O químico que ajudou a vitivinicultura
Danúbia Otobelli
Certo dia do início do século XX, o jovem Luiz Veronese ao arar a terra na colônia da família no Travessão Marcolino Moura, na época pertencente a Colônia Caxias, hoje denominado de Otávio Rocha e estabelecido nos domínios de Flores da Cunha, foi picado por uma formiga e esbravejou: “eu não nasci para essa vida, quero ser químico”. O espírito desbravador e a vontade de estudar do jovem transformaram o seu desejo em realidade. Aos 20 anos, Luiz já conhecia bastante de química e fundava uma das empresas mais conhecida da região, a centenária Veronese – Produtos Químicos.
Essa trajetória tem uma forte ligação com o setor vitivinícola. Começamos do princípio. Foi a chegada dos imigrantes italianos o grande marco para a vitivinicultura brasileira. Mais do que videiras, eles trouxeram a cultura e as formas de produção do vinho. Um desses imigrantes foi Felice Veronese, que junto com a esposa Domenica Sella, se estabeleceu no Travessão Marcolino Moura. Ali, Felice dedicou-se a vitivinicultura e tornou-se o maior produtor de vinhos da região, destacando-se na produção de graspa. Felice construiu um imponente casarão todo em pedra – até hoje um dos marcos da arquitetura italiana na região – para abrigar os dez filhos, entre eles o primogênito Luiz Veronese, nascido em 25 de abril de 1886.
O menino tinha um espírito perseverante e desde cedo demonstrou grande interesse pelo desconhecido. Aos 15 anos, encontrou um manual que o pai havia trazido da Itália e que continha experimentos em química, como a fabricação de vinhos e de pólvora. Seus primeiros testes foram em casa mesmo, pondo em prática a produção de explosivos. Numa dessas experiências, um de seus irmãos chegou a perder a ponta do dedo. Era seu primeiro contato com a química.
O desejo de trabalhar com a ciência era cada vez maior e na juventude começou a visualizar melhor o sonho. Em 1899, a região inaugurava o primeiro Laboratório Enológico para introdução de espécies europeias e a melhora da qualidade do vinho. E Luiz, vendo as dificuldades que seu pai passava, já que a produção da bebida aumentava, mas a qualidade não, dedicou-se aos estudos. Ele percebeu que o vinho poderia ser melhorado com o uso de técnicas de vinificação e de determinados insumos. Luiz viu que poderia aproveitar a matéria tartárica presente nos resíduos da vinificação para produzir insumos para o ramo de alimentos. No laboratório improvisado, fazia seus experimentos e apesar das recomendações do pai, que duvidava do êxito do jovem, Luiz seguiu em frente.
Sonho realizado
Aos 20 anos, o jovem estava determinado a seguir os caminhos da química e ajudar o setor vitivinícola a melhorar seus vinhos. “Sempre houve uma preocupação em estabilizar a conservação do vinho e melhorar sua qualidade, permitindo que a venda atingisse centros mais distantes como São Paulo e Rio de Janeiro, assim como aproveitar os subprodutos da vinificação”, lembra o sobrinho de Luiz e diretor da Veronese, Paulo Ernesto Veronese.
Seu tio e padrinho Luiz Sella acreditou em seu sonho e resolveu ajudá-lo a fundar uma fábrica de produtos químicos. Emprestou-lhe dez contos de réis para entrar como sócio. A realização do sonho começava a tomar forma e, em 1910, Luiz foi à Itália para adquirir conhecimentos, comprar livros e maquinários. De volta ao Brasil, obteve o registro de químico e sua visão empreendedora falou alto. Em 1911, estava fundada a Luiz Veronese & Cia, uma fábrica de produtos químicos, junto com a produção de foguetes e fogos de artifícios. No local – que até hoje, depois de inúmeras reformas e ampliações, está a sede da empresa – instalou um laboratório para produzir o ácido tartárico, o cremor de tártaro e diversos outros produtos, como o Xarope de Tanino. Todos com a finalidade de agregar valor ao vinho. A Veronese nascia da paixão pela química com a ideia de aproveitar resíduos e o desejo de melhorar a bebida.
Os experimentos de Luiz davam resultados para o aperfeiçoamento do setor vinícola e, em 1918, o químico autodidata foi nomeado pelo então secretário de Estado Protásio Alves para ocupar o cargo de diretor do Laboratório de Análises de Caxias do Sul, criado pelo governo para acompanhar a cadeia. Permaneceu no cargo até 1920, quando entregou a carta de demissão ao governador Borges de Medeiros.
Contribuição
Na fábrica, Luiz trabalhava de dia e de noite, comprou uma quadra e construiu sua casa – após o falecimento do pai Felice, todos os irmãos e a mãe mudaram-se para Caxias do Sul. A firma estava em pleno progresso e o jovem químico seguia com o seu intuito de aperfeiçoar a qualidade do vinho produzido pelos colonos. Em 1917, casou-se com a professora Antonieta Agostinelli, com quem teve quatro filhos: Cláudio, Nelly, Roberto Félix e Mário José. Foi a esposa Antonieta que ajudou Luiz na crise financeira que a empresa passou na década de 20, quando teve que demitir funcionários e chegou a ir a hasta pública.
Na década de 1930, com a retomada das cooperativas vinícolas, o surgimento da Festa da Uva e as variadas ações para implantar políticas públicas em defesa do vinho, o setor passava por uma grande fase e Luiz apoiava as iniciativas. Enviou carta manifestando-se a favor da instalação de um escritório de propaganda e defesa do vinho e fornecia aos produtores de vinho a orientação técnica sobre o processo de vinificação e a aplicação dos produtos para o melhor tratamento da uva, depois de colhida, e para a melhorias no vinho produzido. Nessa época consolidava-se uma parceria com os agricultores que dura até os dias atuais, a Veronese adquiria os resíduos vínicos ricos em matéria tartárica e fornecia produtos para a melhoria do processo de vinificação.
Conforme escreveu a filha Nelly Veronese Mascia, Luiz era um homem bondoso e caridoso e muito amigo dos operários. Os colonos que iam vender os sacos de borra de sua cantinas para fazer o cremor de tártaro já ficavam para almoçar. Dona Antonieta preparava mesas fartas para os agricultores.
Teve mais de duzentos afilhados, fundou a Casa da Criança (para os filhos dos operários) e doou terrenos para construção de escolas. Gostava de ajudar as pessoas e era um grande conhecedor da religião espírita. Durante a Segunda Guerra Mundial contraiu a gripe espanhola e adoeceu. Faleceu em 22 de maio de 1952. “Meu pai era um homem simples, de uma pureza e ingenuidade tão grande que o tornava criança. Acreditava em todos, porque era bom e não via maldade. Não conheci homem mais cumpridor de sua palavra e de lisura nos negócios”, escreveu Nelly.
Fontes:Paulo Ernesto Veronese/ Livro De um Imigrante, Nasce um Químico, de Nelly Veronese Mascia/ Livro Do Pioneirismo à Economia Global – 100 anos de história de uma empresa brasileira, de Tânia e Charles Tonet.