Leveduras autóctones ganham protagonismo na construção da identidade do vinho brasileiro

Especialistas e produtores discutiram como a microbiota nativa pode agregar tipicidade, valor e inovação à vitivinicultura nacional

No Brasil, a busca por vinhos com identidade própria ganha força com uma aliada invisível, mas essencial: as leveduras autóctones. Esse foi o foco do painel “Inovação e Autenticidade – O Poder das Leveduras Autóctones na Qualidade dos Vinhos Brasileiros”, realizado durante a Wine South America, com mediação do engenheiro agrônomo Celito Guerra.

Participaram do debate o pesquisador Gildo Almeida da Silva e a analista Bruna Carla Agustini, ambos da Embrapa Uva e Vinho, além dos representantes da Manus Vinhas e Vinhos, os enólogos Gustavo Bertolini e Mônica Rossetti.

Bruna Agustini apresentou o trabalho técnico da Embrapa, que isola leveduras diretamente da casca das uvas nos vinhedos, no pico de maturação. Após a coleta, as linhagens são caracterizadas em laboratório quanto à sua capacidade fermentativa, produção de compostos indesejáveis, resistência ao etanol e dióxido de enxofre, e ainda sua contribuição aromática. “As leveduras autóctones respeitam a microflora do ambiente e oferecem perfis únicos de fermentação”, destacou Bruna.

Essa prática valoriza o conceito de Friendly Yeasts — microorganismos locais que dialogam com o ambiente e reforçam a tipicidade do terroir. Segundo ela, o uso de leveduras nativas está deixando de ser apenas um assunto científico e ganhando corpo como ferramenta de inovação industrial.

Gildo Almeida comparou os dois universos: enquanto as leveduras importadas garantem previsibilidade e padronização, as autóctones oferecem controle, mas também originalidade e conexão com o terroir. “Elas são capazes de produzir vinhos com características regionais marcantes. Não se trata de repetir fórmulas, mas de valorizar as singularidades de cada região”, explicou.

Além disso, Gildo destacou que o controle da produção de sulfeto de hidrogênio — responsável por defeitos sensoriais — é essencial na escolha das linhagens, o que a pesquisa nacional já consegue mapear.

Perspectiva do produtor

Gustavo Bertolini, da Manus Vinhas e Vinhos, defendeu a valorização da microbiota como fator estratégico para o posicionamento dos vinhos brasileiros no mercado. “Não precisamos copiar a Argentina ou a Borgonha. O Brasil tem sua própria história, sua biodiversidade e suas leveduras. Isso é parte de um storytelling autêntico que precisa ser contado com urgência”, afirmou.

Para ele, a identidade do vinho brasileiro será construída com ciência, autoconhecimento e comunicação assertiva. “Temos pressa. Pressa para mostrar quem somos — ou, ao menos, quem queremos ser”, completou.

Enologia como expressão da terra

Com duas décadas de experiência na Itália, a enóloga Mônica Rossetti trouxe um paralelo prático. “Na Europa, a seleção de leveduras autóctones é realidade há anos. Produzir vinhos com leveduras da própria vinha é parte essencial da construção da identidade do produto”, relatou.

Para Mônica, mesmo vinícolas que não produzem milhões de garrafas devem investir na sua personalidade. “É uma estrada de autoconhecimento. O vinho precisa comunicar na taça aquilo que aquela terra tem de único. Só assim construiremos uma identidade real para o vinho brasileiro”, afirmou.

Caminhos para o futuro

O painel reforçou que o uso de leveduras autóctones não é apenas uma tendência, mas uma estratégia de diferenciação e valorização da produção nacional. Como destacou Celito Guerra, “o progresso da enologia brasileira passa pela microbiologia tanto quanto passa pela técnica de vinificação“.

A proposta, portanto, é unir ciência, terroir e autenticidade para fazer do vinho brasileiro um produto cada vez mais singular, competitivo e reconhecido no cenário internacional.

 

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