O promissor desenvolvimento da Califórnia
No Novo Mundo, em especial nos Estados Unidos, a vinicultura tinha se deparado com muitos problemas. Vinhos ruins, cepas não apropriadas, Depressão, Grande Guerra e Lei Seca foram alguns dos problemas enfrentados. Quando tudo passou, por volta de 1940, os vinhedos precisaram ser replantados, os equipamentos estavam imprestáveis e a maioria da população não tinha experiência ou havia esquecido como se produzia vinho. Foi nesse clima de insegurança e desânimo que um imigrante russo chamado André Tchelistcheff desembarcou no vale do Napa, na Califórnia, contratado por Georges de Latour, proprietário de uma pequena empresa que sobreviveu à Lei Seca graças a uma autorização para produzir vinho sacramental. Ao chegar em terras americanas ficou impressionado com o espantoso primitivismo dos métodos locais. Os americanos despejavam enxofre nas uvas recém-colhidas até praticamente descolori-las, os laboratórios eram rudimentares e quando o calor da cuba de fermentação aumentava a ponto de se tornar perigoso a única solução consistia em abrandá-lo com grandes blocos de gelo. Além disso, a desconfiança era plena e nenhum vinhateiro sequer sonhava em mostrar ao vizinho como fabricava seu produto. Dessa forma, a vinicultura era um caos. Bem diferente de trinta anos antes, quando os vinhos do Napa haviam recebido prêmios na Europa. Não havia mais mercado para o vinho californiano, nem equipamentos para fabricá-lo. Os americanos desprezavam sua própria bebida e foi preciso muita força de vontade e pesquisa para que os vinhos da Califórnia conseguissem reconhecimento. Entretanto, essa história foi revertida em menos tempo do que se esperava.
Tempo de mudanças
As primeiras providências foram em relação ao clima. A temperatura era um fator básico e determinante e logo os americanos encontraram meios econômicos de controlar a temperatura da fermentação sem recorrer a blocos de gelo. Estabeleceram os princípios da ‘soma de calor’, que corresponde ao total das temperaturas médias diárias do período de crescimento. Em seguida veio a ‘organização dos vinhedos’. O russo Tchelisteheff ficou horrorizado ao constatar que nos mesmos vinhedos se cultivavam cepas diversas para todo o tipo de vinho. O jovem havia se formado na França onde só se falava de appellations (diversas leis criadas para determinar e controlar as características das uvas e dos vinhos) e, portanto, parecia uma blasfêmia plantar Riesling ao lado de Zinfandel.
A partir dessas ‘reformas’, no início dos anos de 1950, um grande número de vinhateiros decidiu investir na busca da qualidade. Algumas propriedades haviam realizado experiências promissoras e sabiam muito bem como fazer vinhos. O Cabernet Sauvignon e a Riesling se destacavam. Mas eram vinhos tipicamente californianos, muito difíceis de confundi-los com os franceses. Aliás, era isso que os vinicultores almejavam: vinhos com carvalho americano, irresistíveis, mais ou menos tânicos, bons para serem tomados jovens e nunca feitos à imagem de um Château. A Califórnia, inclusive, se recusou a colocar em seus materiais de divulgação a palavra premium (tão comum na Europa) para seus vinhos, justificando que a designação de um vinho como premium indicava que os outros não eram.
Prosperidade
Nos anos de 1960 a recente história do vinho californiano começou prosperamente a modificar. Uma moderna e radical ideia surgiu em muitos lugares: a de que o “vinho não era uma esotérica relíquia do passado em vias de extinção até na Europa e tampouco um meio barato de chegar à embriaguez, mas uma fascinante expressão da terra, capaz de proporcionar prazer a todos”. Foram criadas associações e difundiu-se o termo boutique winery. As empresas menores começaram a conquistar uma fatia maior do mercado e em pouco tempo tornaram-se grandes empreendimentos, sem perder a qualidade de seus vinhos. Em 1970, a Califórnia contava com 220 estabelecimentos; em 1980 eram mais de 500. Nesse mesmo ano, pela primeira vez em sua história, os Estados Unidos consumiram mais vinho que destilados. Na década seguinte existiam plantações de uvas para produção de vinho em todo o país, e em 2000 apenas dois estados não tinham vinhedos comerciais. Muitos desses distritos tinham se adaptado a um tipo de uva, por exemplo: Oregon tinha a Pinot Noir e o Napa Valley a Zinfandel.
Entretanto, a prova irrefutável do pontencial dos Estados Unidos, mas especificamente do Napa Valley, foi a criação, em 1966, da empresa de Robert Mondavi. Seu edifício revivia o espírito das missões religiosas (as quais como vimos anteriormente nessa história levaram o vinho aos Estados Unidos) e possuía uma tecnologia de ponta. Constituía num desafio aos concorrentes. Além disso, Mondavi não só comprou centenas de barris fabricados na França, como experimentou todas as combinações possíveis de diferentes tipos de carvalhos e tanoeiros. Sempre disposto a realizar experiências e promover discussões, acabou impondo seu exemplo à Califórnia. Em 1990, Mondavi realizou uma parceria com o barão francês Philippe de Rothschild na fabricação do multiconhecido vinho Opus One.
O julgamento de Paris
Todo o empenho americano foi comprovado em 1976. Foi quando a Califórnia mostrou a que veio. O inglês Steven Spurrier, negociantes de vinhos, organizou em Paris uma degustação às cegas que marcou época e ficou conhecida como ‘O Julgamento de Paris’ (inclusive com livro e filme homônimos). Spurrier reuniu alguns dos mais respeitados vinhateiros de Bordeaux e Borgonha, ilustres personalidades de Paris e o inspetor-chefe do Institut National des Appellations d’Origine, e apresentou-lhes uma série de garrafas sem rótulos, contendo Cabernet e Chardonnay da Califórnia, crus classés do Médoc, brancos Grands Crus e premiers crus da Borgonha. O resultado não poderia ter sido mais surpreendente. Dois vinhos californianos foram eleitos os melhores e os outros receberam praticamente as mesmas notas que os franceses, demonstrando possuir qualidades semelhantes, segundo os próprios especialistas franceses.
O resultado foi polêmico e muitos se recusaram a aceitar o veredicto final, afirmando que os vinhos franceses precisavam de tempo para atingir a maturidade, enquanto que as uvas californianas já estavam prontas. Opiniões à parte, o ‘julgamento de Paris’ revelou que em poucos anos, os californianos haviam conseguido equiparar-se aos tradicionais franceses.
Coincidência ou não, na mesma época que a Califórnia expandia seus horizontes, a Austrália vislumbrou novos rumos vinícolas.
Fontes: A História do Vinho, de Hugh Johnson; Uma Breve História do Vinho, de Rod Phillips; e História da Alimentação, de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari.
Por Danúbia Otobelli
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