O agricultor Vanderlei Holz Lermen apresenta sua pesquisa sobre sucessão familiar – apenas 35% dos pais incentivam os jovens a permanecerem no meio rural
Por: Camila Baggio
Foi por meio de postagens na internet, com fotos e vídeos simples, sobre o dia a dia no interior, que o jovem agricultor Vanderlei Holz Lermen ficou conhecido pelo Estado. Aos 27 anos de idade ele não precisou sair de casa ou abandonar a propriedade da família para ganhar amigos e seguidores e colocar em prática – também ajudando os outros –, tudo o que estuda. Começou uma pesquisa na sua cidade, Boa Vista do Buricá, no Noroeste gaúcho, e expandiu a rede de conversa com produtores de pelo menos outras cinco cidades gaúchas em busca de um panorama sobre a sucessão familiar rural. Os resultados do projeto ‘Perspectivas da Juventude Rural’ mostram que falta incentivo para que os jovens percebam as vantagens em permanecer no meio rural e investir na agricultura.
Bem diferente da ideia de que o jovem agricultor tem pouco estudo, Lermen já conquistou um importante currículo: é tecnólogo em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci (Uniasselvi); técnico em Agropecuária pela Sociedade Educacional Três de Maio (Setrem); bacharel em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); pós-graduando em Gestão Empresarial, também pela Setrem; e licenciando em Geografia pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Tanto conhecimento é aplicado na sua propriedade, onde a produção de leite e o plantio de verduras formatam os carros chefes. A vida acadêmica e a agricultura ainda dividem espaço com as palestras ministradas por ele, um programa de rádio, e a literatura – já publicou dois livros, um sobre a história de Boa Vista do Buricá, e o outro sobre poemas e contos, e tem nos seus projetos a elaboração de um terceiro livro, este digital, com os dados de pesquisa junto aos jovens.
O agricultor conta que desde 2010 leva para as redes sociais por meio da internet curiosidades sobre a agricultura. Nos últimos anos tem feito também vídeos, sempre com o intuito de divulgar o conhecimento adquirido. “Com o curso técnico eu tinha a ideia de trabalhar com assistência para produtores rurais, mas não foi bem como eu imaginei. Notei que a maioria dos produtores não dá muita bola para a assistência na propriedade. Aí pensei, o que fazer com o que eu aprendi? Comecei a colocar em prática na minha propriedade e a mostrar isso na internet. Recebi um retorno muito positivo dos internautas”, conta Lermen.
Os assuntos são variados e surgem, segundo ele, dos próprios internautas. “Além daqueles mais simples, do dia a dia, também surgem aqueles relacionados à gestão da propriedade e do negócio”, complementa.
Os vídeos podem ser conferidos no canal ‘Vanderlei Holz Lermen’ no Youtube (www.youtube.com) e os demais conteúdos em www.facebook.com/vanderlei.holzlermen. Saiba mais sobre a pesquisa realizada pelo agricultor. Vanderlei foi palestrante do Seminário Agroindustrial que aconteceu durante a Mostra Flores, em Flores da Cunha, no mês de março. Confira entrevista com Vanderlei.
ENTREVISTA
A Vindima: Como surgiu o projeto ‘Perspectivas da Juventude Rural’? Como você iniciou essa ideia e quais são os resultados?
Vanderlei Holz Lermen: Esse projeto iniciou há três anos, quando cursava o curso técnico em Agropecuária. Na Setrem todo ano há um salão de pesquisas, onde os estudantes apresentam pesquisas e recebem premiações. Como eu gostava do tema ‘juventude rural’, comecei a pesquisar sobre isso. Nas minhas pesquisas vi que quando se falava de êxodo rural e seus fatores, sempre se relacionava a saída do jovem do campo pela falta de acesso à internet, dificuldade de estudo, trabalho pesado ou qualidade de vida inferior à da cidade. Eu não concordava com isso, porque o rural evoluiu muito nos últimos anos. Então conversei com meus professores e decidi que faria uma pesquisa com os jovens do meu município para ver se realmente esses fatores ainda influenciavam a saída do campo. Fiz a pesquisa, apresentei, e fui incentivado a aplicá-la em mais municípios para poder comparar. Assim fui pesquisando, hoje são mais de 550 jovens entrevistados em cinco cidades. A ideia é dar continuidade em outros municípios e entender as diferenças de um para o outro.
Como principais resultados encontrei alguns fatores de decisão para a permanência ou não dos jovens no meio rural. O mais forte de todos é o incentivo que recebem dos pais. Apenas 35% dos pais incentivam os jovens a permanecerem no meio rural. Ou seja, a maioria quer que o filho tenha uma vida na cidade, que parece ser mais fácil que no campo. Do outro lado, apenas 39% dos jovens quer permanecer no meio rural. Dados muito parecidos não acha? Quando os pais incentivam a ficar, geralmente os jovens ficam. Quando são incentivados a sair do campo, geralmente saem. A falta de conhecimento da propriedade também pode ser um fator. Quase metade dos jovens entrevistados não sabem quantos hectares de terra a família tem e muito menos quanto vale a propriedade rural, dado esse que muitos pais também nunca pararam pra analisar. A renda é outro fator, quando os jovens precisam pedir dinheiro aos pais toda vez que querem sair, isso vai os frustrando, pois se trabalham na cidade, teriam seu salário.
Outro dado interessante tem a ver com a industrialização do município. Aqueles com indústrias fortes, que precisam de muitos funcionários, têm taxa de permanência menor que municípios com poucas indústrias.
AV: Com seu contato com os agricultores, principalmente os mais jovens, qual é o panorama do jovem no campo hoje?
Vanderlei: O jovem tem tudo nas mãos para crescer. Ele entende de tecnologia, tem acesso à educação da sua propriedade e pode buscar as melhores opções para gerar renda. O que precisa é despertar o interesse e ter o apoio da família para que o jovem possa realmente expressar seu potencial no campo.
AV: Sabemos que a sucessão familiar nas propriedades rurais é um desafio. Como incentivar o jovem a investir no meio rural?
Vanderlei: Não adianta incentivarmos o jovem a ficar no meio rural se a família quer que ele saia. Durante as visitas na Serra, conheci uma propriedade com mais de 50 vacas e uma bela estrutura com maquinário. A filha querendo dar continuidade à propriedade, mas os pais incentivando que ela vá para a cidade. Acredito que para mudar essa perspectiva de baixa permanência, precisamos trabalhar com os pais, motivá-los para que eles incentivem os filhos a permanecer no campo. Um trabalho mais voltado à família é necessário. Hoje se discute muito o assunto sucessão rural em entidades, universidades, gestões municipais, porém ele não está chegando lá no campo, nas famílias, com a mesma intensidade. Comprovo isso em um dos questionamentos da minha pesquisa, onde perguntei aos jovens o que eles entendem por sucessão rural. Oitenta por cento não sabe ou nunca ouviu falar disso.
No aspecto governamental, tanto municipal, estadual e federal, é preciso ter programas específicos para os jovens. Já temos alguns, mas são poucos e muitas vezes desconhecidos. Outra questão que levanto é o ensino nas escolas. Escolas rurais e escolas de municípios com base agrícola deveriam ter um currículo voltado ao rural, onde o jovem pudesse aprender as coisas da rotina da propriedade. Adaptar o conteúdo não é tão difícil. Na matemática, por exemplo, têm coisas muito práticas para usar.
AV: Para você, esse cenário vem mudando? Quer dizer, os jovens estão despertando um interesse maior pelo interior?
Vanderlei: Já vi pesquisas mostrando que a saída do jovem diminuiu nos últimos anos, porém eu discordo. Pelo menos na minha região, Noroeste do Estado, vejo as comunidades diminuindo, cada vez menos jovens, menos crianças e cada vez mais moradias abandonadas. Mão de obra é muito difícil de conseguir. Se formos olhar a média de idade dos produtores rurais, a maioria esta próximo ou acima dos 50 anos. E no futuro, com apenas 39% dos jovens querendo permanecer no campo? Como seria esse futuro daqui a 20 anos?
AV: Quais as vantagens para quem faz a escolha de permanecer e dar continuidade à propriedade da família? E os principais desafios?
Vanderlei: As vantagens, com a sucessão, são diversas: ter o negócio é só preciso dar continuidade. Veja que nos últimos anos a terra valorizou muito. Na minha região um hectare vale em média R$ 30 mil. Já aí na Serra me disseram que vale cerca de R$ 70 mil. É um baita patrimônio que deve continuar na família. Essa é outra vantagem, trabalhar com a família. Ter os filhos e pais perto é muito bom. A qualidade de vida no campo, o menor custo com alimentação, luz e água. A produção dos próprios alimentos. O crédito para crescer é muito mais fácil e barato no rural do que para o urbano. As tecnologias para o aumento da produtividade, falo aqui de tecnologias acessíveis a todos, não somente em maquinários.
Como desafio está o relacionamento entre pais e filhos nas decisões do negócio, produzir com o menor custo possível, e a profissionalização. Hoje para ser um agricultor de sucesso é preciso conhecimento. O jovem precisa ver o que ele tem disponível como algo útil para a propriedade. Eu sempre brinco que os jovens têm vários aplicativos no telefone, mas poucos têm algum voltado a ajudar no dia a dia da propriedade. Estão aí, de graça, basta mudar o olhar e pensar como empresário. Aliás, esse deve ser um dos maiores desafios: ver e fazer da propriedade uma empresa, um negócio, e gerenciá-la como tal. Jovens, vamos ser empreendedores rurais.