História do Vinho – Parte XXVII

Uvas importadas e ajuda estrangeira no desenvolvimento da América

 

Pintura do Napa Valley por volta de 1881.
Pintura do Napa Valley por volta de 1881.

A América surge pela primeira vez na nossa história por volta do século XVI e com um papel importante. Seus colonizadores logo foram incubidos de plantar uvas nas novas terras. A pergunta que se faz é: por quê? Já que a Europa estava tão abastecida da bebida?. Uns dizem que o principal motivo era a necessidade da Igreja Católica – que criava missões onde quer que houvesse a presença espanhola – de dispor de vinhos para a comunhão. Outra razão, não ligada à religião, era expandir a viticultura na América. Como o vinho fazia parte da alimentação dos europeus – e os colonos queriam reproduzir o mais fielmente possível a cultura espanhola no novo mundo – e o transporte da bebida tornava-se muito caro (e muitos barris acabavam estragando no caminho), a saída foi introduzir uvas.

 

Na América do Sul, as regiões que se sobressaíram como produtoras de vinho foram o Chile e a Argentina. A produção chilena desenvolveu-se primeiramente no norte e mais tarde na área central. Além do vinho de mesa, produzia também um vinho doce de sobremesa. Já a Argentina evoluiu lentamente, em parte por restrições políticas impostas pela Espanha, que também obrigou o México a arrancar suas videiras. Por razões semelhantes não se produziu vinho no Brasil durante o período colonial. O Peru chegou a ter um crescimento industrial, entretanto decaiu depois de uma epidemia de filoxera.

 

Costa oeste
Somente no século XVIII, a viticultura se estendeu para a América do Norte, e assim como na América do Sul, acompanhou os missionários jesuítas, mesmo que mais tarde se abrisse aos proprietários leigos. A determinação dos jesuítas de produzir vinhos foi exaustiva. Embora as condições climáticas fossem favoráveis, as uvas nativas e a fabricação eram difíceis. Havia videiras silvestres em todo o continente e muitos colonizadores se impressionaram com a abundância dessa uvas (a maioria da espécie muscadínea) e se conveceram de que elas produziam um bom vinho. Ledo engano. As uvas produziam um vinho quase intragável e a solução foi importar castas, como a Zinfandel – tinta que desempenhou na Califórnia um papel muito semelhante ao da Shiraz na Austrália.

 

Segundo uma versão, não totalmente fidedigna, o primeiro vinho feito nos Estados Unidos foi fabricado na Flórida pelos huguenotes. Entretanto, eles logo foram expulsos pelos espanhóis. Em 1568, os espanhóis se fixaram no que hoje é a Carolina do Norte e plantaram um vinhedo com viníferas importadas da Europa. Os colonizadores ingleses não ficaram para trás. Na Virgínia, tentaram produzir um vinho com uvas nativas. Com a constante pressão vinda da Inglaterra, estabeleceram que cada família deveria manter dez videiras anualmente e aprender a arte da viticultura. Para ajudar foram enviados vinicultores franceses e alemães. Em 1622, as famílias receberam, a mando do rei, um manual sobre elaboração do vinho. Dois anos depois, foram aprovadas leis que tornaram obrigatória a viticultura na Virgínia.
Um caso curioso é que o próprio presidente Thomas Jefferson, grande apreciador da bebida, chegou a plantar uvas em sua propriedade. Defensor da nativa Scuppernon, Jefferson contratou um especialista para produzir um bom vinho com a varietal. Nunca chegou a alcançar o feito.

 

Tais recursos eram utilizados porque os ingleses esperavam obter o mesmo sucesso que os espanhóis tinham conseguido na América Latina. Mas estas pretensões foram frustradas. As condições ambientais eram inóspitas para videiras importadas e as uvas nativas não eram favoráveis à fabricação de vinho. Embora algumas produções nessa área tenham dado certo por alguns anos, com o passar do tempo as tentativas de produzir vinho fracassaram. Os esforços na Carolina do Norte e do Sul, onde as uvas nativas eram abundantes, também foram em vão. E o sonho de criar uma indústria vinícola na costa oeste morreu lentamente.

 

Califórnia
Entretanto, se a costa oeste não conseguiu, a leste foi longe. A viticultura só alcançou a região ao norte de São Francisco na década de 1820. Na Califórnia, a fabricação de vinhos estava essencialmente ligada às missões religiosas, mas como elas produziam muito mais vinho do que necessitavam, parte da produção acabava sendo vendida no mercado local. Em 1833, essa indústria iniciante foi ameaçada pelo governo mexicano, que decidiu secularizar os vinhedos. Em protesto, os jesuítas arrancaram a maior parte das videiras. Os vinhedos que sobreviveram ficaram anos em abandono até que o vinho das missões desapareceu por completo. A produção vinícola, no entanto, continuou existindo, pois alguns vinhedos pertencentes a leigos já estavam produzindo. A primeira vinícola a operar comercialmente foi fundada por um imigrante francês e dizia-se que muitos vinhos da região envelheciam no estilo do madeira, fazendo-os viajar até Boston e voltar.

 

O boom do vinho californiano ocorreu em 1850, quando começaram a surgir vinhedos nos vales dos rios Sonoma e Napa Valley. O impulso para o desenvolvimento da viticultura nestas regiões foi dado pela descoberta de ouro, que fez aumentar a população de 14 mil pessoas em 1848 para 224 mil em 1852. A ‘corrida do ouro’ foi logo seguida por uma ‘corrida da uva’, quando muitos exploradores, em cujas propriedades não havia mais ouro, começaram a plantar vinhedos. Em pouco tempo, os vales de San Francisco estavam produzindo um volume considerável de vinho e plantando vários tipos de uvas europeias. Mesmo assim, o vinho não era um produto excelente naquela época. As avaliações apontavam que a bebida precisava melhorar e muito. Em 1861, foi formada uma comissão para examinar as formas de qualificar a bebida. Um dos integrantes era o húngaro Agoston Haraszthy, considerado por muitos como o pai da indústria vinícola californiana. Empreendedor, possuia 14 mil videiras e teve muitos vinhos premiados. Adquiriu grande fama e chegou a levar o título de introdutor da uva Zinfandel na região. Hoje, sabe-se que a casta já existia antes de sua chegada.]

 

Consolidação
Com a aproximação do fim do século, a Califórnia passou a produzir uma quantidade cada vez maior de vinho. Chegou a haver uma revitalização dos vinhedos em torno de Los Angeles, quando os investidores acharam que poderiam lucrar com a epidemia de filoxera, que quase obrigou a Europa a importar vinhos. Mas, essa esperança teve vida curta, pois as uvas do sul da Califórnia também foram afetadas por doenças que terminaram por arruinar várias iniciativas. Ao invés de cultivar uvas para o vinho, muitos produtores optaram por cultivá-la para fabricação de uva-passa. Na virada do século, a indústria vinícola da Califórnia já tinha se consolidado, mas estava em grande parte nas mãos de pequenos proprietários (o que mudou com os anos e o qual veremos nos próximos capítulos). O estado produziu 10 milhões de galões de vinho em 1880; 18 milhões em 1886; 44 milhões em 1902; e 45 milhões em 1910. A maior parte era consumida ali mesmo.

 

E se as vinícolas do Novo Mundo enfrentavam problemas de todos os tipos e precisaram descobrir como produzir vinho, a França, bem mais escolada, passou a vivenciar a ‘idade do ouro’, com os vinhos de Bordeaux e Borgonha atingindo o auge.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação

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