Em 11 anos a representatividade dos jovens com idade entre 25 anos e 35 anos em áreas rurais caiu de 13,56% para 9,48%
Jovens com menos de 35 anos são minoria no campo. Hoje representam 5% dos trabalhadores do meio rural brasileiro. Esse dado foi divulgado recentemente nos primeiros resultados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Conforme o Censo, em 11 anos a representatividade dos jovens com idade entre 25 anos e 35 anos em áreas rurais caiu de 13,56% para 9,48%. A faixa etária entre 30 e 60 anos representa 60% enquanto os trabalhadores com mais de 60 anos representam 34%.
No Rio Grande do Sul, das 983 mil pessoas que ocupam os 365 mil estabelecimentos agropecuários, 57% estão na faixa etária entre 30 e 60 anos. O Censo revela que na última década o número de jovens no Estado decresceu – de 1,9% para 1,2% na faixa etária de até 25 anos. Chama atenção aqui, o fato de que 39% dos estabelecimentos rurais são chefiados por homens com mais de 60 anos. Em dez ou 20 anos, estima-se que os idosos possam ser maioria.
Incentivo é fundamental
Contrariando os números do Censo, uma pesquisa realizada pela Emater mostra que quando recebem assistência técnica e conseguem ganhar dinheiro com o trabalho rural, muitos jovens querem ficar ou voltar para o campo. Segundo a coordenadora estadual da juventude rural, mulheres rurais e educação do campo da Emater, Clarice Vaz Böck, o objetivo era conhecer melhor esse público. “Claro que sabemos que muitos jovens vão embora, mas, entre os nossos jovens, que são assistidos pela Emater, a maioria quer permanecer. O levantamento foi feito nos 493 municípios onde nós estamos presentes. Entrevistamos 20 famílias por município, então tivemos uma grande abrangência.”
Foram entrevistados 10.770 jovens de 15 a 29 anos de idade – todos atendidos pela Emater –, entre janeiro e março de 2018. Destes, 96% disseram que gostariam de permanecer na propriedade da família e entendem que há condições de manter a atividade rural (as mais comuns são agricultura, pecuária, agroindústria e agricultura ecológica). Dos entrevistados, 2.691 chegaram a ir embora para a cidade, mas, destes, 77,9% voltaram. Os motivos mais apontados para o retorno foram, por ordem, o vínculo com o meio rural, questões financeiras e dificuldades de adaptação no meio urbano.
De volta ao interior
Um dos jovens que deixou o meio rural em busca de oportunidades na cidade foi é Tiago Flach, de 27 anos. Mas há três anos ele percebeu que as verdadeiras oportunidades estavam no interior, junto à propriedade da família e decidiu voltar para casa. O jovem proprietário de uma agroindústria de cachaça em Poço das Antas conta que está feliz com a decisão. Ele havia se mudado para Caxias do Sul, onde se formou em Administração pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Estava empregado, mas se deu conta de que não era bem o que queria. “Sentia saudades tanto de estar com a família quanto de botar a mão na massa na roça”, explica Tiago que nesse ano estreiou como expositor na Expointer, no Pavilhão da Agricultura Familiar.
O desejo ganhou mais força quando ele conheceu o atual sócio, que também queria retornar para casa. Juntos, procuraram a Emater e decidiram abrir o próprio negócio. “A gente tinha o apoio da família, mas precisava de orientação técnica e jurídica. Graças a Deus, deu tudo certo. Eu vou dormir bem cansado, mas hoje sou um cara muito feliz”, resume com um sorriso.
Aposta na agricultura e no aperfeiçoamento
Na contramão das estatísticas, está o jovem agricultor Maicon Boeri, de 29 anos, morador da Capela Nossa Senhora dos Navegantes, em Cotiporã (RS). Ao lado dos pais, Osmar Boeri e Ivani Nicolau Boeri, ele conduz a propriedade da família, onde cultiva cerca de 3,3 hectares de uvas, o que rende uma produção média anual de 90 toneladas, a qual é vendida in natura e destinada à elaboração de suco. A família também mantém um pequeno alambique, onde é feita a produção artesanal de cachaça e de conhaque.
O jovem acredita no crescimento da agricultura e por isso quis permanecer na colônia. “Estamos inseridos na Serra Gaúcha, uma região rica e com um potencial grandioso de desenvolvimento e de crescimento em todas as áreas, sendo que a agricultura tem uma grande parcela nisso. Por isso, vejo a permanência dos jovens no campo com bons olhos. Temos a capacidade de produzir alimento, mas para termos êxito devemos sair da nossa zona de conforto e buscar novas alternativas de fonte de renda, novas tecnologias e qualificação. Além disso, a qualidade de vida que se tem no interior está crescendo também e não há nada melhor que o ambiente de tranquilidade que a gente tem no interior. Isso é gratificante”, pondera.
Mas Maicon foi além e decidiu investir em aperfeiçoamento, de olho no futuro. Hoje, cursa o curso de Tecnologia em Horticultura, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves. A formatura deve ocorrer em 2020 e o jovem já faz planos de diversificar a propriedade, buscando outras fontes de renda e agregando valor com o cultivo protegido. “Saí da minha zona de conforto e resolvi estudar. Além de ser um sonho, desde os tempos em que cursava o ensino médio, vejo no conhecimento uma forma de nos capacitarmos na nossa área. Toda a empresa, nos mais variados setores, possui profissionais qualificados. Nós, dentro da nossa propriedade rural, também somos pequenos empresários e devemos sempre buscar novas informações, fazer cursos, ir a palestras e ter fundamentação teórica sobre a cultura, pois as tecnologias vão avançando e as práticas que eram feitas há 20, 30, 40 anos, hoje já não se aplicam mais”, sugere o jovem que integra o diretório acadêmico do curso.
Sobre o curso
O curso de Tecnologia em Horticultura do IFRS – Bento Gonçalves, surgiu em 2008 com o objetivo de formar profissionais com conhecimento específico na área. O curso tem duração de três anos, mais o estágio, e abrange as áreas de fruticultura, olericultura e floricultura. Além da fundamentação teórica, oferece aulas práticas, com visitas a propriedades rurais que possuem algum diferencial. Conforme Maicon, as aulas são noturnas, o que facilita o acesso dos alunos, pois a maioria é agricultor e atua na área. Para mais informações: www.ifrs.edu.br/bento | comunicacao@bento.ifrs.edu.br | Telefone: (54) 3455-3200.
Tecnologia para driblar a falta de mão de obra
As dificuldades da colheita da uva e a falta de mão de obra especializada fizeram com que os primos Marcos Juninho Salton, 36 anos, da Capela São Roque, em Cotiporã, e Joemir Salton, 36 anos, de Faria Lemos, em Bento Gonçalves, se unissem em busca de uma alternativa para tornar o trabalho nas propriedades das famílias menos penoso e mais rápido. Depois de muita pesquisa, há cerca de cinco anos os primos desenvolveram uma roçadeira de linha para fazer a roçada do parreiral. Com o uso, diversos ajustes foram necessários até que a máquina funcionasse ‘a pleno vapor’. “Foi quase um ano de trabalho até conseguirmos acertar”, conta o jovem criativo. Conforme Marcos é possível roçar até três hectares por dia com a roçadeira.
Tempos depois os primos desenvolveram uma colheitadeira mecanizada de uva para uso em parreirais latados. “Também trabalhamos muito nessa máquina, mas conseguimos fazer com que funcionasse muito bem. Já tem três anos que a utilizamos e hoje produzimos com mão de obra própria do início até a colheita, sem contratar gente de fora. Sem contar que ficou muito mais fácil trabalhar”, comemora.
A colheitadeira mecanizada colhe em torno de três toneladas por hora, podendo colher um hectare por dia com apenas três pessoas trabalhando. “Seriam necessárias 20 pessoas para colher a mesma quantidade manualmente”, lembra o viticultor.
Marcos e o pai, Osmar Salton, cultivam aproximadamente oito hectares de videiras, dos quais 2,5 são Vitis viníferas (Mertot e Cabernet Sauvignon), com produção em torno de 40 toneladas, e os outros 5,5 são de Americanas (Bordô, Isabel, Cora), produzindo por volta de 170 toneladas. As máquinas são utilizadas nas duas propriedades, em Cotiporã e em Faria Lemos, onde Joemir Salton, o irmão, Joel Salton e o pai, Jorge Salton, cultivam 10 hectares de uva orgânica das variedades Isabel, Bordô, Chintyana e Carmen. O rendimento médio da produção é de 200 toneladas.
Formação técnica rural
Na tentativa de reverter esse quadro e incentivar os mais jovens a permanecerem no meio rural, entidades como a Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola (Agptea) possibilitam uma formação técnica rural. Atualmente, a associação fica no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, atende mais de três mil alunos por ano. Os municípios com maior destaque no treinamento são Carazinho, Bom Progresso, São Gonzaga, São Leopoldo e Caçapava do Sul. Entre as escolas estaduais parceiras ao formar técnicos, estão 26 instituições além de escolas de famílias agrícolas privadas (conhecidas como EFAs). O trabalho inclui a participação de escolas municipais, associações de comunidades rurais e a cooperação com escolas agrotécnicas federais e de universidades.
A necessidade de criar uma conexão entre a educação rural nas escolas do interior e o apoio de políticas estaduais é uma das principais discussões da entidade. “Nossos objetivos centrais eram pleitear com o governo estadual a criação de um órgão específico para fomentar a formação de técnicos qualificados, e, a partir disso, a criação de cursos e a requalificação daqueles profissionais existentes”, explicou o ex-presidente e associado Heitor Tomé da Rosa.
A sede da associação fica no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Mais informações podem ser conferidas na internet ou pelo telefone (51) 3225-5748.
Por: Mirian Spuldaro – mirian@avindima.com.br