Após anos de intensas negociações técnicas e diplomáticas, o Brasil obteve uma importante conquista no Codex Alimentarius, que agora reconhece o suco de uva produzido com Vitis labrusca como parte dos padrões internacionais. A mudança representa um marco para o setor vitivinícola nacional, especialmente para o Rio Grande do Sul, maior produtor de suco de uva do país.
De acordo com a Dra. Fernanda Spinelli, delegada científica brasileira na Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o reconhecimento significa um avanço prático significativo para o setor. “O padrão excluía, em média, 45% do suco de Vitis labrusca produzido no Rio Grande do Sul, uma das maiores regiões produtoras do país. Com a nova emenda, o Brasil passa a ter a produção alinhada aos padrões internacionais de referência, fortalecendo sua competitividade e visibilidade no mercado global. A alteração representa não apenas o reconhecimento das características únicas do suco de uva brasileiro, mas amplia as oportunidades para exportação, visto que atualmente o Brasil exporta suco de uva principalmente para China e Estados Unidos, e estima-se que se possa abrir mercados europeus.”
Essa conquista é especialmente relevante para os produtores do Rio Grande do Sul, que respondem por 90% da produção de suco de uva no Brasil. Dados do Observatório da Vitivinicultura mostram que, em 2023, o estado exportou US$ 11 milhões em sucos de uva, com os Estados Unidos e a China como principais mercados consumidores.
A vitória é resultado de um trabalho conjunto entre diferentes entidades brasileiras. “A demanda iniciou em 2018 na OIV. Em 2022 esta definição passou para etapa 7, a penúltima antes de aprovação final, porém, havia ressalvas, pois, o padrão brasileiro mínimo de sólidos solúveis é 14 °Brix e o padrão internacional do Codex Alimentarius é 16 °Brix. Para evitar desarmonia entre padrões internacionais, e em atendimento ao acordado no âmbito da OIV entre os países membros, o pedido de revisão deste padrão foi endereçado ao Codex Alimentarius por parte da delegação brasileira, composta por representantes de MAPA, MRE, SCRI, INMETRO e ANVISA”, explica a Dra. Spinelli.
Embora o mercado europeu ainda seja desafiador devido a tarifas de importação, a delegação brasileira está focada em aproveitar o trabalho dos adidos agrícolas no exterior para expandir a presença do produto em novos mercados.
A mudança também valoriza os produtores de Vitis labrusca, que predominam no país. “No Brasil, a produção de suco de uva é quase que em sua totalidade com uvas da espécie Vitis labrusca. O grau de maturação interfere no conteúdo de sólidos solúveis expresso em Brix, o qual varia ano a ano devido a questões edafoclimáticas. Estes produtores são de certa forma mais valorizados com esta previsão, e incentiva a produção e exportação dos sucos”, explica a Dra. Spinelli.
Reconhecimento Técnico-Científico Brasileiro
O sucesso da proposta brasileira também destaca o papel do rigor técnico e científico. “Sem dúvidas o embasamento técnico-científico foi crucial para esta conquista, sendo indispensável para as tratativas diplomáticas. No Brasil temos profissionais muito qualificados, sendo extremamente atuantes em fóruns internacionais. É um orgulho fazer parte desse grupo e ter tido o prazer de representá-los nesta demanda”, reforça Spinelli.
Dados coletados entre 2012 e 2024 pela Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul, analisados pelo Laboratório de Referência Enológica (LAREN), embasaram a proposta brasileira e foram essenciais para sua aprovação.
A partir dessa mudança, o Brasil tem a oportunidade de fortalecer sua presença global, não apenas com sucos de uva, mas também com vinhos e espumantes. “O produto continuará o mesmo, pois internamente atendemos a este padrão de identidade e qualidade estabelecido pelo MAPA. Mas é evidente que o valor agregado internacionalmente é maior, visto que além de conquistarmos esta alteração na Norma, apresentamos nossos sucos de uva no Congresso Internacional da Uva e do Vinho, em Dijon, em outubro deste ano. Estando presentes representantes de 17 países, evento que nos permitiu apresentar nosso produto e divulgar as características do mesmo”, finaliza Spinelli.
A alteração no Codex Alimentarius é um marco para a vitivinicultura brasileira, destacando a qualidade e a singularidade do suco de uva nacional. Para os produtores, abre-se um novo capítulo de oportunidades no mercado global, fortalecendo o setor e consolidando o Brasil como referência em produtos vitivinícolas.