Após a desestruturação do Império Romano, a vitivinicultura e o comércio de vinho passavam por um momento difícil. Mas, uma luz surgiu com a ascensão de Carlos Magno ao poder. Foi durante o Império Carolíngio, no final do século VIII, que a produção vinícola foi estimulada. Alguns historiadores descrevem o período como “uma era obcecada por vinho”. Rodadas da bebida eram frequentes e tabernas com a venda de vinho eram consideradas importantíssimas para a sociedade. As frases geralmente começavam com “Dê-me uma bebida” e as taças tinham dizeres “Estou com sede” ou “Alegre-se, estou cheio de alegria”. Histórias mostram que um dos conselheiros de Magno, Alcuíno, depois de um período de dois anos na Inglaterra, escreveu ao imperador: “Lamenta-me homem de Deus! O vinho desapareceu de nossos odres e a amarga cerveja ruge em nosso estômago. Assim, bebe em nosso nome e passa um dia alegre; manda-nos vinho, pois não temos com que nos alegrar, nem com que nos revigorar”.
Atribui-se ao governo de Magno a ordem de plantar as primeiras videiras no distrito do Reno e de fornecer um pedaço da famosa montanha de Corton, na Borgonha, à abadia de Saulie. O vinho ali produzido até hoje é chamado de Corton-Charlemagne. Conta-se ainda que o imperador estipulou que fossem cultivadas uvas brancas porque o vinho tinto, especialidade da região, machava-lhe a barba branca. Outra história envolvendo vinhos enfatiza a consciência ecológica do imperador. Dizem que, subindo o Reno até Ingelheim, Magno observou que a neve derretia primeiro na íngreme vertente do Johannisberg. Assim, ordenou que se plantassem vinhas ali. E foi durante o seu reinado que surgiram os primeiros vinhedos do Rheingau.
Champagne – Região
O imperador ainda denominou o mês de outubro como o Windume-Manoth (mês da colheita). As leis carolíngias começaram a regular também a produção de vinho para garantir níveis de higiene considerados corretos e uma das normas dizia que as uvas deveriam ser prensadas e não esmagadas com os pés. Mas a lei não foi colocada em prática porque o hábito de pisotear as uvas ainda continuou existindo por muitos séculos. Carlos Magno também proibiu a estocagem de vinhos em odres e concedeu aos vinhateiros o direito de pendurar em sua propriedade um galho verde e vender seu produto diretamente a todos os interessados. Foi também durante o período de Magno que aconteceu a primeira troca de vinhos por lã com a Ingaterra.
Mas, uma ironia marcava o imperador. Mesmo com todos esses incrementos a vitivinicultura, o próprio não bebia muito. Raramente tomava mais do que três copos de vinho durante o jantar.
O período carolíngio também foi benéfico para uma região vinícola da França em particular: a Champagne. Muitas das grande abadias, incluindo a de Epernay, foram fundadas no século VII e pouco tempo depois plantaram-se vinhedos em seus domínios. Dois séculos depois, a produção vinícola da Champagne já era considerada uma das maiores. Um dos fatores que impulsionou a região foi a coroação do filho de Carlos Magno, Louis, em Reims, em 816. Os convidados tiveram a oportunidade de provar a bebida local e os vinhos de Champagne ganharam um status de nobreza.
Além disso, durante o período carolíngio foram adotadas práticas que promoveram a viticultura e a vinicultura. O consumo de vinho (e também da cerveja) fazia parte da cultura e as decisões políticas mais importantes – eleição de governantes, deliberações políticas sobre guerra paz ou casamentos – eram tomadas em banquetes regados a vinho.
Estímulo
No início da Idade Média, os ingleses tomavam mais vinho alemão que francês. Isso, possivelmente, porque aquele era melhor ou agradava mais. Climaticamente, os vinhedos da Renânia levavam vantagem sobre os que produziam os vinhos conhecidos sob a designição genérica de “vins de France”.
Conforme o historiador Hugh Johnson, a expansão dos vinhedos renanos no começo da Idade Média foi ainda mais rápida e impressionante que a das vinhas francesas. Também se deveu, principalmente, ao esforço dos monges. Duas grande abadias beneditinas, fundadas no reinado de Carlos Magno, plantaram videiras em escala gigantesca, não só ao longo do Reno, como ainda na Francônia e a leste, na Alsácia a oeste, na Áustria e na Suíça ao sul. Os nomes de Fulda (ao norte de Frankfurt) e Lorsch (ao sul de Mainz) aparecem em incontáveis documentos, à medida que se multiplicavam as abadias e suas dependências. Fulda foi fundada por um inglês, São Bonifácio, que depois estimulou o comércio de vinho com a Inglaterra. Foi por causa desses mosteiros, que as aldeias vinícolas se multiplicaram ao longo do Reno, passando de quarenta no século VII a quase quatrocentas dois séculos depois.
Como vimos em outras edições, as igrejas e catedrais também contribuíram para a expansão da vitivinicultura. Seguindo o exemplo de seus predecessores, Carlos Magno concedera ao clero uma porcentagem de toda a produção agrícola. O dízimo de uma colheita de feno não valia tanto quanto o de uma safra de vinho que podia ser facilmente convertida em dinheiro. Assim, as igrejas faziam de tudo para estimular a viticultura, desde fornecer ajuda técnica até conceder privilégios celestiais em troca de resultados extraordinários.
Entretanto, com o tempo, o Reno, que até então era o eixo das atividades do império calrolíngio, foi perdendo espaço para outros grandes rios europeus, como o Danúbio. Ele nunca mais voltaria a ser um rio de vinho. A quantidade acabaria dando lugar à qualidade. Nesse estágio da história do vinho, o Oriente Médio também voltava seus olhos para a bebida…
Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.
Por Danúbia Otobelli
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