O segredo do licor Pacomienne

 

Danúbia Otobelli

O espumante brasileiro completou 100 anos em solo nacional no ano passado. Sua introdução está atribuída ao imigrante italiano Manoel Peterlongo, que em 1913, produziu a primeira garrafa pelo método champenoise. Porém, muitos dizem que o agrimensor Manoel aprendeu as técnicas para elaboração do espumante com um religioso francês de nome Irmão Pacômio, no registro civil Charles Antoine Joseph Sion. Teria sido ele o mentor do primeiro espumante produzido no país e também um mestre para o filho de Manoel, Armando Peterlongo.
Natural de Camphin-en-Carebault, no norte da França, Irmão Pacômio nasceu em 5 de abril de 1873 numa família de agricultores católicos. Na chácara da família, costumava desenvolver trabalhos hábeis na terra. Do pai Antoine e da mãe Philomène Duquesne recebeu o amor ao trabalho e a religião. Frequentou a escola comunal e depois a Escola dos Irmãos Maristas, onde realizou seus estudos mais profundos.
Provido de um grande espírito de iniciativa e bastante humorado, entrou na vida religiosa em 1904 onde recebeu o nome de Marie Pacôme (em português Pacômio). Durante o noviciado, dava exemplos de piedade e amor ao próximo. Em 7 de setembro de 1904 pronunciou seus primeiros votos.
Naquela época, os conflitos e as perseguições eram constantes e muitos irmãos Maristas eram enviados para missões em terras distantes. Irmão Pacômio, que já sentia saudades do mano Adelmar José Sion, também religioso e que administrava uma escola paroquial da ordem no Brasil, pediu permissão para juntar-se a congregação brasileira. Em companhia de outros frades, chegou a Garibaldi, no Rio Grande do Sul, em 28 de dezembro de 1904. Ali, começou a lecionar no Colégio Santo Antônio, situado numa área coberta por mato. Além do trabalho como professor, passou a exercer os cargos de vigilante, jardineiro e padeiro.
Mas uma função especial estava para aparecer em sua vida, a de vinhateiro, trabalho que exerceu por 26 anos. Irmão Pacômio trouxe na bagagem ao Brasil mudas de videiras – os Irmãos Maristas eram oriundos do norte da França onde se cultivavam parreirais e se produziam vinhos há séculos. Em terras brasileiras, ele plantou ao redor do colégio e nos terrenos vizinhos parreiras de uva. Foram mais de 60 espécies de vinhas, que entre outras forneciam o vinho do Reno, o moscato, o vinho de Bordeaux e o Champagne. Com o passar do tempo, percebeu que os frutos brotavam belos e sadios. Não tardou para começar a produzir vinhos, por volta de 1908, para consumo interno do convento e dos próprios irmãos. A fama de boa qualidade da bebida se espalhou e logo outros colégios religiosos começaram a encomendar o vinho, em especial o vinho de missa, que dependia do mistério eucarístico. Para o frade era uma satisfação por na mesa o fruto de suas longas experiências e do seu suor.
As técnicas de elaboração da bebida ficaram conhecidas e diversos estudantes viajavam a Garibaldi para receber aulas teóricas e práticas com o Irmão Pacômio. “Todos escutavam com interesse as explicações que lhes dava o modesto, mas douto religioso, tão simples em seu exterior, mas tão competente quando se tratava de falar de vitivinicultura”.
Com os bons frutos, Irmão Pacômio ampliou o parreiral e, em 1911, junto com o Irmão Sinforiano, construiu uma pequena cantina, denominada de Granja Santo Antonio, que viria a ser uma das mais importantes vinícolas da região, a Granja Pindorama S/A. Pelas mãos de Irmão Pacômio, a vinícola cresceu, começou a trabalhar com os pequenos agricultores da região, ficou conhecida pela salubridade de suas uvas e pela qualidade dos produtos. A cantina passou a fabricar vinhos para todo o Brasil, sob a alcunha de vinhos Cond’Eu – em homenagem ao primeiro nome dado a cidade de Garibaldi.
Com seus produtos, a Granja Pindorama participou de diversas exposições, nas quais obteve sempre honrosas classificações e medalhas. Em 1915, foi construída uma nova cantina, que armazenava 20 mil litros de vinho. Esse volume chegou a 400 mil litros, em 1932, época da construção da terceira vinícola e já sob a direção de Irmão Sinforiano. A grande variedade de uvas nos parreirais garantia a qualidade dos vinhos, que eram vendidos no Brasil e no exterior. A Granja Pindorama funcionou até 1970, quando foi comprada pela Cereser.

O licor
Apesar de ter deixado memórias escritas de como se elaboravam espumantes com uma única fermentação, Irmão Pacômio ficou conhecido por uma receita famosa, trazida da Itália e produzida apenas na Congregação Marista de Garibaldi. Era o licor Pacomienne, assim denominado em sua homenagem. A bebida de ervas medicinais era elaborada com fórmulas únicas e ganhou fama rapidamente. Muitas pessoas procuravam o Irmão Pacômio para provar do licor digestivo.
Sua elaboração é mantida em segredo absoluto entre os maristas, mas sabe-se que em sua fórmula contam mais de 40 espécies medicinais, entre elas raízes, sementes e ervas e álcool etílico hidratado de cereais. A fabricação era artesanal e a essência extraída pelo processo de destilação. Todas as ervas eram cultivadas na horta da própria congregação e colhidas pelo frade no ponto certo da maturidade para a obtenção do melhor rendimento de suas propriedades. A fabricação do licor consistia num processo longo de plantar as ervas, colher, secar, macerar, colocar para destilar e engarrafar.
Hoje, acredita-se que o licor trazido pelo Irmão Pacômio é muito parecido com a receita atual, embora não se saiba o número exato de ervas da original. A receita do licor foi passada do Irmão Pacômio para outros religiosos, sendo que poucos foram responsáveis pela fabricação da bebida. Nos anos de 1970, quando a Granja Pindorama foi vendida, a fórmula do licor foi repassada aos proprietários, porém eles não conseguiram elaborar a bebida projetada por Pacômio. Atualmente, o licor continua sendo fabricado pelos Maristas de Veranópolis.
Por seus feitos, Irmão Pacômio – que faleceu em 13 de novembro de 1930, devido a um resfriado que agravou seu estado de saúde já debilitado – recebeu um busto em sua homenagem durante o centenário da presença Marista em Garibaldi. Na placa consta: “Como bom e fiel educador marista da França trouxe, aclimatou e distribuiu cepas, aprimorou vinhedos e cantinas, ensinou a elaborar novos vinhos, champagnes e o medicinal licor de ervas pacomienne. Com essa fértil semeadura histórica cooperou para Garibaldi ser metrópole brasileira da champanha”.

Fontes: Arquivo Histórico de Garibaldi/ Artigo O licor Pacomienne e a presença Marista em Garibaldi de Mariana Schuwaab Machiavelli e Susana de Araújo Gastal/ Livro Centenário da Presença dos Irmãos Maristas em Garibaldi, de Nadir Bonini Rodrigues.

 

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