“Há mais de 40 anos passeio pelo mundo gaúcho do vinho, desde os tempos em que sinônimo de uva e vinho era Caxias do Sul, embora a produção já estivesse se deslocando para outros municípios, como Flores da Cunha e Bento Gonçalves, e ainda fosse dominada pelas uvas americanas e pelo chamado vinho comum. Naquele período, conheci dois empresários que me ensinaram os primeiros passos, Bernardino Conte, o primeiro a me falar como resfriar espumante; e Luiz Mandelli, o criador do vinho fino no Brasil. Com Mandelli, além do vinho, falávamos sobre as questões econômicas e industriais do Rio Grande do Sul e do Brasil, pois ele viria a ser um dos mais operosos presidentes da Fiergs, a Federação das Indústrias do RS. Mandelli era obstinado com a qualidade do vinho – numa época em que aqui reinava o produto elaborado com a uva Isabel. A Companhia Vinícola Riograndense introduziu os primeiros varietais e a marca Granja União, à época sinônimo de vinho de qualidade. Promovia ida de comitivas para a abertura da vindima na Granja União, em Flores da Cunha, sempre buscando divulgar a cultura do setor. Também foi um dos primeiros a se preocupar com a formação, inclusive de comunicadores, para que conhecessem mais o vinho”.
Nas palavras do jornalista Danilo Ucha está um pouco do papel do empresário Luiz Mandelli para a vitivinicultura nacional. Nascido em 31 de agosto de 1917, em Bento Gonçalves, Mandelli iniciou sua vida profissional cedo. Aos 10 anos, o filho de Giuseppe Mandelli e Josephina Bianchesi Mandelli entregava pão pela cidade. Com o passar dos anos os ofícios se modificaram e ele trabalhou numa farmácia, numa empresa de móveis e num banco. Aos 25 anos, foi aprovado num concurso do Banco do Brasil, onde trabalhou durante oito anos, chegando ao cargo de gerente na agência de Erechim.
Mas foi na década de 1950 que sua carreira no meio vinícola brasileiro começou a ser desenhada. Desde criança, via seu pai plantando videiras e elaborando o próprio vinho, da marca Cometa. Quando Luiz tinha 12 anos o pai Giuseppe ingressou na Sociedade Vinícola Riograndense, que mais tarde se tornaria a Companhia Vinícola Riograndense. Uma das maiores vinícolas brasileiras, tendo na década de 1920 importado as primeiras castas europeias e introduzido no Brasil as uvas vitis viníferas, na Granja União, localizada em Flores da Cunha (atual Luiz Argenta Vinhos Finos). Foi na Granja União que nasceu o primeiro vinho fino brasileiro.
Nesse cenário, Mandelli foi convidado a gerenciar a filial da vinícola no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1957. De volta a Porto Alegre, assumiu a direção da Companhia. No ramo, liderou também o setor vinícola gaúcho. Foi presidente do Sindicato das Indústrias do Vinho do Rio Grande do Sul por 27 anos, de 1971 a 1998. Foi sócio-honorário do Centro de Bodegueiros de Mendonza, na Argentina. Ainda em Mendonza, por causa de seus fortes posicionamentos a favor dos interesses brasileiros nas reuniões da Associação Latino-Americana de Livre Comércio chegou a ser considerado persona non grata.
Dedicação e prêmios
Além do setor vinícola, Mandelli assumiu a presidência da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), de julho de 1974 a junho de 1977. Apesar de sua gestão ocorrer em plena ditadura militar no Brasil, Mandelli conseguiu o feito de se manter distante da política, dedicando-se exclusivamente em defesa dos interesses das classes que representava.
O bom relacionamento com as autoridades também foram decisivos em algumas questões. A amizade pessoal que tinha com o ex-presidente Ernesto Geisel (mandato de 1974 a 1979) foi decisiva para a definição do Polo Petroquímico de Triunfo, que na época era disputado também pela Bahia e por São Paulo. “Teve uma vez uma questão relativa ao setor vinícola, que comprava açúcar de São Paulo e deixava o grosso do ICM lá. Aquilo encarecia nosso custo entre 3% e 4%. Quando convenci o presidente e ele baixou a portaria nesse sentido foi impetrado um mandato de segurança suspendendo tudo. Ele mesmo fez piada dos quatro anos de trabalho que tive para resultar naquilo”, contou Mandelli, numa entrevista a publicação da Fiergs.
Nessa mesma entrevista, o empresário destacou o que mais lhe agradava na economia gaúcha. “O grande trunfo do nosso Estado está na divisão da riqueza. A região de Caxias, Garibaldi, Bento Gonçalves não tem milionário, nem tampouco miserável. É a que melhor resolveu essa questão em todo o Brasil. Essa região está conseguindo diversificar sua produção e melhorar sua produtividade e qualidade. Esse é o caminho”, destacou.
Dedicado as causas econômicas e vinícolas, Mandelli recebeu inúmeros prêmios, com destaque para a Ordem do Rio Branco, conferida pelo presidente do Ernesto Geisel no Ministério das Relações Exteriores, em abril de 1976; e o Santos Dumont pelo Ministério da Aeronáutica em julho de 1976. Foi agraciado com a medalha Roberto Simonsen, do Sesi Nacional em 1976; com a Medalha Mauá do Governo do Rio Grande do Sul em 1979; com o Mérito Industrial do Rio Grande do Sul pela Fiergs em 1977; e pela Ordem do Mérito Industrial pela Confederação Nacional da Indústria no ano de 1992. Entretanto, o título que mais se orgulhava era o de sócio-benemérito da Santa Casa de Misericórdia, de Porto Alegre.
Luiz Mandelli foi casado com Maria Koboldt com quem teve os filhos Luiz Carlos, Maria Luiza e Ana Maria. Em 1978, já viúvo, casou-se novamente com Clélia Borges Mandelli. Faleceu em 15 de junho de 2003, em Porto Alegre, mostrando que com “rara maestria” soube representar o setores que defendia durante “os anos de chumbo” da história brasileira.
Por Danúbia Otobelli