Por muito tempo, a principal preocupação de todos os comerciantes de vinho era se livrar o quanto antes do produto, para que ele não se transformasse em vinagre. Isso porque não tardava muito e a bebida ficava azeda, devido às várias bactérias nela presentes, que precisavam de um pouco de oxigênio para multiplicar-se rapidamente. Os vinhos com teor alcoólico mais elevado tinham vantagem, pois isso servia de escudo e impedia que as bactérias se reproduzissem com tanta rapidez. Porém, na época, ignoravam-se esses fatores científicos… Como vimos na edição anterior, os holandeses acabaram lucrando ao explorar, de forma ocasional, a queima de suas mechas de enxofre (que inibia a produção de bactérias) e acrescentarem aguardente à bebida. Mas como um povo sozinho não produz muito, a grande contribuição (e revolução) do século XVII à história do vinho foi o aprimoramento da garrafa e da rolha. Sem elas, o vinho poderia evoluir no tocante à qualidade, porém não à capacidade de envelhecimento. Ninguém sabia, pelo menos a partir dos romanos, que transformações podiam ocorrer em longo prazo com um bom vinho tapado, sem contato com o ar. Isso porque um vinho engarrafado encontra-se no chamado estado redutivo: qualquer alteração reduz a possibilidade de novas mudanças que dependam do uso de oxigênio.
Porém, no século XVI não se sabia nada disso. A garrafa servia apenas para levar o vinho do barril à mesa e variava muito em termos de resistência e requinte, podendo ser de couro, cerâmica ou vidro – um dos materiais mais caros. As garrafas de vidro feitas principalmente na Itália eram muito frágeis, e para resolver esse problema decidiu-se envolvê-las em palha, vime ou couro. Flandres, a França, a Alemanha e a Holanda eram também grandes produtoras de vidro. Foram os holandeses que tiveram a ideia de soprar as garrafas em moldes quadrangulares, para acondicioná-las facilmente nas caixas, sem desperdiçar espaço. No dia a dia usavam-se garrafas de estanho, de lata e até de madeira. As garrafas de vidro estavam fadadas a continuar sendo objetos de luxo e eram feitas apenas para a nobreza.
Entretanto, a demanda aumentou de tal maneira no século XVII que a destruição das florestas para alimentar as fornalhas preocupou o rei inglês Jaime I. Ele declarou: “Questões de superfluidade não podem prevalecer sobre questões de necessidade e defesa, entendendo que nos últimos anos o desperdício de madeira por parte das vidraçarias tem sido excessivamente grande e intolerável. Deve-se retomar a maneira antiga de beber em cerâmica. Portanto, ordenamos estritamente que ninguém fabrique qualquer vidro com madeira dentro de nosso reino”.
Novas garrafas
Mas foi justamente na Inglaterra, em 1630, perto das minas de carvão da floresta Dean, que o alquimista e escritor Kenelm Digby começou a fabricar garrafas muito mais espessas, pesadas, resistentes e escuras – e também mais baratas – que qualquer uma conhecida até então.
Em formato de globo, consistiam numa simples bolha com um pescoço alto e fino terminando num ‘colar’ para prender a tampa. Continham pouco menos de um litro. O fundo apresentava uma profunda concavidade no local onde se prendera a cana do vidreiro, o que as tornava bastante estáveis. Aparentemente, Digby descobriu um modo de aumentar a temperatura de sua fornalha com carvão, usando um túnel de ventilação para fundir uma massa de vidro com mais areia e menos potassa e cal. Os fumos do carvão escureciam o ‘metal’, tornando-o marrom, verde-oliva, escuro ou quase-preto, o que era considerado um sinal de resistência. Com a invenção, Digby ganhou o mérito de pai da moderna garrafa de vidro. Os holandeses passaram a utilizar essa técnica em 1670 e os franceses, em 1709.
Diferentemente das antigas garrafas, que tinham as paredes finas e a base quadrada, as novas variavam em tamanho, pois eram confeccionadas uma a uma. Faziam-se também garrafas maiores e algumas chegavam a ter 30 vezes o volume das de tamanho normal. Também confeccionavam garrafas por encomenda e, neste caso, um selo redondo, feito do mesmo vidro da garrafa, era colocado para ostentar o nome (ou no caso da nobreza, o brasão) do proprietário. Durante a última década do século XVII, as garrafas eram mais curtas e atarracadas; depois, adquiriram um formato arredondado e as laterais se tornaram achatadas, uma tendência que permaneceu até que se descobriu que o vinho se conservava melhor se a garrafa fosse mantida na horizontal. As redondas não podiam ser deitadas com facilidade e se mostravam ainda menos práticas quando enfileiradas. Em meados do século XVIII, garrafas cilíndricas e lisas já estavam sendo fabricadas.
Rolha
Com a descoberta de garrafas mais resistentes, faltava agora equipá-las com a tampa perfeita. E a inovação que tornou possível a armazenagem de vinho em garrafas foi a descoberta de que rolhas de cortiça são eficientes barreiras contra a entrada de ar.
A cortiça com resina já tinha sido usada para lacrar ânforas na Grécia antiga, mas não voltou a ser usada até o século XVII. Nesse ínterim, os tampões para os recipientes eram feitos de couro, madeira e tecido, mas nenhum era eficiente como lacre. As rolhas de vidro esmerilhado eram feitas sob medida, para que se conseguisse fechar o gargalo. Elas permaneceram por muito tempo, mas acabaram sendo abandonadas porque dificilmente se conseguia retirá-las sem quebrar a garrafa.
O surgimento das rolhas de camurça significou um importante passo na conservação do vinho, pois sua flexibilidade e sua tendência a se expandir quando molhada tornaram-na eficaz contra a entrada de ar. No início, a eficácia das novas rolhas foi colocada em dúvida. Isto porque as pessoas não as inseriam completamente na boca das garrafas – e, se o fizessem, não conseguiam retirá-las. A invenção do saca-rolha (chamado inicialmente de saca-garrafas) solucionou esse problema.
No entanto, a fabricação da rolha tinha uma desvantagem: a dificuldade da oferta. As árvores cujas cascas são usadas na fabricação das rolhas de cortiça crescem sob determinadas condições climáticas e estão concentradas na Espanha e Portugal, além de outras regiões do Mediterrâneo. Na época, isso significava que se um país desejasse guardar vinhos em garrafas precisava manter relações comerciais com Portugal e Espanha. O Tratado de Methuen, de 1703, garantiu não apenas o fornecimento de Vinho do Porto para a Inglaterra, mas também acesso às rolhas de que necessitavam.
O aprimoramento das garrafas e das rolhas tornou possível o surgimento de um estilo de vinho muito distinto, diferente e ‘estrelado’ no século XVII: o espumante.
Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.
Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação