Herbicida utilizado no manejo da soja está atingindo videiras que estão definhando pouco a pouco
Nas planícies do Rio Grande do Sul, onde predominam as monoculturas mecanizadas de soja, milho e trigo, o uso de agrotóxicos é intenso. Por lá, centenas de tipos de herbicidas pulverizados nas plantações circulam livremente pelo ar, sendo carregados para longe pelo vento, atingindo outras culturas, entre elas a viticultura. Essa situação está sendo vivenciada por agricultores de Jaguari, uma pequena comunidade com cerca de 11,5 mil habitantes (IBGE), na Região Central do Estado, próxima a Santa Maria.
Recentemente, um grupo de 60 produtores de uvas que integram a Cooperativa Agropecuária São José contatou o jornal A Vindima para relatar a preocupante situação dos vinhedos naquela região.
Ano após ano, eles têm presenciado a extinção dessa cultura centenária na região. Conforme o assistente técnico em viticultura da cooperativa, Alexandre Maia, algumas plantas, especialmente as de pé franco, praticamente não existem mais por lá. Hoje, a área cultivada de parreirais no município chega a 150 hectares, mas esse número vem despencando gradativamente. “A Bordô, por exemplo, quase não existe mais porque ela é uma variedade de pouco vigor, então, nem com porta enxerto não vinga”, relata ele, frisando que a diminuição da produção da variedade chega a 20% por ano.
Segundo Maia, os vilões dessa história são os herbicidas do princípio ativo 2.4D, que são aplicados no pré-plantio de lavouras de soja. “Tínhamos parreiras de vigor excelente, mas desde que passaram a utilizar o 2.4D no manejo da soja, há cerca de quatro anos, temos percebido que as videiras estão definhando pouco a pouco. Da Bordô, chegávamos a colher 30 toneladas por hectare. Hoje, estamos colhendo apenas seis”, relata. Além da Bordô, também são bastante cultivadas na região de Jaguari as variedades Niágara, Goethe, Couderc, Concord, Cabernet Sauvignon e Merlot, sendo que todas estão sendo afetadas pelo 2.4D.
O desânimo é evidente por parte dos agricultores locais, que, aos poucos, estão desistindo da cultura. “Na verdade, ninguém quer mais investir nos parreirais. Além de não plantarem novas mudas, muitos deixaram de investir em manutenção, pois não está mais valendo a pena. A gente não vê perspectiva de mudança, pois não temos ninguém que nos apoie”, desabafa. Para o técnico agrícola, o futuro da vitivinicultura em Jaguari e região está gravemente afetado, caso nenhuma atitude seja tomada. “Se não conseguirmos variedades mais resistentes, acredito que no máximo em oito anos não teremos mais videiras nesta região. No caso da Bordô, o tempo é mais curto, acredito que uns quatro anos”, lamenta o profissional que atua em uma empresa vinícola que tem 84 anos de história.
Maia alerta que a mesma situação já está sendo registrada em outras regiões do Estado que possuem plantações de soja, como na Fronteira, no Alto Uruguai, em Sobradinho, entre outras. “Acredito que a nossa situação, em Jaguari, seja a mais grave, mas já tive relatos de outras localidades”, cita .
Os efeitos do 2.4D nas videiras
A utilização do 2.4D nas lavouras de soja é feita em um período que a videira está em estágio vegetativo. “A partir daí, freia a brotação. As folhas ficam ‘arrepolhadas’, ou seja, o vigor da planta é afetado diretamente. Sendo a videira extremamente sensível ao herbicida, fica mais vulnerável na fase inicial do crescimento dos ramos até o final da floração”. Em geral, plantas novas são mais sensíveis do que as plantas adultas, e podem até ser levadas à morte.
O engenheiro agrônomo Antonio Santin, contratado pela Cooperativa Agropecuária São José para prestar assessoria aos viticultores e ajudar na identificação do problema, o 2.4D age como uma auxina (regulador de crescimento vegetal), mas acumula-se em maiores proporções do que a auxina natural AIA, (ácido indolacético), degradando-se mais vagarosamente. “Uma aplicação de 2.4 D na planta cria um caos no seu processo de crescimento e essa desordem leva a uma divisão celular e crescimento descontrolado, resultando na destruição dos tecidos vasculares”.
O agrônomo explica que a longo prazo, a exposição ao herbicida 2.4D interfere no armazenamento de carboidratos, reduzindo a sua concentração significativamente em plantas danificadas pelo produto. “A redução da quantidade de carboidratos armazenados tem efeitos em longo prazo, influenciando diretamente no vigor das plantas e na produtividade. A qualidade dos frutos também é afetada pela redução da concentração de açúcar. Além disso, o produto pode ser armazenado na videira durante o inverno e sendo posteriormente, no período de brotação do ano seguinte, conduzido para a ponta de crescimento da nova brotação, danificando as folhas e a ponta de crescimento”.
Para a safra de 2016, o município prevê uma quebra de cerca de 60%. A essa redução, soma-se, ainda, as condições climáticas desfavoráveis ocorridas no Estado. Em 2015, foram produzidos cerca de 1,2 milhão de quilos de uva em Jaguari. Contudo, neste ano, a produção não ultrapassará a casa dos 500 mil quilos.
Levado pelo vento
Além da soja, também existem evidências de que o herbicida 2.4D está sendo utilizado para a limpeza dos campos, diversas vezes ao ano. Santin pontua que o maior problema enfrentado no uso do 2.4 D é a deriva do produto em culturas sensíveis, como a videira. Ele explica que existem dois tipos de deriva: do vapor e a aerotransportada. “A deriva do vapor ocorre se um produto volátil, como é o 2.4D, é associado ao arraste pelo vento, principalmente sob condições de alta temperatura e baixa umidade do ar. A deriva aerotransportada ocorre quando o produto se move para fora do alvo durante a aplicação, e isso tem duas causas prováveis: a) condições climáticas desfavoráveis; b) equipamentos em condições inadequadas de uso”.
Embora seja um produto extremamente volátil e agressivo ao meio ambiente, especialmente às plantas de folhas largas, o 2.4D tem sua comercialização e utilização livre no Brasil, sendo que na maior parte do mundo é proibido. Como destaca Santin, existem dois tipos desse aditivo: um que é produzido no Rio Grande do Sul, que, segundo ele, seria menos volátil do que o outro que é produzido no Uruguai e contrabandeado. “Esse é o pior, mas é utilizado por aqui por que é mais barato. Definitivamente, não existe preocupação nenhuma da parte de quem utiliza esse produto com os demais produtores”.
Na opinião do agrônomo, a solução para o problema passa pela conscientização de quem utiliza o produto, para que usem em épocas que não irão prejudicar a viticultura ou, mesmo, para que não o empreguem. Inclusive, em Jaguari já se tentou reunir os produtores de diferentes culturas para explicar como ocorre o ciclo de produção da uva, mas aqueles que deveriam estar presentes, não foram”, lamenta.
Por: Mirian Spuldaro – mirian@avindima.com.br