Março é o mês delas, e o Jornal A Vindima faz uma homenagens para as agricultoras que,
além do trabalho, sempre arrumam um tempinho para quem precisa delas
O Dia Internacional da Mulher é comemorado no dia 8 de março, mas para elas, nada mais justo que o mês todo seja de comemorações e homenagens. Uma data tida como símbolo de uma série de reivindicações e conquistas de direitos, sobretudo trabalhistas, o Dia da Mulher reconhece também o papel de quem consegue, em um único dia, trabalhar, cuidar da casa, dos filhos, dar atenção ao marido e ainda dispor de energia para ajudar quem está por perto. Neste mês da mulher, o Jornal A Vindima homenageia todas as agricultoras que fazem de seu dia a dia uma eterna dedicação à vida.
Uma agricultora sempre em busca de aprendizado
o pequeno município de Nova Pádua, na Serra Gaúcha, está nossa primeira homenageada. A agricultora Alice Munaro Bisinella, 54 anos, une em suas mãos a força e a delicadeza da mulher. Além de manter a propriedade rural com o filho, dedica-se à costura, à literatura e também em ações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município, onde há anos exerce o cargo de secretária da diretoria. Uma apaixonada por leitura, Alice busca sempre o aprendizado em todas as situações, dando-lhes um sorriso digno de poesia – como as que escreve.
Há 13 anos, quando Alice perdeu o marido em um acidente de trânsito, precisou de ímpeto, da qual encontrou nos filhos Charles, Jhonata e Moisés, na época, respectivamente, com 16, 13 e 10 anos de idade. “Minha grande preocupação naquele período era com eles, que estavam em uma idade em que se espelhavam muito no pai, e justamente quando ele não estava mais conosco. Mas graças a Deus deu tudo certo, nunca perdi a fé e a coragem”, reconhece Alice. Ela deixou o cargo de merendeira em uma escola do município e assumiu, com a ajuda dos filhos, o trabalho na colônia, onde até hoje são cultivadas uvas, cebolas, tomates e outras culturas que diversificam a propriedade. Atualmente, Moisés, o caçula da casa, é quem auxilia Alice no dia a dia. A família mora na área urbana de Nova Pádua e passa o dia no Travessão Bonito, onde fica a lavoura.
Além da agricultura e os afazeres de casa, Alice sempre buscou estar em contato com as pessoas, assim como o aprendizado constante. Candidatou-se ao cargo de conselheira tutelar, trabalho que exerceu por quatro anos. “Já tinha um contato com crianças e jovens na escola, e isso tudo foi somando experiência. É um trabalho muito gratificante, onde percebemos mais do que nunca que muitas crianças precisam de muito mais que uma assistência burocrática, mas sim carinho e atenção. Hoje as pessoas não param para ouvir as outras, e isso é uma pena”, reconhece a agricultora.
O amor dedicado na agricultura e no Conselho Tutelar ainda tem espaço para trabalhos manuais, costura e, sim, poesia. Alice tem muitas delas escrita por ela mesma. “Hoje escrevo menos, mas a leitura é diária. Um livro é um ótimo amigo”, aconselha. Outra fonte de aprendizado para Alice foi, e continua sendo, a participação no Sindicato Rural de Nova Pádua. Desde 2007 ela participa de reuniões, atividades, cursos e vê na entidade uma oportunidade de conhecer coisas novas. “Quando fui convidada para participar do STR tive muito receio, aquele não era o meu mundo. Mas sempre recebi incentivo e as oportunidades que tive me ajudaram muito, até mesmo no contato com mulheres de outros municípios. Nós vamos aprendendo e crescendo”, valoriza Alice.
Para ela, a mulher leva para qualquer ambiente, inclusive ao STR, uma delicadeza única, além de conquistar espaço dia a dia. “Hoje a mulher agricultora participa de muitas coisas, se envolve e abre espaço cada vez mais, crescendo principalmente no sentido de aprender”, reconhece a agricultora, que vê no conhecimento um companheirismo sempre próximo.
Agricultora e devota
Comunidade de Santa Justina, distrito de Caxias do Sul. É lá que se empenha nossa homenageada Justina Inês Marin Baggio, 59 anos. Batizada com o nome da santa que hoje é dedicada a igreja da comunidade onde mora, não é apenas o nome de batismo que aproxima a agricultora Justina da fé. Além de auxiliar a família nos mais de 10 hectares de vinhedos e na elaboração de vinhos de mesa, Justina se empenha na organização da igreja e preparação das missas, além de ser, há mais de 15 anos, ministra da Comunhão. Justina tem espírito comunitário e não deixa de estender a mão ao próximo quando necessário. Trabalha ainda como cozinheira do salão da comunidade e não abre mão de dedicar boa parte de seu tempo ajudando e levando suas habilidades ao trabalho com o próximo.
As atividades são semanais. Trocar e lavar toalhas, organizar o altar, a sacristia, limpar cálices, galhetas (duas pequenas “garrafinhas” onde ficam a água e o vinho para as celebrações), sinetas, velas, sacrário, a túnica do padre. A lista é extensa. Todas as semanas Justina dá um pulinho até a Igreja de Santa Justina e deixa tudo em dia para as celebrações mensais realizadas na comunidade. Durante os meses de festa, o trabalho inclui ainda enfeitar a imagem de Santa Justina e Santo Antônio, que têm festejos em junho e outubro. “Gosto de ajudar minha comunidade e me sinto muito bem. Se Deus me dá saúde e força, é para que eu também possa me dedicar um pouco aos outros e retribuir tudo isso”, destaca a agricultora.
O próprio nome dedicado a Santa Justina não é à toa. A já falecida mãe de Justina, a também agricultora Ângela Maróstica Marin, dividia com a família grande a fé, que deu a filha também o nome Inês, a quem dedicava aos anjos. A fé, resultado de uma cultura relacionada diretamente à imigração italiana, deixou frutos nos filhos de Ângela. “Ao mesmo tempo em que trabalho, seja na igreja ou na comunidade, sempre faço tudo rezando pela minha família, pelo meu marido e pelas minhas filhas, para que todo esse bem seja levado até eles. Que eles tenham fé e estejam sempre abençoados”, acredita Justina. A agricultora não deixa de dedicar tempo ao marido Ciro Baggio e as filhas Vivian, Juceléia e Camila. Um dos principais agrados? Sobremesas, pães, massas, tudo feito em casa e com o maior carinho.
Há mais de 20 anos Justina e o marido Ciro se dedicam juntos ao trabalho na comunidade, como em festas e diretorias do salão comunitário. Enquanto Ciro ajuda nas churrasqueiras ou na organização, Justina integra a equipe da cozinha. Todo o empenho quase não é chamado por eles de trabalho. “Tenho fé, tenho saúde e me sinto bem em ajudar, então por que não? Acredito que quando estendemos uma mão ao próximo, sempre podemos contar com duas quando precisarmos. Sei que Deus sempre me dará força para continuar ajudando e trabalhando”, valoriza Justina.
“Cozinhar é um modo de amar os outros”
É nas palavras do escritor Mia Couto que a agricultora Salete Maria Lorenzet, 56 anos, se sente representada. Salete mora na comunidade de São Roque, interior de Flores da Cunha, e nesta homenagem ao mês da mulher representa todas aquelas que dedicam tempo e carinho no trabalho também com as panelas, ingredientes, temperos e saborosos pratos. Além de se empenhar diariamente no cultivo dos mais de sete hectares de vinhedos da família, a florense não dispensa passar parte do dia na cozinha, e já é conhecida por ser uma cozinheira de ‘mão cheia’ nas redondezas. Atualmente, Salete coordena a cozinha de mais de oito comunidades do município – além de uma na cidade de São Marcos, em festas comunitárias que reúnem até 900 pessoas.
Há mais de 10 anos Salete começou a acompanhar as atividades na cozinha da comunidade de São Roque, onde mora. Observava atentamente os passos das cozinheiras e tudo se transformava em conhecimento. Aos poucos, ganhou prática e começou a receber convites. “Após mais de três anos acompanhando o trabalho na cozinha, em uma das festas a cozinheira não pôde ir, então me convidaram. Nessa minha primeira experiência cozinhei para 350 pessoas. Desde então já comecei a ser reconhecida nesta atividade e não parei mais. Em primeiro lugar é preciso gostar de cozinhar. Tudo o que se faz, deve ser com amor, e eu amo cozinhar”, assegura Salete. O trabalho em cada festa começa dias antes com a produção dos pães, das cucas, biscoitos, massas, agnolini, pien, entre outras delícias gastronômicas. “O trabalho é grande, mas muito gratificante”, valoriza a agricultora.
A agenda de Salete já conta com muitas festas agendadas, algumas marcadas até o mês de novembro. O contato com as comunidades proporciona à cozinheira também muitas amizades. Por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de flores da Cunha ela fez um curso de liderança, que ajuda na hora de coordenar as grandes cozinhas, que muitas vezes envolvem até 80 pessoas. “Sempre antes do almoço ou jantar fizemos uma pequena reunião e alinhamos todo o trabalho, que deve ser em equipe e dividindo as tarefas. Só assim dá certo”, complementa.
A dedicação de Salete nas cozinhas das capelas vem acompanhada pela atenção nos serviços de casa, na horta da família, na agricultura, na encomenda de torteis e agnolinis, tudo com um empenho todo especial, que tem também com o marido Carlos e os filhos Adriano e Fabrício. “Cozinhar é um ato de amor e eu gosto muito. Enquanto puder vou sempre ajudar as comunidades neste trabalho”, promete Salete.
Por: Camila Baggio – camila@avindima.com.br