Psiquiatra alerta para a prevalência de problemas psicológicos entre os agricultores. Fenômeno é relacionado a diversos fatores
A depressão tem se tornado uma doença cada vez mais frequente. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que em torno de 121 milhões de pessoas sofrem desse mal, e que essa já é a quarta principal causa de incapacitação a nível mundial. Conforme a organização, em 2030, esta será a enfermidade com maior predominância no planeta, à frente de câncer e de algumas doenças infecciosas. No Brasil, o sinal de alerta já está aceso. Em torno de 7,6% dos adultos já foram diagnosticados com depressão, o que representa 11 milhões de pessoas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta, por meio da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, que os estados que mais concentram adultos deprimidos ficam no Sul do país. No Rio Grande do Sul, que ocupa o primeiro lugar no ranking, 13,2% das pessoas com 18 anos ou mais já foram diagnosticadas por um profissional de saúde. A segunda posição fica com Santa Catarina, com 12,9%, e Paraná, com 11,7%. A região Norte registra o menor percentual, 3,1%. De acordo com o levantamento, realizado em 2013, a maior parte dos casos foi registrada na área urbana (8%). Na zona rural, 5,6% dos entrevistados já haviam recebido diagnóstico positivo.
O médico psiquiatra Adriano Neujahr Agostini chama atenção para a prevalência dos problemas de ordem psicológica entre a população do meio rural, um número considerado elevado por ele. “Um estudo realizado em Minas Gerais, em 2013, demonstra uma taxa de 22% de ocorrência de depressão entre a população rural avaliada, com maior incidência em mulheres (14% contra 8% em homens) e idosos entre 60 e 70 anos. Em Santa Catarina, outra aferição demonstrou ocorrência de 16,4% e outro, na Espanha, 23,6%. Outra pesquisa, realizada na Serra Gaúcha, em 1999, apontou um índice de 37,5%. São números elevados”, opina.
Causas
É comum ouvirmos pessoas afirmarem que somente quem já teve depressão sabe o quão ruim é a doença. O médico psiquiatra Adriano Neujahr Agostini explica que o transtorno depressivo maior envolve um adoecimento cerebral, no qual ocorre um desequilíbrio entre as substâncias químicas que fazem os neurônios se comunicarem entre si, os neurotransmissores. “Não se conhece ainda as causas deste desequilíbrio. Pensa-se, hoje em dia, que algumas pessoas tenham uma predisposição biológica a este tipo de adoecimento. Associado a isto, temos os fatores ambientais, ou seja, a depressão sempre ocorre durante uma determinada etapa e em um certo contexto de vida da pessoa afetada”. O profissional acrescenta, ainda, que não se sabe se um ou outro fator são suficientes, isoladamente, para desencadear a doença. “A abordagem mais eficaz hoje em dia é aquela que busca avaliar adequadamente e abordar tanto o fator biológico quanto o fator ambiental”, completa.
Fatores como baixa escolaridade, piores condições de vida e trabalho, propriedades de médio porte e com menos tecnologia, contato social reduzido e solidão, em caso de idosos e/ou viúvos, são alguns fatores que, conforme o psiquiatra, estão associados à depressão na população rural. Agostini explica que a incidência da depressão em agricultores também pode estar associada ao uso de agrotóxicos. Conforme ele, alguns estudos associam a ocorrência de intoxicação aguda, principalmente por organofosforados, a episódios de transtornos psiquiátricos. “Existe também alta suspeição, embora ainda sem comprovação, de que a exposição prolongada e em pequena quantidade a agrotóxicos ao longo da vida possa predispor tal população à ocorrência de transtornos mentais, mas ainda são necessárias mais pesquisas”, esclarece.
Agostini comenta que já está documentado, além de ter sido constatado empiricamente nos serviços de atendimento psiquiátrico, o alto índice de tentativas de suicídio por ingesta de agrotóxicos em populações rurais, pela disponibilidade do produto a pessoas já deprimidas e com risco de suicídio. “Tal agravo pode ser evitado retirando-se o produto do alcance de alguém já adoecido e/ou em tratamento”.
Sintomas
Em um passado não tão distante, os sintomas da depressão eram associados à tristeza. Não raras vezes ouvimos os mais antigos contarem que certa pessoa “morreu de tristeza”. Hoje, com a disseminação das informações sobre a doença, os sintomas são mais conhecidos e fáceis de identificar. Conforme Agostini é preciso ficar atento quando se identifica sintomas como perda ou aumento de sono, perda ou aumento do apetite, diminuição da libido, alterações de ânimo, tristeza excessiva e muitas vezes sem motivo, emotividade aumentada, angústia, ansiedade, cansaço, dificuldades de raciocínio e memória, perda de prazer em atividades anteriormente prazerosas, indiferença, descuido com a própria higiene e aparência, podendo chegar até a delírios, alucinações e pensamentos de suicídio. “Em geral, pode-se dizer que alterações de personalidade ou do jeito de ser, são um indicativo de que algo não vai bem e que o auxílio médico deve ser buscado”.
O médico destaca que a partir dos primeiros sinais, um especialista já pode ser procurado. “O clínico geral pode detectar o problema e elaborar um diagnóstico inicial, acompanhar o tratamento e ser a referência do paciente em relação ao serviço de saúde e ao atendimento primário. Porém, o especialista é sempre o profissional mais indicado para a avaliação e elaboração do diagnóstico definitivo, bem como para a prescrição da terapêutica adequada a cada caso e ao acompanhamento de efeitos colaterais que possam surgir ao longo do tempo, uma vez que o tratamento é de longo prazo”, pontua.
Tratamento
A depressão tem cura, conforme o psiquiatra. Ele salienta que se a doença é descoberta em tempo e tratada de forma correta, a chance de remissão completa por períodos longos ou mesmo pela vida toda é eminente. Contudo, recaídas podem ocorrer dentro de um período de seis meses do início do tratamento. “Se os sintomas reaparecem após seis meses desde a remissão, fala-se em recorrência. Quando alguém apresenta sintomas contínuos de depressão por dois anos, a depressão passa a ser considerada crônica ou recorrente. Nestes casos, há indicação para tratamento contínuo. Quem já teve um episódio depressivo na vida tem mais chances de ter um novo episódio, e este risco aumenta com as novas recorrências. Uma das maiores causas de recorrência é não seguir o tratamento ou não tomar a medicação de forma adequada no primeiro episódio. Por isso a importância de seguir corretamente o tratamento prescrito pelo especialista desde o início”, alerta.
Agostini aponta que o tratamento do transtorno depressivo maior pode envolver apenas psicoterapia nos casos leves, e sempre deve envolver terapia medicamentosa nos casos moderados e graves. As medicações utilizadas são os antidepressivos, em longo prazo, e os ansiolíticos e sedativos em curto prazo, para a resolução imediata de alguns sintomas (como a insônia, por exemplo). “O tratamento de longo prazo deve ser mantido pelo período mínimo de doze meses, com retirada gradual (diminuição da dose até a suspensão) a partir de então. Durante o tratamento, o remédio deve ser tomado diariamente e nos horários corretos”, alerta.