Segundo a entidade Organics Brasil, o mercado interno de produtos orgânicos tem crescido cerca de 20% ao ano. Em 2014, deverá movimentar cerca de R$ 1,5 bilhão. Com procura crescente de mercado, a agricultura orgânica mostra uma grande vitalidade na produção de alimentos básicos e nos produtos elaborados, como é o caso do vinho. A agricultura biodinâmica é uma das modalidades de agricultura orgânica.
Com objetivo de aprofundar os conhecimentos e as técnicas adotadas neste modelo, um grupo de 50 viticultores, técnicos, estudantes e profissionais ligados ao setor, participaram de 21 a 24 de julho, no Seminário Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha, do curso Princípios de Agricultura Biodinâmica Aplicada à Fruticultura. A atividade contou com assessoria do engenheiro agrícola peruano e consultor em biodinâmica de grandes vinícolas do Chile e da Argentina, René Piamonte Peña. O curso foi uma promoção conjunta do Centro Ecológico de Ipê, Prefeitura de Farroupilha e Emater/RS, com apoio do Ibravin, Fecovinho, Embrapa Uva e Vinho e Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa/RS).
Na Serra Gaúcha, cerca de 350 famílias praticam a viticultura orgânica, cultivando uvas de variedades híbridas/americanas, que resultam em aproximadamente 10 mil toneladas de uvas destinadas à elaboração de suco orgânico. Em razão da crescente demanda, instituições que atuam no setor estão disseminando conhecimentos e técnicas para ampliar a produção. Em entrevista para o Caderno ATER, René Piamonte Peña apresenta detalhes técnicos e possibilidades para a agricultura biodinâmica.
ATER: O que á agricultura biodinâmica?
René Piamonte Peña: É uma das modalidades de produção ecológica. Constitui uma das formas mais antigas de fazer agricultura. Se caracteriza pela não utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos. O surgimento de produtos químicos na agricultura após a Segunda Guerra Mundial e a adoção de um pacote tecnológico modificaram a produção e estão levando a um resultado nefasto para a humanidade. Como os movimentos ecológicos foram surgindo, a produção biodinâmica ganhou força e incentivo inspirador. A agricultura biodinâmica tem base ecológica não apenas utilizando produtos e fertilizantes orgânicos, mas considera aspectos do ciclo da terra, homeopatias e calendário astronômico num conceito amplo de fazer produção agrícola.
ATER: Essa não é uma tecnologia, mas um conceito?
Peña: Exatamente. É um conceito que se plasma em tecnologia. Temos projetos no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo. Cada vez mais, ganha força a produção de alimentos de qualidade. Hoje, os vinhos, chocolates e outros produtos de melhor qualidade são elaborados a partir da agricultura biodinâmica. Aqui no Sul do Estado, há uma ótima experiência de produção de arroz orgânico. Este produto tem excelentes qualidades nutricionais. Esse conceito se concretiza em tecnologias que podem ser aplicadas por qualquer Agricultor.
ATER: Pode-se produzir em escala usando esse conceito?
Peña: Sem dúvida. É uma questão adaptar e trabalhar com maior cuidado. É uma agricultura que facilita a aplicação ao pequeno Agricultor, porque todos os componentes são mais acessíveis. Mas, não impede de ser aplicada em grades extensões.
ATER: Essencialmente, ela trabalha com o conceito de sustentabilidade. Por quê?
Peña: Ela é sustentável no sentido que produz seus próprios insumos. Se continuar dependente de insumo da indústria química, a produção é frágil. Na agricultura biodinâmica, o Produtor elabora seus insumos e só depende de seu próprio trabalho. Nesse sentido, ela é altamente sustentável.
ATER: Quais as características de uma propriedade biodinâmica?
Peña: O conceito básico a ser aplicado é que a propriedade deve ser entendida como uma unidade biológica integral, na qual todos os setores e aspectos da propriedade estão inter-relacionados e se ajudam mutuamente, que vão de encontro a diversidade. Ela se constitui com a presença de uma floresta, de manejo de água, de espaços de cultivos extensivos e envolvimento total das pessoas com essa concepção. Não há como fazer essa agricultura sem a presencialidade. Hoje, muito da agricultura convencional é feito através do telefone. O proprietário nem aparece na unidade produtiva, nem sabe o que acontece lá. Ele dá as especificações e receitua o plantio e não aparece.
ATER: Para pensar nas futuras gerações, no planeta, na humanidade é necessário dialogar com o conceito da agricultura biodinâmica?
Peña: Ela é uma agricultura voltada para a humanidade. O aspecto favorável em nosso caso é que estamos contando com Agricultores e técnicos da EMATER, da FECOVINHO, EMBRAPA, do IBRAVIN, da Rede ECOVIDA. Existem estudantes de agronomia que estão interessados no tema. Essa juventude precisa se apropriar dos conceitos e das práticas que trabalham para construir um mundo melhor. Isso é possível. Não é uma ideia futurista, fora da realidade. É algo experimentado e que demonstra excelentes resultados. Um dos aspectos favoráveis é que a partir do aprofundamento deste conceito muitos jovens estão se aproximando da terra e da produção agrícola. A agricultura convencional afastou a juventude da produção agrícola.
ATER: Isso demanda um processo de conscientização?
Peña: Para isso, precisamos da contribuição da sociedade. O consumidor tem uma força enorme. Ele é o motor que determina o tipo de alimento quer consumir. Ao ir no supermercado, ele compra qualquer alimento, sem saber a origem, como foi produzido, só porque leva dois por um, é barato. Isso não é economia. Isso depõe contra a qualidade de vida e a saúde humana. As pessoas tem que pensar em colocar alimentos saudáveis na mesa da família. Se o consumidor exige qualidade, alimentos sem aplicações de agroquímicos começa a mudar a realidade da produção agrícola.
ATER: Os alimentos carregam resíduos químicos dos agrotóxicos?
Peña: É claro. As empresas que produzem os agrotóxicos são as mesmas que produzem os remédios, os antibióticos para tratar das doenças. Por isso, o consumidor é peça chave para mudar essa relação ao exigir alimentos orgânicos.
ATER: O Agricultor vai sobreviver com a produção biodinâmica?
Peña: Essa preocupação está superada. A pergunta que temos de fazer é se ele vai sobreviver se continuar usando fertilizantes químicos e agrotóxicos. A resposta é que o agrotóxico mata. O sistema do agroquímico é planejado pelas empresas para tornar o Agricultor dependente. A agricultura biodinâmica coloca em sua mão a possibilidade de progredir. Obviamente, depende dele. Chegou a hora de formular uma parceria consciente entre consumidores e Agricultores que coloque a vida em primeiro lugar.
ATER: Como fica a situação do vinho?
Peña: Este é o produto biodinâmico mais valorizado do mundo. No Chile e na Argentina, os vinhos mais caro do mundo são os biodinâmicos, porque eles acentuam a qualidade produtiva. Eles têm melhor conservação, tem mais nutrientes, tem mais sabor, mais cor. Esse tipo de produção tem resultado econômico importante, mas, sobretudo, oferece qualidade de vida.
ATER: O conceituação dos vinhos de denominação de origem não é somente lugar geográfico, mas conceito de qualidade?
Peña: Sem dúvida. No vinho ganhou força o conceito de terroir, porque expressa o melhor de cada variedade, com características próprias e de determinada região. Isso é fundamental, porque identifica uma excelência de qualidade. Isso tem efeito comercial positivo em qualquer produto. Se procurarmos e produzirmos com excelência o êxito comercial será consequência, além de saúde e satisfação de fazer de nossa produção algo que contribua para a vida das pessoas. Isso traduz, inclusive, uma dimensão espiritual. Nada há de mais cristão do que fazer algo de bom a serviço da natureza e dos seres humanos. Não há como ficar feliz ao entregar algo para as pessoas que está contaminado.
ATER: Como isso dialoga com a saúde?
Peña: O grande drama para a vida das crianças são as alergias. Ela não é hereditária ou genética. É a reação do corpo perante a ingestão de determinados produtos com ingredientes químicos. Então, esse tipo de produção ecológica é altamente benéfica.
ATER: Significado desta qualificação conjunta de Técnicos e Agricultores?
Peña: Isso é importante porque estão sendo revistos muitos conceitos que a própria faculdade dissemina. Essa integração de técnicos e Agricultores visa uma nova agricultura. O apoio de institutos de assistência e pesquisa é fundamental, porque é uma nova agricultura que estão sendo construída em conjunto. Não estamos caminhando no escuro. Mas, seguimos com passos seguros para implementar uma agricultura que está à serviço da vida.
Agricultor de Farroupilha projeta manejo biodinâmico
O Agricultor de Linha 80 de Farroupilha, João Carlos Tres, participou do curso Princípios de Agricultura Biodinâmica Aplicada à Fruticultura. Ele ficou impressionado com a influência dos astros, das fases da lua e do movimento do cosmos na produção agrícola. João Carlos está fazendo experimentos em sua propriedade para a produção orgânica e salienta que ainda enfrenta dificuldades com a modalidade de cultivo da vizinhança, que ainda faz o manejo convencional. “A ideia é iniciar a utilização desse conceito na produção de uva e de pêssego, porque a produção de fruta é a principal atividade em minha propriedade”. Tres já utiliza há vários anos adubação verde. O solo ficou diferente, tornou-se mais resistente e tem uma resposta melhor. “Reduzi drasticamente a utilização de adubos químicos, optando pelos compostos orgânicos. Sem os fertilizantes químicos estou produzindo muito bem”. O Produtor pretende colocar em prática nesta safra a observação do movimento lunar no período de poda do parreiral, principalmente, para induzir o comportamento da planta no ciclo produtivo.
Tecnólogo aposta em avanço da produção biodinâmica
O tecnólogo em Viticultura e Enologia, Leandro Venturin, salienta que o curso de biodinâmica reafirma dois grandes eixos orientadores do Programa ATER: a redução do uso de agrotóxicos e o incremento da produção orgânica. “A produção biodinâmica é um novo degrau nesta escalada de aperfeiçoamento da vitivinicultura. Ela agrega outros elementos, fazendo a composição da arquitetura do ambiente de equilíbrio produtivo”. Ele verifica que na vitivinicultura esta concepção está ganhando força. “Todos os grandes vinhos do mundo estão sendo produzidos com a orientação biodinâmica, que ressalta as qualidades naturais, os chamados terroirs. Nosso desafio é criar esse ambiente na Serra Gaúcha”.
Venturin explica que entidades ligadas ao setor vitivinícola apostam numa ampliação da produção orgânica na Serra Gaúcha, promovendo uma redução do uso de agrotóxicos e de uma ação sustentável. “Temos hoje, pelo menos quatrocentos Agricultores da Região produzindo ou encaminhando sua atividade para a produção orgânica. Essa concepção está estabelecida”. Trezentas e cinquenta famílias já têm produção orgânica certificada. Esses Produtores colhem hoje, aproximadamente 10 mil toneladas de uva orgânica, com área estabelecida para esse volume. Cerca de 90% dessa matéria prima é destinada à produção de sucos, que têm resposta positiva do mercado. Esse crescimento foi constante nos últimos . Num período muito curto, a produção de uva orgânica teve um incremento de 600% e foi totalmente absorvida. “Esse é um fato inédito e mostra o potencial de mercado que tem essa produção”. Ele acredita que o curso vai contribuir de forma decisiva para aumentar produtividade desse tipo de cultivo, que agrega valor ao trabalho do Agricultor. Isso sem contar a melhoria na qualidade de vida do Produtor pelo abandono do uso de substâncias químicas, diminuição do agrotóxico e preservação do meio ambiente. “Temos produtos de melhor qualidade nutricional e com melhores aromas e sabores, além de caracterizar melhor a nossa região e a nossa qualidade de vinhos e sucos”.
Uma resposta
Olá mto bom os esclarecimentos. Gostaria de ser inserido nas listas ou links relacionados ao tema para aprofundamento no estudo. Parabéns a tod@s. Abs Mauro