História do Vinho – Parte XXXI

Vinho e política se entrelaçam na Itália

 O herói Giuseppe Garibaldi contribuiu para o ‘risorgimento’ do vinho italiano.
O herói Giuseppe Garibaldi contribuiu para o ‘risorgimento’ do vinho italiano.

O vinho é uma bebida fundamental para a identidade da Itália, mais ainda do que na França. Na Antiguidade, os gregos deram a península o nome de Terra do Vinho. Em solo italiano não há sequer uma única província hostil à videira e quando a Itália se tornou uma nação unificada, no século XIX, foram os proprietários, juntamente com os políticos do país, que promoveram Il Risorgimento – movimento que buscou entre 1815 e 1870 unificar o país, que era uma coleção de pequenos estados submetidos a potências estrangeiras. Com o Risorgimento, o vinho e a política se entrelaçaram na Itália oitocentista. Porém, antes disso, eles precisaram enfrentar dois inimigos mortais: o oídio e os austríacos.

 

Mal visto
No começo do século XIX o vinho italiano era assim tratado pela imprensa: “A Itália possui um solo famoso pela fertilidade. Poderíamos jurar que essa terra produz os melhores vinhos da Europa; todavia, os italianos nunca tentaram aproveitar ao máximo tais vantagens. Os vinhos deterioram-se com rapidez, possuem má qualidade e também péssima vinificação”. O problema vinícola não estava na fragmentação do país, mas na facilidade em prover a própria subsistência, que mantinha parada no tempo a velha terra de videiras. O mau governo e a exploração atroz também fizeram sua parte. A situação geográfica também não ajudava: a Itália está rodeada de países vinícolas. Por isso, os vinhateiros não tinham aonde vender seus vinhos. Nápoles e Roma eram as únicas cidades grandes e careciam de uma classe média numerosa e com poder. Ao contrário de Portugal e Espanha que haviam se organizado em função das necessidades da Europa setentrional, a Itália mantinha laços comerciais com as vizinhas França e Áustria, as quais produziam mais vinhos que ela.

 

No passado, a Itália chegara a ser exportadora de vinho. No século XIV, Veneza fora um dos centros do comércio vinícola mundial, produzindo vinho à moda grega. Mas, os tempos mudaram e a própria Itália concordava que seus vinhos se dividiam em duas categorias: aqueles cujas videiras eram cultivadas em árvores e aqueles cultivados em tachões. Esses últimos resultavam em vinhos fortes e doces. Às vésperas de sua independência, o país só exportava esses vinhos doces. Variedades não lhe faltavam, pois havia milhares de espécies locais de videiras. Mas, raramente, se vinificavam essas uvas com algum cuidado ou conhecimento. Em meio a essa turbulência, dois estados soberanos representavam a esperança da Itália: as regiões da Toscana e do Piemonte. Foi na Toscana que se iniciou a reforma. Famílias locais passaram a modernizar seus vinhedos, entretanto enfrentaram problemas com os camponeses. Muito conservadores e acostumados com o sistema de parceria viram na reforma uma espécie de conspiração contra eles. Mesmo assim, as famílias produtoras passaram a estudar todas as formas possíveis de cultivar videiras, conheceram a França e importaram incontáveis variedades. No Piemonte, os produtores também começavam a levar a produção vinícola mais a sério.

 

Unificação
Nesse processo todo, foram as tarifas alfandegárias que protagonizaram reviravoltas na Itália oitocentista. Em 1833, o governo austríaco reduzira as tarifas sobre os vinhos piemonteses. Entretanto, em 1846, sob pressão dos vinhateiros, sobretudo dos húngaros, a Áustria dobrou a tarifa e acabou com o mercado exportador do Piemonte. No ano seguinte, surgiu o Risorgimento, jornal fundado pelo conde Camillo Cavour e que deu origem ao nome do movimento. Dois anos depois, o Piemonte entrou sozinho na guerra contra a Áustria e perdeu. Enquanto isso, Giuseppe Garibaldi fundara uma efêmera República Romana e tornara-se herói nacional. Os problemas se multiplicavam, e Cavour, agora primeiro-ministro em Turim, viu-se obrigado a pedir socorro à França. Napoleão III seria seu aliado na luta contra a Áustria, e a ciência vinícola dos franceses o ajudaria a combater o oídio, que dizimava as vinhas do Piemonte. Sabia-se que a sulfuração permitia controlar as pragas, como Bordeaux demonstrara, mas quem conseguiria convencer os camponeses a adotar esse tratamento em suas vinhas? Somente um herói nacional e local chamado Garibaldi poderia fazer. Em 1850, quando apenas os viticultores que recorreram à sulfuração tinham uvas para colher, o prestígio de Garibaldi atingiu o auge.

 

A política ajudou a fortalecer o vinho italiano. Foram construídas estradas e ferrovias, a indústria se desenvolveu e o sistema financeiro foi aprimorado. O auge do Risorgimento teve lugar em 1860. O vinhateiro Ricasoli tornou-se praticamente o ditador da Toscana e estava decidido a promover a unificação junto com Cavour. Em maio, Garibaldi zarpou de Gênova com seus mil camisas vermelhas e rumou para a Sicília. Em junho, apoderou-se da Sicília e em setembro de Nápoles. Assim, a metade meridional da Itália foi unida ao reino da Sardenha. O Risorgimento alcançou seu objetivo com a conquista de Veneza e dos Estados Pontifícios.

 

Novos vinhos
A unificação da Itália naturalmente não implicava concordância de opiniões a respeito do vinho italiano. O Chianti teve seu momento de glória na década de 1860, antes da queda de Roma e com Florença como capital, começou-se a valorizar mais os cafezais do que os vinhedos. O período coincidia justamente com a Idade do Ouro da Borgonha e de Bordeaux.

 

Entretanto, o Piemonte estava disposto a conquistar espaço e se tornou a primeira província a utilizar de maneira criativa os ensinamentos da nova ciência: a enologia. Durante o Risorgimento, a região reinventou seus vinhos. Em vez de tentar aperfeiçoar uma velha fórmula, recorreu-se à experiência profissional dos franceses. O motivo estava na má vinificação dos vinhos piemonteses: a fermentação parava antes de chegar ao fim, deixando o vinho doce e muito instável. Para resolver o problema, bastava utilizar uvas maduras e adega limpa. Foi durante a década de 1850 que surgiu o vinho hoje conhecido como Barolo: escuro, robusto, seco e estável, com um potencial de envelhecimento praticamente ilimitado.

 

Seguindo o exemplo de Barolo, os distritos italianos começaram a produzir vinhos robustos, escuros, tânicos e excelentes. Uvas menores – como as Barbera, Dolcetto e Grignolino – resultaram em tintos secos e notáveis. Apesar do caos reinante em seus vinhedos (e em toda a Itália), o Piemonte desenvolveu um tipo diferente de vinho para cada uma de suas numerosas variedades de uva. Ele foi o pioneiro em denominar os vinhos de acordo com o nome das uvas. Foi também o responsável pelo doce Moscato Spumante, que passou a ser exportado para o mundo todo.

 

Com Piemonte a frente, outras regiões italianas passaram a produzir vinhos, geralmente fortes, escuros e com elevado teor alcoólico. Esses vinhos eram tão escuros que costumava-se misturá-los com outros produtos. Mas, os vinhos franceses passaram a dominar cada vez mais e a qualidade dos vinhos cultivados no Norte da Itália decaiu (uma consequência imprevista no Risorgimento). Não ocorreu aos precursores que as velhas regiões vinícolas enfrentariam uma grande invasão de vinhos para mistura procedentes do Sul, que estava livre de impostos, possuía vinhos baratos e extremamente fortes. Se a Itália vivia sua fase de Risorgimento, os países hispânicos também entraram na onda.

 

Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.

 

Mapa da península itálica.
Mapa da península itálica.

 

Por Danúbia Otobelli
Foto: Divulgação

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