Em época de prevenir as doenças das culturas, é preciso
também estar atento com o uso de equipamentos de segurança
O agricultor de Nova Pádua Jaime Baggio, 60 anos, aprendeu que o capacete, a bota de borracha, as luvas e o macacão são essenciais quando ele vai trabalhar com agrotóxicos. Se há mais de 30 anos quando começou a trabalhar na colônia esses equipamentos de segurança não eram usados, hoje ele ensina aos filhos a sua importância. Morador do Travessão Bonito, Baggio já não é mais o responsável pelo tratamento dos plantios de alho, cebola e uva que a família cultiva, mas faz questão que os filhos utilizem a proteção. “Com agrotóxico tem que ter o máximo de cuidado e fazer tudo corretamente para não prejudicar a saúde”, pontua ele, que somente utiliza produtos específicos para as suas culturas e indicados pelo agrônomo, bem como respeita o período de carência.
Às vésperas da entrada da Primavera, Baggio já começa os primeiros tratamentos no alho e na cebola precoce e daqui a alguns dias também nos parreirais. Essa é a época de prevenir possíveis doenças que venham afetar as produções e de redobrar os cuidados durante a aplicação dos agrotóxicos. Não é novidade para ninguém que pesticidas são poderosos não somente para acabar com os males das culturas, mas também para a saúde do homem. O uso das substâncias no meio rural é a segunda causa de intoxicação no Rio Grande do Sul, ficando atrás apenas dos medicamentos, de acordo com o levantamento de 2013 do Centro de Informação Toxicológica do Estado (CIT-RS). Somente no ano passado foram 684 casos de intoxicação por agrotóxicos. Desses 14 óbitos, o que corresponde a 34,2% e o coloca em primeiro lugar entre os agentes por intoxicação que vão a óbito.
Ainda segundo os dados do CIT-RS, nos 42 municípios de abrangência do jornal A Vindima, foram registrados, em 2012, 69 casos por contaminação com agrotóxicos e, em 2013, 60 casos. Porém, esses números podem ser maiores. “Temos um problema, porque apesar de ser compulsória a notificação, muitos profissionais da saúde, infelizmente, não notificam”, afirma a gerente geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ana Maria Vekic.
Além desses dados, um estudo está sendo desenvolvido pela Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) para avaliar o grau de intoxicação por agrotóxicos entre os agricultores de 22 municípios da Serra Gaúcha. O trabalho deverá estar concluído no final do ano, mas os resultados preliminares já indicam que o trabalhador rural inicia a vida no campo cedo, antes dos 10 anos de idade, e isso o coloca em contato com os agrotóxicos por um longo período.
Medidas de segurança
– Não coma ou beba durante a aplicação dos agrotóxicos;
– Não desentupa bicos e válvulas dos equipamentos com a boca;
– Não aplique os produtos em dias de muito vento;
– Evite aplicar o agrotóxico em dias de muito calor;
– Utilize equipamentos de proteção individual, conforme indicado na bula do agrotóxico;
– Troque e lave as roupas de proteção separadamente das outras;
– Tome banho imediatamente após o contato com os agrotóxicos;
– Mantenha os EPIs e as embalagens adequadamente fechadas e longe do alcance de crianças e animais;
– Não queime, enterre ou jogue em rios as embalagens vazias dos agrotóxicos. Informe-se sobre como devolvê-los em seu município;
– Somente aplique os agrotóxicos em sua lavoura quando for recomendado pelo agrônomo. Mostre a ele as pragas para que ele indique os produtos corretos;
(Fonte: Instituto Nacional do Câncer (Inca) e cartilha da Anvisa)
Proteção é imprescindível para se prevenir contra doenças
Os números reforçam o alerta aos agricultores: a utilização de equipamentos de proteção é imprescindível no campo, afinal o Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Ao lidar com substâncias químicas é preciso estar atento a uma série de cuidados para prevenir problemas de saúde. Um estudo da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) listou mais de cem agrotóxicos que podem causar uma série de enfermidades como depressão, má formação congênita, transtornos de imunidade, alergias respiratórias, diabetes, distúrbios de tireóide, aborto e até Mal de Parkinson. Além disso, o agrotóxico estaria ligado ao desenvolvimento de câncer, segundo o relatório Diretrizes para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho, produzido pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). Segundo a publicação, dentre as principais enfermidades observadas em pessoas expostas aos agrotóxicos estão os linfomas, leucemias e cânceres de intestino, ovários, pâncreas, rins, estômago e testículos. “A exposição aos agrotóxicos pode ser considerada como uma das condições potencialmente associadas ao desenvolvimento do câncer por sua possível atuação como iniciadores – substâncias capazes de alterar o DNA de uma célula -, podendo originar o tumor”, explica a coordenadora do trabalho e da Área de Câncer Ocupacional do Inca, Ubirani Barros Otero. Entretanto, ela alerta que ainda faltam estudos para confirmar que tais doenças podem ser causadas pelo uso dos agrotóxicos. “Mas as evidências já são suficientes para que medidas mais fortes sejam tomadas. Devemos adotar no país o princípio da precaução. Se existe uma forte suspeita de que algum agente pode causar câncer, devemos evitar essa exposição”, diz. Sabe-se que os efeitos dos agrotóxicos dividem-se basicamente em intoxicações agudas e crônicas. As primeiras ocorrem quando a pessoa, ao ser diretamente exposta as substâncias, apresenta sintomas como tontura, náusea, vômito, diarréia. Já a intoxicação crônica se dá quando a pessoa é exposta a doses pequenas, porém cotidianas. Essa exposição é gradual e a responsável pelos problemas mais sérios.
O que fazer – alerta a quem trabalha com a uva
Diante dos estudos, o trabalhador rural precisa se precaver. E, de acordo com a gerente geral de Toxicologia da Anvisa, Ana Maria Vekic, o viticultor requer cuidados redobrados. “O cultivo da uva é um dos que precisa ter maior cuidado, porque o parreiral (no sistema latada) forma quase que uma câmara de gás e ali o produtor está exposto diretamente ao produto”, diz a especialista. Além do mais, ela pontua que por utilizar muito fungicida no final do ciclo de colheita, a uva está entre os produtos que mais contém agrotóxicos. “Às vezes o inseticida é aplicado próximo a uma produção de uva pronta para ser colhida e o que ocorre é que não se respeita o tempo de carência e degradação do produto entre a aplicação e o consumo”, alerta. Para se proteger, o produtor necessita usar todo o equipamento de proteção, que inclui luvas, máscara, calça impermeável, óculos de proteção, botas de borracha, entre outros. “Infelizmente os agricultores usam pouco, porque é algo chato e se passa calor. Mas somente o uso de luvas adequadamente já protege quase que 80% a exposição”, diz Ana Maria. Outro grande problema que os agricultores precisam adotar é a utilização somente de produtos autorizados, porque quando o agrotóxico está com selo de autorização ele vai conter em sua bula as medidas de segurança a serem tomadas e a quantidade correta a ser usada. “Quando isso não acontece entramos num segundo problema que vai refletir não somente na saúde dele, quanto na saúde do consumidor. Porque se o agricultor aplicar um produto não autorizado para a modalidade não vai saber a dose correta, o tempo de carência, a quantidade de aplicações e isso faz com que se perca o controle da dose diária aceitável para a população”, destaca a gerente.
Os mais perigosos
Se o agricultor precisa se cuidar, a população em geral também. Conforme dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. O pimentão lidera a lista – quase 92% das amostras analisadas apresentaram contaminação. Em seguida, aparecem o morango (63,4%), o pepino (57,4%), o alface (54,2%) e a cenoura (49,6%). No relatório de 2011, a uva ocupava a segunda posição com mais de 28% das amostras contendo agrotóxicos não autorizados, já em 2012 (quando foi divulgado o último relatório), a fruta não foi analisada. O estudo apontou a presença de ingredientes ativos tebufempirade e azaconasol em amostras de uva analisada. A Anvisa aponta que essas substâncias nunca tiveram registro no Brasil, o que sugere o contrabando desses agrotóxicos. “O que acontece muitas vezes é que os produtores desses alimentos, por serem pequenos produtores, acabam comprando agrotóxicos que apesar de ter o mesmo princípio biológico não estão autorizados para serem aplicados nessa cultura”, explica a gerente geral de Toxicologia da Anvisa, Ana Maria Vekic.
São esses casos que acabam comprometendo a saúde do agricultor e do consumidor. “Quando se aplica um produto que não está autorizado entramos no problema da exposição da população em geral, porque quando a Anvisa faz uma determinação, ela está atestando a quantia que pode ser utilizada de agrotóxico nos alimentos para que não cause mal à saúde do consumidor. Quando o agricultor não respeita isso ou usa agrotóxicos não autorizados ele está indo contra as normas e fazendo com que se perca esse controle”, diz.
Dados
A avaliação faz parte de um programa para controlar e reduzir a quantidade de agrotóxicos na alimentação dos brasileiros. O levantamento apontou presença de agrotóxicos em 36% das amostradas analisadas em 2011 e 29% das verificadas em 2012. Nesses casos, os alimentos continham níveis de substâncias tóxicas superiores aos limites determinados pelo país ou ainda compostos químicos que nunca foram registrados para uso no Brasil.
Em 2011, foram analisadas 1.628 amostras de nove alimentos (alface, arroz, cenoura, feijão, mamão, pepino, pimentão, tomate e uva). Das 589 amostras consideradas insatisfatórias, 520 apresentaram algum tipo de agrotóxico não autorizado para a cultura; 38 estavam com produtos tóxicos com nível acima do limite imposto pela Anvisa; e 31 amostras tinham resíduos tóxicos de produtos não autorizados para aquela cultura ou com níveis acima do permitido. O composto fungicida carbendazim foi o mais encontrado, seguido dos inseticidas metamidofos e clorpirifos.
No ano de 2012 foram verificadas 1.665 amostras de sete culturas (abacaxi, arroz, cenoura, laranja, maçã, morango e pepino). O estudo apontou que 416 amostras tinham presença de agrotóxicos não autorizados para a cultura e 67 apresentavam substâncias acima do limite e não permitidas para a cultura. O destaque foi para o composto clorpirofos, seguido dos inseticidas acefato e dimetoato. Além disso, 152 amostras tinham resíduos de ingredientes ativos em processo de reavaliação toxicológica ou em etapa de venda descontinuada no país. Os dados fazem parte do Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), iniciado em 2001 pela Anvisa, com o objetivo de avaliar os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que chegam à mesa do consumidor. O PARA é coordenado pela Anvisa que atua em conjunto com as Vigilâncias Sanitárias e com os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen). Mais informações sobre as pesquisas podem ser vistas em www.anvisa.gov.br.
Por Danúbia Otobelli