, pesquisador da área de Fitopatologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), recrutou uma equipe de especialistas da Embrapa Uva e Vinho e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que identificaram os principais problemas da cultura para realizar o projeto Tecnologias para a viabilização e sustentabilidade dos vinhedos em áreas de renovação na região sul do Brasil, que está sendo executado desde 2016. O projeto contempla, entre outras ações, a instalação de cinco unidades demonstrativas nos municípios de Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha e Garibaldi, todos na Serra Gaúcha, tradicional região produtora no país.
A execução do projeto, com recursos provenientes da Embrapa, selecionou cinco produtores, entre eles Olir Marin, que colocaram suas propriedades à disposição da equipe para servir como área experimental. Cada viticultor participante recebeu 600 mudas fiscalizadas das cultivares ‘BRS Cora’, ‘Isabel’, ‘Bordô’ e ‘Tannat’, de acordo com seu interesse. Além das mudas, o produtor recebeu um kit com alguns insumos (informações abaixo) para contribuir com o controle de patógenos do solo, além do acompanhamento da evolução do parreiral com visitas regulares da equipe de especialistas.
Os participantes do projeto estão bastante satisfeitos com os resultados do primeiro ano do trabalho que são bastante promissores. “A gente tentou vários anos renovar o parreiral e não estava conseguindo, mas agora, com essas orientações, está funcionando e estamos vendo o resultado no campo. Dá ânimo de continuar na produção de uvas”, avaliam Fabiano Fabro e sua esposa Alina, viticultores que participam do projeto na cidade de Farroupilha. Eles fazem parte da Cooperativa Vinícola Garibaldi e também estão sendo acompanhados por Evandro Bosa, técnico da Cooperativa, que destaca a confiança da empresa no projeto como uma alternativa para o retorno da produção nas áreas afetadas. “Acreditamos tanto na proposta da equipe da Embrapa que, desde o início do projeto, todos os protocolos implantados aqui no Fabiano foram repassados para os outros associados à Cooperativa. Estamos muito satisfeitos com os resultados”, avalia Bosa.
Outra ação que integra o Projeto é a realização de dias de campo ao longo do desenvolvimento das ações, que têm previsão de encerrar em 2018, com o objetivo de repassar informações sobre a reconversão de parreirais em áreas contaminadas para o maior número de interessados. Segundo o pesquisador Marcos Botton, a realização dos eventos nas propriedades também auxilia a agregar novas informações. “Além de repassarmos as orientações, as perguntas e as conversas com os participantes são muito produtivas e permitem direcionar novas ações de pesquisa”, avalia o especialista no controle de pragas da Embrapa Uva e Vinho ao finalizar uma verdadeira maratona de dias de campo no final do mês de abril: foram quatro tardes que reuniram cerca de 200 viticultores, técnicos e interessados no assunto nas diferentes áreas de produtores.
Para Samuel Ferrari, do Viveiro Beifiur (Garibaldi), viveirista credenciado da Embrapa, participar dos dias de campo é uma forma de se atualizar. “Estamos investindo muito para fornecer mudas de qualidade ao mercado e o padrão apresentado pela Embrapa é o que estamos trabalhando para entregar para os produtores”, comentou. Já o engenheiro agrônomo da Cooperativa São João (Farroupilha), Paulo Tesser, destacou a grande validade da metodologia utilizada, no formato de estações temáticas. “O ideal é que essa iniciativa se propagasse com a organização de outros eventos em todas as comunidades da Serra Gaúcha. Só assim essas importantes orientações vão chegar a todos os produtores”, sugeriu.
Entre as orientações repassadas nestes dias de campo, o uso de mudas de qualidade, com um bom padrão morfológico e fitossanitário é unanimidade entre os especialistas, como o fator chave para o sucesso do novo parreiral. Em segundo lugar está a ‘saúde’ do solo, pois a parte aérea da videira, formada pelos ramos, folhas e frutos, retrata também a vida no solo. Confira abaixo as principais orientações repassadas pela equipe de técnicos, que realizara no mês de novembro, novos dias de campo para apresentar o manejo de verão proposto para o projeto.

Manejo do solo e adubação

O preparo do solo é fundamental, pois ele será o responsável por dar suporte às plantas. A primeira atividade essencial é a erradicação do vinhedo anterior, retirando-se da área o máximo possível de restos culturais. Na sequência, deve-se realizar a análise de solo, para ver se são necessárias correções. Antes do plantio da muda, o solo já deve estar corrigido de suas carências nutricionais. A construção de drenos, em caso de áreas muito molhadas, é recomendada, pois a videira não tolera solos com má drenagem.
Segundo o pesquisador George Wellington de Mello, outro fator que deve receber uma atenção especial é o nível de cobre. Ele alerta que concentrações acima de 50 mg kg-1, já atrapalham o crescimento das raízes da planta. “Para minimizar a toxicidade, deve-se realizar práticas que diminuam a disponibilidade de cobre, isto se consegue com uso de fertilizantes orgânicos, aumento do pH do solo e cultivo de plantas de cobertura”, recomenda. Wellington indica o uso de adubo orgânico na fase de crescimento, ou seja, nos três primeiros anos, garantindo assim uma maior uniformidade nas plantas e a produção de uvas a partir do terceiro ano. “Em diversos experimentos constatamos que o composto orgânico é mais eficiente do que a ureia, mas é importante que ele esteja estabilizado, para evitar outros focos de contaminação”, orienta.
Outro manejo indicado é o uso de disco de papelão embebido em sulfato de cobre para cobrir o pé da planta e manter o solo ‘limpo’ (o tradicional coroamento da planta), evitando assim o uso de herbicidas e a prática da capina. “O uso de herbicidas para o controle de plantas daninhas pode prejudicar o desenvolvimento da videira e deve ser evitado, especialmente nos três primeiros anos – período de maior impacto”, receita o especialista em solos.
A partir do momento que o vinhedo entra em produção, a principal ferramenta para recomendar fertilizantes é a análise de tecido, que é feita a partir das folhas coletadas na floração das plantas. “Cada variedade tem um comportamento. Às vezes o excesso de potássio impede a absorção de magnésio e a deficiência de boro na floração prejudica a fecundação e não ocorre a formação de bagas”, cita o pesquisador, reforçando a importância da análise foliar para a correta recomendação de adubação de manutenção. A adubação de plantas de cobertura também é outro fator importante para um melhor aproveitamento nutricional da videira.

Mudas de qualidade

– Encomendar as mudas com um ano de antecedência em viveiristas licenciados pela Embrapa (lista completa em: https://www.embrapa.br/uva-e-vinho/cultivares-e-porta-enxertos).
– Ao buscar suas mudas, é importante realizar um exame visual de sanidade, com os seguintes passos:
1- Externamente: um nível apenas de raízes simétricas, enxertia bem soldada, caule retilíneo.
2 -Internamente: É necessário ‘sacrificar’ a muda para ver se está contaminada. O primeiro corte deve ser na região da enxertia e o segundo no nível da raiz. Deve-se procurar sinais de doenças como manchas escuras.

Manejo do solo

– Erradicar o parreiral e revolver a terra, eliminando todos os restos culturais do local.
– Utilizar o solo durante um a dois anos com outras culturas, tais como aveia e azevém, no inverno, e milho ou soja, no verão, antes de replantar o parreiral.
– Fazer análise do solo e as correções necessárias antes do plantio das mudas.
– Manter plantas de cobertura do solo, como ervilhaca, trevo e azevém durante todo o ciclo produtivo. Somente roçar a cobertura verde se atrapalhar o manejo do vinhedo (poda, pulverizações e colheita).
– A adubação deve ser realizada no final do mês de abril e no início do mês de maio.
– Nos três primeiros anos, priorizar a adubação orgânica, que apresenta melhores resultados no desenvolvimento da planta, e não usar herbicidas, que atrapalham o seu desenvolvimento. O controle da vegetação na linha de plantio (coroamento da planta) pode ser feito com disco de papelão colocado no pé da parreira.

Controle de Pragas

Formiga doceira carregando a pérola-da-terra.

Formiga doceira carregando a pérola-da-terra.

Pérola–da-terra: A recomendação é utilizar inseticidas neonicotinóides (Imidacloprido e ou Thiametoxam) no solo no mês de novembro. Para o manejo de formigas, o emprego de hidrogel associado à açúcar e Thiametoxan, num volume de 3 kg por hectare em dezembro, janeiro e fevereiro para reduzir a população de formigas e consequentemente da cochonilha.

 

 

 

 

Página 7 - 1Filoxera: uso de mudas enxertadas resolve o problema, pois os porta-enxertos são resistentes à praga nas raízes.

 

 

 

 

Controle de doenças e fortalecimento o solo

– É importante realizar um tratamento prévio na muda antes do plantio com uma combinação dos seguintes fungicidas: Fosetil AL (250g/100L), Difeconazol (10ml/L) e Tiofanato Metílico (70g/100L) por meio da imersão das raízes na calda durante pelo menos uma hora.
– Na cova de plantio foram também utilizados Compost Aid 3 g, Nem Out 3 g, e Trichodel 0,6 mL dissolvido em água. Além desses produtos também foi utilizado o composto orgânico com Microgeo.
Produção e aplicação de Composto com Microgeo®: colocar em caixa plástica uma mistura de 15% de esterco bovino, 5% de Microgeo® e 80% de água. Agitar e deixar processando durante 15 dias no sol. Após, filtrar e aplicar 1 litro por planta mensalmente durante os primeiros seis meses. A cada aplicação, pode-se usar até 70% do volume da caixa, sendo que se deve repor, a cada retirada, 2,5% de microgeo e completar com água, deixando repousar por mais sete dias antes de novo uso.