A mecanização da colheita de uvas está se consolidando como um caminho sem volta para a viticultura brasileira, especialmente na Serra Gaúcha, principal polo produtor do país. A necessidade de otimizar o tempo de colheita e enfrentar a escassez de trabalhadores temporários levou os vizinhos Rui Bertuol (59) e Marcelo Bertuol (49), de Caxias do Sul, a investirem em uma colheitadeira de uvas há três anos. Desde então, a produção na propriedade nunca mais foi a mesma.
As famílias de Rui e Marcelo compartilham a decisão de modernizar o processo em um sistema de permuta e cooperação, que possibilitou a aquisição da máquina e reduziu os custos operacionais. “O maior problema sempre foi a mão de obra. Já aconteceu de contratarmos trabalhadores, mas eles simplesmente não aparecerem. Aí ficamos na mão. Hoje está bem mais difícil que três anos atrás. Comprei a máquina na hora certa”, explica Rui.
A máquina utilizada é projetada para operar em qualquer tipo de relevo, acionada por controle remoto e comandos elétricos que facilitam os ajustes durante a colheita. Enquanto duas pessoas operam a colheitadeira, outros três seguem recolhendo manualmente as uvas que ficaram nos espaços não alcançados pela máquina.
O sistema garante um rendimento muito mais eficiente: a estimativa para esta safra é de 500 mil quilos de uvas, um volume que seria impossível de ser colhido a tempo se o trabalho dependesse apenas de mão de obra manual e familiar.
“A vantagem é a rapidez. Se fôssemos só nós cinco, a uva estragaria porque levaríamos mais do que o dobro do tempo. Sem a mecanização, teríamos que contratar mais gente, e isso hoje é muito difícil”, explica Rui.
Além da velocidade, a máquina melhora a qualidade da colheita. Como os grãos caem diretamente nos coletores, chegam mais limpos às vinícolas, o que em muitos casos eleva o valor pago pelo quilo da uva.
Apesar das inúmeras vantagens, a mecanização ainda exige adaptação dos vinhedos e nem todas as variedades de uvas são adequadas para esse método. “Estamos adaptando as parreiras para a máquina passar. Hoje conseguimos colher cerca de 70% da produção dessa forma”, afirma Rui.
Já as uvas de cacho compacto, como a Lorena, continuam sendo colhidas manualmente, pois são mais frágeis e podem sofrer danos com o impacto da máquina.
“Já estamos escolhendo variedades mais fáceis para a mecanização. As uvas Cora e Magda, por exemplo, são ideais para esse tipo de colheita”, destaca Rui, que planeja focar cada vez mais na produção de variedades que permitam o uso da tecnologia.
A mecanização da colheita ainda não é realidade para a maioria dos produtores da Serra Gaúcha, mas Rui acredita que isso mudará nos próximos anos. “Lembro que nos anos 1990 e 2000, quando começaram a tratar a parreira com máquinas, muitos diziam que não iam conseguir se adaptar. Hoje, ninguém mais faz esse serviço manualmente. A colheita mecanizada vai seguir o mesmo caminho”, aposta.
Com o enxugamento das famílias agrícolas e a diminuição da mão de obra disponível, a modernização se tornou essencial para a continuidade da produção. A mecanização não é apenas uma questão de eficiência, mas de sobrevivência.
“Eu quero incentivar o pessoal a mecanizar. Hoje a gente não volta mais atrás”, conclui Rui.
Futuro da colheita de uvas no Brasil
A adoção da mecanização no setor vitivinícola faz parte da Indústria 4.0, que busca otimizar a produção agrícola com tecnologia, automação e inteligência de dados. A tendência já é forte em países como França, Itália e Estados Unidos, e ganha força no Brasil conforme os produtores percebem os benefícios.
Com o avanço da mecanização, novas soluções devem surgir para tornar o processo ainda mais acessível. O modelo de cooperação entre produtores, como o de Rui Bertuol e Marcelo Bertuol, pode ser uma alternativa viável para quem deseja modernizar a produção sem arcar com custos elevados individualmente.
A colheita mecanizada não é o futuro, é o presente da viticultura brasileira. Para os produtores, adaptar-se a essa nova realidade pode ser a chave para garantir qualidade, produtividade e competitividade no mercado.
