A população e o mercado de vinhos aumentaram durante o século XVI, quando a Europa, finalmente, conseguiu se recuperar do desastre demográfico da Peste Negra. A elevação da temperatura também permitiu que se cultivassem uvas em partes do continente onde antes não havia vinhedos devido às condições climáticas desfavoráveis. Por toda a Europa, mais e mais terras passaram a ser aproveitadas para a plantação de uvas e o século XVI foi, de um modo geral, um bom período para a bebida. Mas os cem anos seguintes foram diferentes. As temperaturas caíram, sucessivas guerras destruíram grandes extensões de vinhedos na parte central do continente e mudanças constantes nas alianças políticas contribuíram para devastar o comércio vinícola em regiões importantes, como Bordeaux.
Entretanto, uma das histórias de sucesso foi a da indústria do vinho na Espanha. Depois de um triufante século de conquistas, os árabes chegaram ao Ocidente, mais precisamente a Córdoba, na Espanha. Al-Andaluz (que significa ‘fim da luz’ – a terra ocidental onde o sol se põe) era o ‘paraíso na terra’, com verdes campos, rios, praias e pastagens férteis. Lá, nunca faltou vinho. Todavia, depois que a Reconquista apaziguou o restante da Europa, o plantio de videiras tornou-se prioridade absoluta. Considerava-se o vinho produto essencial para todos, e a produção espanhola cresceu consideravelmente de 1500 a 1700.
Centro de exportação
No século XVI, a vitivinicultura espanhola deu grandes saltos, em parte porque, em 1519, devido a um casamento entre as dinastias, a Espanha se tornou parte do Império Habsburgo. Esta mudança permitiu ao país uma associação com a Holanda, e os espanhóis aproveitaram a oportunidade exportando vinho para os holandeses. Em pouco tempo, a Espanha havia se tornado um importante centro de exportação vinícola e distribuía o vinho da Península Ibérica para outras partes do norte europeu.
Todas as áreas habitadas da Espanha cultivavam vinhedos, com exceção do extremo norte montanhoso, cobiçado por todos os vinhateiros. Lá, Rioja, Navarra, León, o Duero e a Galícia competiam entre si, por esse mercado. O Duero provavelmente produzia o melhor vinho, pois seus principais consumidores eram as cidades mais importantes de Castela: Burgos, Salamanca e a capital Valladolid. As planícies do Duero também produziam safras mínimas, com apenas seis hectolitros por hectare. Elaborava-se ali um vinho muito forte e concentrado, resistente aos ataques das bactérias e capaz de oxidar pouco a pouco em seus barris – qualificado como ‘rancio’, que era, na verdade, um xerez primitivo.
Sucesso
A viticultura espanhola também foi estimulada por um crescimento da demanda doméstica. A expansão da corte real e da burocracia a ela ligada provavelmente contribuiu muito para isto, mas houve também um aumento geral do consumo urbano. Uma prova da importância crescente do vinho naquela região está numa série de leis decretadas por Filipe II, em 1597, para controlar a qualidade da bebida. Ficou proibido misturar vinhos tintos e brancos, bem como usar aditivos prejudiciais à saúde. A lei também limitou o período em que o vinho podia ser levado do interior para Valladolid e passou a exigir uma licença especial para quem produzisse vinho na cidade. As leis tinham por objetivo garantir a qualidade do vinho consumido na corte e evitar a produção de um vinho barato e de má qualidade, que era visto como o grande causador da embriaguez.
Popularidade
Outro importante motivo do sucesso da vitivinicultura da Espanha foi a popularidade que o vinho espanhol adquiriu no mercado inglês. Os espanhóis rapidamente tiraram proveito da perda da Gasconha para a França, em 1453, e do consequente declínio das exportações francesas para a Inglaterra. Os consumidores ingleses desenvolveram um paladar mais favorável aos vinhos adocicados do Mediterrâneo, em detrimento dos secos franceses, e um tipo em particular se tornou moda: o espanhol ‘sack’, doce, percursor do xerez. Especula-se que o nome da bebida venha da palavra espanhola sacar, que indicaria que o vinho era para exportação.
Qualquer que seja a origem do nome, o fato é que o sack/xerez se tornou um sucesso de venda a partir do fim do século XVI e foi imortalizado nas palavras postas na boca de Falstaff por William Shakespeare. Falstaff, companheiro de copo de Henrique IV na juventude, fala sobre xerez-sack e atribui algumas das melhores qualidades do príncipe a seu hábito de tomar o vinho espanhol.
Com o decorrer dos anos, o crescimento interno e o aumento das exportações levaram a uma rápida elevação do preço do vinho espanhol. Na Andaluzia, os preços da bebida aumentaram oito vezes, entre os anos de 1511 e 1559. O resultado foi uma corrida dos agricultores para plantar a uva – e até deixar de lado o plantio de azeitonas, outro importante produto do país – e enriquecer rapidamente com o boom do consumo de vinho. A febre se espalhou tanto que em 1579 começou a haver pedidos ao imperador para que restringisse o plantio, pois terras demais já tinham se convertido em vinhedos.
Porém, outro fator que determinou o crescimento da indústria vinícola espanhola foram as transformações históricas daquele período. A Espanha ficou de fora da Reforma protestante, que resultou na criação de novas igrejas em várias partes da Europa. Com isso, o clero acabou confiscando terras e orientando o consumo da bebida. Não se proibiu o vinho, mas falava-se muito em moderar o consumo. Nascia, assim, um período denominado de ‘A revolução do álcool’.
Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari
Por Danúbia Otobelli
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