O período de maio a agosto é quando se faz a substituição de variedades e/ou o plantio de novas áreas de vinhedos. Em ambos os casos, devemos ter o cuidado, antes de tomar qualquer decisão, de conhecer o que o mercado quer, isto é, o que o comprador da uva deseja e plantarmos ou enxertarmos a cultivar que ele procura. A escolha da casta é um assunto de importância capital: se optarmos por uma variedade pouco produtiva ou que não tenha se adaptado às condições do meio em que estamos operando, ou, ainda, que não tenha colocação no mercado, nosso investimento estará fadado ao insucesso.
Quando falamos em adaptação ao meio, falamos, naturalmente, das condições de solo e clima.
Quanto ao solo, a videira adapta-se a quase todos os tipos, mas os resultados qualitativos e quantitativos são melhores em certos solos. Na escolha do terreno, devemos evitar os solos com argilas pesadas, pouco profundos ou mal drenados. Além disso, as necessidades são diferentes para uvas Vitis vinifera e americanas:
1) Para as uvas Vitis vinifera, a fertilidade não é tão importante como o é a estrutura, que deve favorecer um amplo desenvolvimento radicular. Em solos assim, o desenvolvimento da videira é menos exuberante e as trocas na maturação começam mais cedo e se desenvolvem mais lentamente. Ao completar a maturação, como consequência, o fruto é mais firme e tem aroma e sabor mais rico e agradável;
2) As variedades americanas são geralmente peculiares no que se refere às características de solo que necessitam. Como o sistema radicular não é profundo, quando cultivadas em pé franco requerem um grau mais alto de fertilidade, não toleram concentrações altas de cal e são mais sensíveis aos sais alcalinos. Quando a água é adequada e quando é mantido um bom nível de fertilidade, as castas americanas podem ser cultivadas em solos delgados.
Em relação ao clima, ele afeta todos os aspectos de funcionamento da videira. É, portanto, necessário conhecer as pautas climáticas da região em questão, para poder compreender plenamente a interação solo / videira / vinho.
A videira é cultivada em regiões com os mais diversos climas, desde a zona norte do continente europeu até algumas áreas da faixa equatorial, passando, evidentemente, pelos trópicos. Esta ampla plasticidade climática da espécie não significa, entretanto, que os produtos originados em cada uma destas regiões sejam idênticos no seu valor e qualidade.
Séculos de experiências e pesquisas dos viticultores e enólogos determinaram com precisão o efeito do clima sobre as uvas para vinho. O clima influi na velocidade de variação dos constituintes do fruto durante o seu desenvolvimento e na composição deste ao maturar, principalmente a temperatura.
Outros fatores, como a chuva, a neblina, a umidade relativa do ar e a duração da luz solar também influenciam a qualidade da uva; porém, seus efeitos são muito mais limitados do que o efeito da temperatura, ou seja, o somatório da quantidade de calor. A chuva, a neblina e a umidade relativa do ar tem influência no desenvolvimento de organismos que podem prejudicar seriamente as videiras, como míldio e podridões. Além disso, estes elementos do clima interferem na temperatura, mas nenhum dado mostra que tenham efeito direto no balanço da composição do fruto na maturação.
Outro aspecto importante a observar na reformulação do vinhedo e/ou plantio de um novo é o sistema de sustentação (a arquitetura da planta). Os fatores que determinam a qualidade da uva são numerosos, mas as condições essenciais são legadas ao sistema de condução fisiologicamente correto, que deve permitir, dentro de uma determinada área, a exploração de toda a potencialidade da planta. Neste sentido, é fundamental que a estrutura e a arquitetura do sistema, assim como a distância das plantas ao longo da fila e a carga de gemas, sejam calibradas, de tal modo que possam garantir o bom funcionamento de todo o sistema foliar e permitir fácil manejo.
O sistema de condução pode influenciar na maturação da uva e desenvolvimento dos aromas. Nas uvas brancas o efeito é menor do que nas tintas, provavelmente porque a tinta tem uma relação muito estreita entre a cor / concentração fenólica e a exposição à luz solar, enquanto a alta concentração de compostos fenólicos não é desejada para a produção de vinho branco de qualidade.
Densidade de plantio
Supõe-se que altas densidades de plantio criem plantas pequenas, originando um vinhedo congestionado, que produz, assim, uvas de melhor qualidade. Esta idéia não é unânime entre os pesquisadores e viticultores no mundo todo. Sobre o assunto, muitos consideram que em solos férteis e úmidos as raízes exploram todo o volume de solo que lhes estiver disponível, necessitando, portanto, de espaçamentos maiores. Porém, isto não ocorre em solos pobres, caso em que o plantio pode ser mais adensado.
Portanto, ao escolhermos o espaçamento a ser usado, isto é, a densidade de plantio, devemos considerar alguns parâmetros:
1) A alta densidade de plantio pode reduzir o vigor dos sarmentos onde o solo e o clima normalmente não favorecem o excesso de vigor (solo pobre e clima seco). Nesta situação, forma-se um microclima ideal para a produção de vinho de qualidade;
2) A alta densidade de plantio em regiões que favorecem o vigor (solo fértil, clima úmido)
torna impossível controlar o crescimento dos sarmentos – a consequência é o desenvolvimento excessivo, fechando os espaços ao longo da fila e entre as fileiras, quando usado o sistema de sustentação latada, e criando um microclima desfavorável. Nestas condições, espaçamentos maiores são recomendados e até mesmo um sistema de condução que divida a copa, no caso da sustentação em espaldeira;
3) Em locais onde ocorre estresse hídrico severo, espaçamentos maiores são recomendados, para conservar o suprimento de água.
Ao escolhermos a densidade de plantio, devemos considerar que na região da Serra Gaúcha lidamos com solo de alto teor de matéria orgânica e muita umidade, visto as constantes chuvas. Neste tipo de solo e clima, o vigor das plantas é maior e, portanto, exige espaçamentos maiores, principalmente nas uvas americanas e hibridas, por serem, geralmente, mais vigorosas que as Vitis vinifera.
O espaçamento entre videiras na fileira é determinado pelo tamanho desejado da planta e pelo vigor inerente a cada variedade. Plantios mais adensados aumentam o número de gemas por unidade de área. Isto leva, inicialmente, a uma maior produção, até o ponto em que ocorre um amontoamento de galhos e, consequentemente, sombreamento, para a produção começar a decair, finalmente.
A escolha de mudas (ou gemas, quando for feito enxertia a campo) de boa qualidade e livres de vírus constitui-se em fator básico para o sucesso da cultura, uma vez que a formação inicial da planta se reflete por toda sua vida produtiva. Portanto, aconselha-se sempre adquirir mudas de viveiristas idôneos, para não se correr o risco de introduzir pragas e doenças. Antes de comprar mudas ou colher gemas para a enxertia, é aconselhável pesquisar, para ver qual o viveiro que produz muda de qualidade e que tem controle sobre o material vegetativo (porta-enxertos e gemas). O mesmo procedimento deve ser feito na compra de porta-enxertos enraizados.
Devido à incidência de filoxera e de fungos de solo, devemos evitar o plantio de mudas de pé franco. É aconselhável sempre usar um porta-enxerto, mesmo para as uvas americanas e híbridas. E a escolha do porta-enxerto deve ser muito bem estudada, porque o sucesso do vinhedo e a vida da planta dependem enormemente dele.
Investindo, apesar do momento desfavorável
Uma abordagem com orientações sobre como efetuar corretamente a substituição de cultivares e/ou a ampliação de vinhedos pode ser interpretada, no difícil momento que passa a vitivinicultura brasileira, como um ‘disparate’. Mas não é bem assim não… Apesar do quadro crítico – marcado sobretudo por indefinições quanto ao cumprimento do preço mínimo do produto, estabelecido em R$ 0,46 ao kg da matéria-prima americana ou híbrida com 15 graus glucométricos –, há quem siga acreditando na produção de uva.
Em Flores da Cunha, na Capela São Paulo, os Bordin se constituem em um desses casos. A família informa ter aplicado cerca de R$ 32 mil na implantação de uma área de em torno de um hectare de parreira da americana Bordô – variedade que, ao que consta, não foi alvo de ‘flutuações de preço’ na safra 2008/2009, por conta da grande procura pela cultivar, graças à sua alta carga tintureira. No momento, eles, que recebem orientação do escritório local da Emater-RS em seu investimento, esperam pelas mudas, a ser fornecida por viveiro da região.
Mas não é a eventual colocação – ainda mais assegurada pelo fato de serem associados a uma cooperativa local – o que os Bordin apontam como argumento principal para seu empreendimento. Considerando o terreno e o clima, “a parreira é a melhor alternativa”, conta Zelita, 55 anos, que cuida da produção junto de seu marido, Olinto, 63. E eles sabem bem do que falam: o vinhedo de Bordô foi implantado justamente sobre uma área onde a família cultivava, até o ano passado, caqui. Diante das oscilações de valor em torno dessa fruta, os produtores optaram por ampliar o cultivo de videira – da qual tem outros dois hectares em produção, de Isabel e Couderc 13 – para tentar “continuar tocando” o negócio na colônia. A propósito, os filhos, Mara, de 28 anos, e Marcelo, de 21, já faz um bom tempo que estão trabalhando na cidade.
* Engenheiro agrônomo, consultor técnico em viticultura, conselheiro editorial de A Vindima
Por Antonio Santin* e Giovani Capra
Foto: Livro Solos do Rio Grande do Sul / Giovani Capra e Antonio Santin