Campanha Gaúcha se consagra no cultivo de uvas e elaboração de vinhos

Empreendimentos se destacam pela inovação nos vinhedos, qualidade da uva e dos vinhos, além das novas tecnologias implantadas

* Andréia Debon

A imensidão verde emoldura a paisagem que desde muito cedo abriga a figura do gaúcho. O cheiro inconfundível que vem do churrasco sendo assado, o prazer de repartir o chimarrão de mão em mão e a hospitalidade do povo agora somam-se ao cheirinho de uva que vem dos vinhedos na época da vindima e a qualidade  dos vinhos que ali são elaborados. Essa é a Campanha Gaúcha, uma das regiões mais bonitas e ricas culturalmente do Rio Grande do Sul e que a cada ano ganha mais espaço no que se refere a vitivinicultura. A reportagem do A Vindima, à convite do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), visitou esta nova e destacada região para conferir de perto as novidades deste terroir no que se refere a novas vinícolas e novas marcas. Visitamos e conhecemos a história de 11 vinícolas, mas há outras seis já fundadas, além de outras empresas, como Salton, por exemplo, que possuem vinhedos instalados na região.

A Campanha Gaúcha é a segunda maior região produtora de vinhos do Brasil, atrás somente da Serra Gaúcha. Sua história não é tão recente. Acredita-se que as primeiras movimentações em torno do vinho nessa parte do Rio Grande tenha iniciado em 1888, quando foi construiu-se por um empresário espanhol a primeira cantina da Quinta do Seival, com paredes de barro e telhado de palha.

Hoje, são dois mil hectares de vinhedos, todos em espaldeira, o que correspondem a 35% do total de uvas vitisviníferas cultivadas no Brasil. A região trabalha diretamente com a sustentabilidade, aliando paisagem, inovações e preservação. A topografia de suaves coxilhas permite a mecanização da cultura e técnicas especiais de manejo do solo, sempre buscando a preservação do Bioma Pampa. A área cultivada corresponde a 25% da produção de vinhos finos do Brasil. São cerca de 180 produtores envolvidos e 17 vinícolas, segundo dados da Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha. Há produção de uvas e vinhos em Candiota, Hulha Negra, Bagé, Dom Pedrito, Santana do Livramento, Rosário do Sul, Alegrete, Quaraí, Uruguaiana, Itaqui e Maçambará.

A produção estimada é de 12milhões de litros por ano. Em cinco anos o objetivo é chegar aos 20 milhões de litros. Outro objetivo é, segundo o presidente o presidente da Associação de Produtores de Vinhos da Campanha, Giovâni Silveira Peres, buscar, até o final deste ano, uma Indicação Geográfica para os Vinhos da Campanha.

A Campanha Gaúcha apresenta rigorosos inverno e verão, apresentando, assim, boa amplitude térmica. Também possui solos privilegiados para a viticultura e poucas chuvas durante a maturação, podendo, assim, proporcionar o cultivo de uvas vigorosas e vinhos de qualidade.

Neste pedaço do Rio Grande a inovação é destaque pelo fato de ser um novo pólo vitivinícola e não apresentar uma cultura tradicional característica de produção de uvas e vinhos. O empreendedorismo por parte dos jovens produtores chama a atenção por estarem atentos à evolução dos negócios como chave para se destacar neste mercado competitivo.

*Viajou a Campanha Gaúcha a convite do Ibravin

Routhier & Darricarrère

No município de Rosário do Sul, o jovem enólogo Anthony Darricarrère dá continuidade ao trabalho da família de origem francesa que há muitos anos de dedica a vitivinicultura. Anthony está à frente da Routhier & Darricarrère, vinícola cuja história inicia em 2002 tendo como protagonistas Pierre e Jean Daniel DarriDSCN9242carrèr. Franceses, criados no Uruguay, os irmãos vieram para o Brasil na década de 1970 para estudar e por aqui decidiram investir num projeto de frutas cítricas e, posteriormente, no plantio de mudas de videira. A esse negócio se somou o canadense Michel Routhier, que percebeu o potencial da região para o plantio de cítricos e de uvas. Hoje, a Routhier & Darricarrère possui são cinco hectares de uva, com destaque para a Cabernet Sauvignon e Chardonnay. A produção é pequena, em torno de 20 mil garrafas. Mas o objetivo é chegar a 40 mil e implantar mais 3 hectares. Entre os vinhos destaque estão o Red, que tem no rótulo uma Kombi vermelha, referência a uma viagem que o pai e o tio de Anthony fizeram pelo Brasil em 1974, e o Salamanca do Jarau, uma edição limitada do ícone da vinícola, o Província de São Pedro, safra 2012, com 100% de uvas Cabernet Sauvignon.

 

 

Bodega Sossego

DSCN9277Em meio ao campo, e tendo ao redor animais tranquilos pastando, um vinhedo complementa e embeleza ainda mais paisagem. São as vinhas da Bodega Sossego. Localizado em Uruguaiana, a menos de 20 quilômetros da divisa com o Uruguai e a 28 quilômetros da Argentina, o vinhedo foi implantado em 2004 pelo produtor rural Bolivar Moura, um apaixonado por vinhos que importou da França as primeiras mudas. Em 2011, o filho René Ormazabal Moura assume a frente dos negócios relacionados a vitivinicultura (a família trabalha com gado de corte, principalmente). Foi nesse ano que aconteceram as primeiras vinificações. Atualmente são cinco hectares de Cabernet Sauvingon e Chardonnay, e os vinhos levam a marca  Campaña. A vinificação é feita em parceria com a vinícola Don Giovanni, de Pinto Bandeira.

 

 

Campos de Cima

A Campos de Cima trilha sua história na Campanha Gaúcha há mais tempo. Localizada em Itaqui, na fronteira Oeste Estado, foi fundada em 2002 por José Silva Ayub e Hortência Ravache Brandão Ayub. Criadores de gado e cordeiros, transformaram sua paixão pelo vinho em negócio ao implantar 15 hectares de vinhedos na propriedade da família em Maçambará, a 100 Km de Itaqui, entre São Borja e Uruguaiana. Hoje a Campos de Cima é uma das vinícolas referência na Campanha Gaúcha.  Administrada por Hortência, em parceria com as filhas Manuela e Vanessa, e pelo genros, a Campos de Cima se caracteriza como uma vinícola boutique. A primeira safra foi em 2006, da uva Tannat. Atualmente são elaborados vinhos brancos, tintos, rosés, além de espumantes. O rosé, por exemplo, foi elaborado sob os cuidados do enólogo francês Michel Fabre, que produziu um vinho rosé de acordo com as técnicas aplicadas na Provence, a mais prestigiada região francesa produtora de rosés do mundo.

O francês também assina dois tintos que foram apresentados oficialmente durante a Expovinis, em São Paulo, no final de abril (saiba mais no quadro).

Depois de anos vinificando em parceria com outras vinícolas, a Campos de Cima inaugura, ainda neste ano, o prédio de sua vinícola. Projetada por uma das sócias, a arquiteta Manuela Ayub Candelária, filha de Hortência, a Vinícola Campos de Cima é uma construção moderna e arrojada, de pouco mais 1100 metros quadrados. É revestida com arenito rosa, uma pedra típica aqui da região, com chão de cimento queimado e ladrilhos hidráulicos, usado muito nas fazendas da região, e toda a decoração de peles, couros e madeiras, que tem a ver com a região. A capacidade é de 60 mil litros, podendo chegar a 100 mil.

Vanessa, Hortência e Manuela. Foto: Manoel Marques
Vanessa, Hortência e Manuela.
Foto: Manoel Marques

 

 

 

Guatambu Estância do Vinho

Modelo de empreendimento enoturístico não somente para a Campanha, mas também para a Serra Gaúcha, a Guatambu Estância do Vinho, de Dom Pedrito, está entre as mais modernas e qualificadas vinícolas do Rio Grande do Sul. O prédio de 3mil metros quadrados revela arquitetura no estilo espanhol com galeria de acervos da Estância, auditório, varejo, com mostruário e venda de toda linha de vinhos, bem como produtos artesanais típicos da região e cosméticos a base de uva. Além de toda esta estrutura, o espaço ainda conta com um salão de eventos com capacidade para 200 pessoas.

A Guatambú é uma empresa administrada pela família Pötter. A história iniciou em 2003 com a implantação de um vinhedo com mudas importadas da França e da Itália. Em 2007, a vinícola firmou uma parceria com a Embrapa Uva e Vinho com o objetivo de estudar e caracterizar o potencial da região da Campanha para a vitivinicultura.  Nascia ali o primeiro vinho, Cabernet Sauvignon 2009. Na sequência, foram lançados, agora com a consultoria do enólogo uruguaio Alejandro Cardozo, seus vinhos brancos e sua linha de espumantes.

Gabriela, Naira, Valter e Isadora: unidos para comemorar as conquistas.
Gabriela, Naira, Valter e Isadora: unidos para comemorar as conquistas.

 

 

 

Dunamis

A Dunamis também trilha uma história de sucesso na Campanha Gaúcha. Com campanhas criativas para buscar o consumidor jovem, a vinícola apresenta uma linha de produtos que inclui vinhos, espumantes e desde março passado o suco de uva. Fundada em 2010, a Dunamis tem à frente o jovem enólogo Thiago Peterle, filho do fundador, o agropecuarista José Antônio Peterle. A empresa possui um vinhedo localizado em Dom Pedrito, na Campanha Gaúcha, com 15 hectares, de onde provêm as uvas para os vinhos tranquilos, e um outro, de 10 hectares, em Cotiporã, na Serra Gaúcha, onde são plantadas as uvas destinadas aos espumantes.

Entre as preocupações da empresa está a importância da preservação do meio ambiente. Diante disso, todas as ações no vinhedo buscam reduzir o impacto em ações como a preservação da biodiversidade respeitando a fauna e a flora locais, a redução do uso de defensivos agrícolas utilizados de forma racional com auxílio do sistema thermal pest control, o uso de menos água (uma consequência direta da redução de agroquímicos) e a redução do peso das garrafas dos vinhos que, mais leves, utilizam menos matéria-prima na produção e apresentem redução significativa da emissão de gases na atmosfera.

Thiago Peterle.
Thiago Peterle.

 

Aliança

Uma das maiores cooperativas do setor vinícola do Brasil, a Cooperativa Nova Aliança registou em 2015 a produção plena da nova planta em Flores da Cunha. Na Serra são elaborados os vinhos de mesa e o suco de uva. No entanto, a Nova Aliança também possui uma unidade na Campanha Gaúcha, região onde são cultivadas as uvas vitisviníferas e elaborados os vinhos finos. Na Campanha são 450 hectares, distribuídos entre os municípios de Encruzilhada do Sul, Bagé, Dom Pedrito e Santana do Livramento, sendo 42 hectares destinados a vinhedos.

A vinícola, antes denominada Santa Colina, foi instalada em Santana do Livramento em 1983 por um grupo de japoneses que percebeu naquelas terras potencial para elaboração de vinhos. Na época, toda a produção era exportada para o Japão. A primeira exportação do produto aconteceu em 1987. Em 2003, o grupo vendeu para a cooperativa Nova Aliança, na época localizada em Caxias do Sul. Depois, em 2011, a Aliança se juntou a outras quatro cooperativas da Serra Gaúcha formando, assim, a Coooperativa Nova Aliança. A produção da Nova Aliança na Campanha é de, em média, 1 milhão de litros de vinho por ano. O lançamento da grife Cerro da Cruz, a linha top da Nova Aliança de Santana do Livramento, aconteceu em 2014. Os vinhos desta marca, especialmente o Chardonnay, tem recebido importantes prêmios nacionais e internacionais.

Almadém

Uma das vinícolas que mais tem história na Campanha Gaúcha, a Almadém, hoje pertencente ao grupo Miolo, tem recebido destaque pelos vinhos que elabora, desde os mais simples, até o mais renomado e detentor de diversos prêmios, o Tannat Vinhas Velhas. A história da vinícola iniciou em 1974 quando a Almadén (National Destillers) se estabeleceu em 1974 no município de Bagé, com a Vinhedos Santa Tecla, adquirindo área de 52 hectares e importando 57 mil mudas da Califórnia. Dois anos mais tarde, transferiu-se para Santana do Livramento, município localizado no paralelo 31, adquirindo propriedade de 1.200 hectares, onde possui hoje o maior parreiral contínuo da América Latina, com 585 hectares de viníferas. Desses 585 hectares, em cerca de 300 as uvas são colhidas mecanicamente. São colhidos em torno de 4 a 5 milhões de quilos de uva e elaborados 3 a 4 milhões de litros de vinhos. A capacidade da Almadem é de 8 milhões de litros.

Cordilheira de Santana

Da sacada da vinícola Cordilheira de Santana a vista é incrível. De frente para o Cerro de Palomas, em Santana do Livramento, a vinícola também é conhecida no terroir Campanha Gaúcha. O terreno foi comprado 1999, e a vinícola inaugurada em 2004. Hoje o casal Rosana Wagner e Gladistão Omizzolo elabora tintos e brancos de qualidade, com destaque para os brancos de guarda. A vinícola também presta serviços de terceirização para outras empresas da região na elaboração dos vinhos.

Outros investimentos

Peruzzo Vinhas e Vinhos, Estância Paraizo e Batalha Vinhas e Vinhos também estão entre os empreendimentos na Campanha Gaúcha. Dessas, a Peruzzo é quem atua há mais tempo. As primeiras videiras da Peruzzo foram implantadas em 2003. A vinícola, pertencente a família Peruzzo, foi inaugurada em 2008 em um processo de elaboração que incorpora modernas tecnologias. Batalha e Estância Paraizo iniciaram há pouco tempo a venda de vinhos, mas pretender expandir seus vendas no mercado brasileiro.

Saiba mais em

http://www.vinhosdacampanha.com.br/

Quem estiver passeando por Santana do Livramento pode visitar a loja Vinhos da Campanha. Endereço: Rua dos Andradas,100 / Subsolo – Centro. Telefones: (53) 3247.1944 / (55) 3243.2268

Profissionalizando o setor

A Campanha tem se destacado como uma grande região produtora de vinhos. E um dos fatores que contribuiu para isso foi a criação do bacharelado em Enologia, na Universidade Federal do Pampa, no campus de Dom Pedrito. O curso passou a funcionar a partir de janeiro de 2011, visto que a região começava a se destacar na produção de vinhos e a receber premiações. A proposta era criar um curso ligado ao setor vitivinícola com característica inovadora e que atendesse as demandas de mercado e compromissado com o desenvolvimento social. O bacharelado foi estruturado a partir de um eixo articulador, intitulado Sustentabilidade da Cadeia Produtiva. Este eixo permite a formação destacada do profissional, procurando atender a enologia de forma ampla e também atuando na produção, rastreabilidade, certificação de origem, empreendedorismo, marketing e comercialização dos produtos. Assim, formam profissionais capazes de orientar todos os elos da cadeia vitivinícola, desde o processo de produção até a comercialização.

Conforme a coordenadora do curso Renata Zocche, o bacharelado vem ajudar a profissionalização da região, considerando a sua vocação promissora no cultivo de uvas e elaboração de vinhos. “Os desafios da contemporaneidade exigem a formação de enólogos capazes de gerenciar a matriz produtiva de maneira econômica e ambientalmente sustentável”, diz.

O bacharel em Enologia tem duração de oito semestres, diurno e com 50 vagas oferecidas anualmente. Suas aulas são ministradas no campus Dom Pedrito da Unipampa.

Mais informações

www.unipampa.edu.br

Telefone e e-mail: (54) 3243 9539 ou coordenacaoenologia@gmail.com

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