História do Vinho – Parte XXVI

Um começo difícil no Novo Mundo

 Época da vindima no Château Tahbilk, na região de Victoria, durante a década de 1880.
Época da vindima no Château Tahbilk, na região de Victoria, durante a década de 1880.

A costa da Península do Cabo York na Austrália foi vista pela primeira vez em 1606, mas somente 200 anos depois uma casta de videira foi plantada em seu solo. Para tornarem-se atualmente o quarto maior exportador da bebida, os vinhos australianos tiveram que batalhar muito. No Novo Mundo, a vinicultura não tinha causado nenhum impacto até o século XVIII, foi somente nas primeiras décadas do século XX que as bases para o que seria uma das regiões produtores mais influentes do mundo surgisse. O início, como em quase todas as regiões vinícolas, não foi muito promissor. Por muito tempo, as tentativas de se plantar uvas foram todas malsucedidas, e o pouco do vinho que se produzia era de péssima qualidade. Para reverter essa história, em 1801, dois franceses foram enviados à Austrália para cuidar de vinhedos, localizados próximos a Sydnei. Eles plantaram 12 mil videiras e em 1803 elaboraram seu primeiro vinho. Mas, esse foi considerado tão ruim que o governo da colônia conclui que aqueles dois franceses não entendiam nada de vinho. E foi justamente por causa do episódio e devido aos fracassos anteriores que o primeiro jornal de Sydnei publicou, em 1803, um artigo dando conselhos sobre o plantio de uvas e a fabricação de vinhos. A ironia é que os australianos tinham tão pouco conhecimento que não se deram conta que o artigo (originalmente publicado na Europa) dava dicas que nada tinham a ver com o clima da região, já que as estações do Hemisfério Norte e do Hemisfério Sul são diferentes.

 

Pai dos Vinhos
Em 1816, a vinicultura australiana foi estimulada pela chegada de James Busby, considerado o pai dos vinhos australianos. Ele era um amante da bebida e havia percorrido toda a França (para conhecer as técnicas e os métodos), antes de partir para a Austrália e decidir desenvolver a viticultura por lá. Em 1831, ele plantou 362 varietais diferentes no Jardim Botânico de Sydnei. Busby ainda difundiu seu conhecimento num trabalho publicado em 1833 e foi mais longe na sua ideia de alavancar a bebida da região. Levou dez galões de vinhos australianos para serem servidos num jantar na Inglaterra. A experiência mostrou que os vinhos suportavam bem o transporte e que os ingleses os tinham achados parecidos com os de borgonha. Para qualquer vinicultor australiano que almejava comercializar seus vinhos na Europa a notícia era maravilhosa.

 

Busby ajudou a estabelecer as bases da viticultura em New South Whales e na década de 1830 vários vinhedos haviam sido plantados em torno de Sydnei e Hunter Valley. Logo, a viticultura se fixou como uma cultura agrícola (embora de pouca importância). Em 1850, havia mais de mil acres de vinhedos plantados e alguns produtores já elaboravam mais sete mil litros. Mesmo assim, a fabricação de vinhos ainda era considerada uma indústria marginal. O vinho era caro em comparação com as outras bebidas alcoólicas e a colônia não tinha um público apreciador. O Rum, o gim, o conhaque e a cerveja faziam muito mais sucesso.

 

Aval europeu
Com o tempo, outras colônias foram surgindo e os vinhedos foram logo plantados. A Tasmânia foi uma delas, que somente se desenvolveu nas últimas décadas do século XX. Em Victoria, o plantio foi mais eficiente com 150 acres de uvas em 1850. Em South Australia, as coisas foram mais rápidas e em apenas alguns meses foi plantado o primeiro vinhedo comercial. Há controvérsias em torno de quem realmente fez o primeiro vinho australiano, mas quem exportou pela primeira vez foi Walter Duffield, que enviou uma caixa de seu Echunga Hock para a rainha Victoria em 1845.

 

O grande objetivo dos australianos era divulgar seus vinhos na Europa, já que havia uma falta de interesse por seus produtos em casa. Com o aval dos especialistas do velho mundo o vinho deveria progredir. Mas, não foi bem assim. Os comentários dos ingleses apontavam que os vinhos “eram um tanto ácidos e secos e que deveriam ficarem guardados por mais tempo antes de serem consumidos”.

 

Os vinicultores australianos tiveram mais sucesso em Paris. Embora, tenham lutado muito contra o preconceito de que apenas os europeus sabiam fazer vinhos com excelência. Na Exposição de Viena, em 1873, os jurados franceses, durante uma degustação às cegas, elogiaram os vinhos de Victoria, mas retiraram os elogios depois de saberem a procedência, alegando que vinhos tão bons só podiam ser franceses. Na Exposição de Bordeuax, vários vinhos de Hunter Valley ganharam medalhas de ouro, mas nenhum elogio, apenas que precisavam ser melhorados. Mesmo assim, os vinhos continuavam a ganhar medalhas. Naquela época, os vinicultores da Austrália não só aceitavam que os vinhos franceses eram melhores que os deles (muitas vezes não sendo), como acreditavam que o objetivo dos produtores era elaborar um vinho no mesmo estilo. Tinham tanto descrédito na sua bebida que não se davam nem ao trabalho de criar novos nomes para seus vinhos, chamando-os simplesmente de “borgonha”, “bordeaux”, “reno” e “xerez”. Somente muitos anos depois, o vinho do Novo Mundo começou a ser aceito em seu estilo próprio e levou mais tempo ainda para que os nomes europeus fossem abandonados.

 

Volta por cima
Em 1880, a produção vinícola australiana elevou-se. Havia mais de cem vinícolas na região e muitas delas produziam quase meio milhão de litros de vinho por ano. A indústria começou a se organizar e uma associação de de viticultores foi criada. A organização permitiu que os vinicultores trocassem informações e fizessem exposições. Chegou-se ao consenso de que as uvas Syrah e Semillon eram as mais adequadas à região.

 

As técnicas de elaboração evoluíram e o que antes eram feito “a facão”, ganhou ares mais requintados, inclusive com barris importados dos Estados Unidos. Os viticultores também conseguiram outra façanha: disseminar o hábito de beber vinho entre os australianos, o que aumentou o mercado e a venda interna. Em 1895, cerca de 4 milhões de litros de vinho foram produzidos na colônia e a maior parte deste total foi consumida lá mesmo.

 

Em 1900, os vinhedos australianos produziam 12 milhões de litros de vinho por ano e a indústria prosperava anualmente. No entanto, quando os estados se juntaram numa federação para formar a Austrália, os impostos entre eles foram eliminados e muitas das pequenas vinícolas foram vendidas para grandes empresas. Outras sobreviveram, mas nos primeiros anos do século XX, a maioria das empresas pioneiras de vinhos não existiam mais.

 

O início difícil, a competição com os vinhos europeus e o próprio descrédito sobre o seu vinho retardou por um século e meio o desenvolvimento vinícola da Austrália. Entretanto, a partir do século XX, os vinhos do Novo Mundo deslancharam e com o pontapé inicial dado pelos australianos, a América plantou e desenvolveu as suas vinhas.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação

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