O empresário do espumante
Em entrevista a revista Bon Vivant, em abril de 2006, o empresário Ângelo Salton Neto revelou que não sabia que Prosecco era o nome de uma uva e muito menos que safras eram diferentes uma das outras. Durante uma degustação promovida pela Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP), em 1999, ele mudou seus conceitos. “Até então, eu não vivia safras. Vivia lucro (…). Foi com a ABS que percebi que embora fossemos grandes, tínhamos que trabalhar como uma empresa pequena no setor de vinhos finos”. Foi esse encontro, aliado a um episódio ocorrido durante uma visita ao restaurante Fasano (SP), em 2000 – em que o empresário percebeu que diversas mulheres bebiam um tal de Prosecco -, que mudaram a vida de Ângelo e também da Vinícola Salton. Até então, a empresa fundada em 1910 estava associada a produtos populares, em especial ao conhaque Presidente. A partir daquele ano, tudo mudou.
Ao ver que o Prosecco era muito solicitado, Ângelo ligou para o enólogo da Salton e pediu o que era aquilo. “Para mim, era um bicho de sete cabeças. Mas o Lucindo Copat (enólogo da Salton) me disse que nós tínhamos Prosecco, que era o nome de uma uva e também de um vinho”, contou à revista. De posse da informação, solicitou que as uvas cultivadas (que normalmente eram usadas para elaboração de um vinho branco popular e adocicado) fossem utilizadas para elaboração de um espumante. Em três meses, lançou o Prosecco Salton. “Em quatro meses, nosso Prosecco acabou. E os críticos diziam que nosso produto era melhor e mais barato que a maioria dos Prosecco italianos”, disse.
Assim era Ângelo Salton Neto, um empresário com visão empreendedora, bem humorado e determinado a transformar a vinícola centenária na maior produtora de espumante. E conseguiu. Se hoje, de cada 100 garrafas de espumantes finos produzidos no Brasil, quarenta saem dos tanques da Salton, é devido ao talento do paulistano, que foi o responsável por mudar os rumos da empresa. O empresário faleceu no auge na carreira, em 10 de fevereiro de 2009, aos 56 anos, vítima de infarto. Ele deixou a mulher Fátima e quatro filhos.
Começos e mudanças
Filho de pais gaúchos, Ângelo era bisneto do fundador da cantina. Seu bisavô Antonio Domenico Salton veio para o Brasil em 1878, saído da região do Vêneto, na Itália. Em solo brasileiro, instalou-se em Bento Gonçalves, onde abriu um armazém de secos e molhados. No ano de 1910, os filhos Antônio, Paulo, João, Luiz, Cezar, Ângelo e José ampliaram o negócio e fundaram a vinícola Paulo Salton & Irmãos, que mais tarde se tornaria apenas Salton. Em 1948, o pai de Ângelo mudou-se para São Paulo, onde foi aberta uma filial. Três anos depois, a filial se transformou na fábrica do Conhaque Presidente. Foi na ‘terra da garoa’ e no meio das garrafas de conhaque que Ângelo, nascido em 1953, passou a infância e a adolescência. Formou-se em Engenharia Mecânica pelo Mackenzie e aos 24 anos largou o emprego na Fábrica de Aços Paulista e ingressou na empresa da família. Seu tio, Mário Salton, o convidou para ocupar um cargo de vendedor. Com talento nato para as vendas, viajou por todo o Nordeste vendendo o conhaque e determinado a vestir a camisa da Salton. Nas feiras de vinho, servia pessoalmente os clientes. Aos 30 anos, foi convidado a assumir a presidência da empresa, cargo que ocupou até seu falecimento em 2009.
A escolha deu certo. Alguns anos depois, o jovem empreendedor modificou a imagem da vinícola – considerada até então uma empresa de produtos populares – e investiu fortemente no segmento de vinhos e espumantes finos. Nasceram as linhas Salton Classic e Salton Volpi e mais tarde os ícones Talento e Desejo, sucesso de vendas e de críticas. Os rótulos conquistaram medalhas em concursos nacionais e internacionais. “Na segunda metade dos anos de 1990 tínhamos o conhaque Presidente firme e forte no mercado. Estávamos começando a modernizar nossas instalações, tínhamos um dos melhores enólogos do país e percebemos que se não fossemos competentes para levar a firma a um nível alto de qualidade, iríamos ficar na periferia do mercado”, contou Ângelo.
No ano de 2004, ele realizou um dos seus maiores sonhos, a inauguração da nova sede da Salton, no distrito de Tuiuty, em Bento Gonçalves. Numa área de 77 hectares e com 30 mil metros quadrados construídos, foi erguido um prédio inspirado nas antigas vilas italianas projetadas pelo arquiteto Andrea Palladio. A nova vinícola tinha tecnologia de ponta, sistema de rastreabilidade, seleção manual de cachos e uma cave a oito metros de profundidade.
O jeito bonachão e a simpatia lhe tornaram ainda garoto-propaganda da Salton. Era comum vê-lo no Programa Amaury Jr, da Rede TV!. Seu espírito empreendedor também garantiu prêmios, como o troféu Empreendedor do Ano, concedido pela consultoria Ernst & Young, em 2006; e o título de Personalidade do Ano de 2005, num evento promovido pela revista Vinho Magazine.
Foi, de fato, o grande vendedor da Salton. Sua visão de negócios e a capacidade de gerenciamento foram fundamentais para que a empresa chegasse ao posto que ocupa hoje, como a maior produtora de espumantes do Brasil e um faturamento de R$ 296 milhões em 2013. Mas, como dizem muitos, foi seu jeito simples e bem humorado que cativou as pessoas e abriu as portas para que seus vinhos e espumantes estivessem nas cartas de restaurantes, bares e lojas de todo o país. “Sou uma pessoa feliz. Por isso, tenho essa expressão contente. Amo minha família, estou rodeado de amigos maravilhosos. Só posso ser feliz, ainda mais vivendo no mundo do vinho, que é apaixonante”, declarou Ângelo em 2006.
Fontes: Vinícola Salton 100 anos/ Revista Bon Vivant