O criador de novas variedades de uva
Por Danúbia Otobelli
O engenheiro agrônomo Moacyr Falcão Dias recebeu muitas homenagens ao longo de sua trajetória profissional. A última delas ocorreu em 2004. O Sindicato dos Técnicos Científicos do Rio Grande do Sul (Sintergs) o homenageou por ter sido um dos pioneiros no serviço público estadual e pelos relevantes serviços prestados na área da viticultura. O prêmio, recebido pelos filhos e netos, foi entregue apenas uma hora antes de seu falecimento, aos 83 anos. Era uma justa homenagem ao criador das variedades de uvas ‘Tardia Caxias’ e ‘Dona Zilá’, que são plantadas e cultivadas até os dias de hoje.
O filho de Oswaldo Dias e Alda Falcão Dias nasceu em 24 de fevereiro de 1921, em Caxias do Sul. Ainda jovem mudou-se para Porto Alegre para estudar. Realizou a formação básica no Colégio Anchieta e mais tarde ingressou no curso de engenharia agrônoma da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), formando-se em 1946. No ano seguinte, aos 26 anos, Moacyr assumiu um cargo na Estação Experimental de Caxias do Sul, como assistente técnico dos trabalhos experimentais do setor de propagação da videira. Ali, permaneceu até 1952, quando virou coordenador e executor dos trabalhos experimentais da área de fruticultura da Estação Experimental de Farroupilha. De volta a Caxias do Sul, em 1957, assumiu como diretor geral a Estação Experimental com a função de gerenciar a instituição de pesquisa e coordenar todos os trabalhos em vitivinícola. Durante a sua gestão, que se estendeu até 1977, ocorreram diversas inovações técnicas no instituto, como a inovação na metodologia de pesquisa. Até 1958, a sistemática era bastante tradicional e a partir de 1959 passou-se a utilizar a terminologia ‘projeto’ e ‘subprojeto’ para classificar os diversos experimentos.
Ainda durante a sua administração, uma lei estadual autorizou a Estação Experimental a doar terras ao Círculo Operário Caxiense, sendo que parte dessa verba foi destinada a comissão de reaparelhamento penitenciário de Caxias do Sul. Moacyr também foi responsável pela ampliação do espaço físico da Estação Experimental. Em 1962, o instituto adquiriu 63 hectares de terras no distrito de Fazenda Souza, que mais tarde se tornou a sede da estação. Na localidade, ele realizou trabalhos de preparação de solo com a organização de diversas coleções experimentais, além da plantação de frutíferas e ornamentais.
Sempre dedicado ao trabalho e visando melhorar o setor vitícola local, elaborou, em 1969, o ‘Plano Geral para Melhoramento da Viticultura Riograndense’, que foi desenvolvido nas cidades de Caxias do Sul, Flores da Cunha, Bento Gonçalves, Garibaldi e Farroupilha durante cinco anos. Na justificativa do plano, ele destacava que “o fator mais limitante da nossa viticultura é a variedade, pois, infelizmente, as castas americanas continuam representando 85% da produção estadual e nacional”.
Preocupado com isso, a Estação Experimental, por meio do Serviço de Fomento e Assistência à Fruticultura, passou a distribuir mudas e sementes aos produtores e a ser constituída em dois departamentos técnicos: o da viticultura e o da enologia.
Entre os anos de 1959 a 1962, Moacyr atuou como chefe do Serviço do Vinho, sendo o responsável pela aplicação da legislação vitivinícola no estado.
Novas variedades
Sempre pensando no melhoramento das videiras, o engenheiro desenvolvia um trabalho intenso na Estação Experimental e um dos projetos de maior reconhecimento foi a implantação das linhas de pesquisa por processo de hibridação e polinização, juntamente com a Embrapa. Moacyr, junto com sua equipe, criou duas novas variedades de uvas de amadurecimento tardio: a ‘Dona Zilá’ (em homenagem a sua esposa Zilá) e a ‘Tardia de Caxias’.
Por meio do Programa Conjunto de Pesquisa Vitivinícola e com o objetivo de selecionar novas cultivares americanas para ampliar o período de oferta de uvas para consumo in natura na região, o engenheiro desenvolveu, em 1965, o cruzamento das cultivares vitis labrusca Niágara branca e Catowba rosada, que deram origem as uvas ‘Dona Zilá’ e ‘Tardia Caxias’. Depois de diversos testes em campos híbridos e semi-comerciais, a partir de 1988 elas passaram a ser utilizadas nas propriedades rurais. Com comportamento semelhantes, as cultivares caracterizam-se pela brotação tardia, com reduzido período de brotação e floração e um longo tempo de desenvolvimento da uva.
Em 1978, a Estação Experimental de Caxias do Sul torna-se área doada à Universidade de Caxias do Sul (UCS) e hoje corresponde ao Instituto de Biotecnologia da universidade. Com a mudança, Moacyr passa a trabalhar como pesquisador da Embrapa, através do Centro Nacional de Pesquisa da Uva e do Vinho de Bento Gonçalves. Nesse cargo, ele permaneceu até 1987, quando se aposenta.
Além dos trabalhos na Estação Experimental e na Embrapa, Moacyr teve um importante papel em atividades acadêmicas. Gostava muito de ler e costumava cultivar roseiras. Foi docente da UFRGS, membro da Comissão de Cursos de Mestrado de Fruticultura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e professor dessa universidade. Ministrou cursos de vitivinicultura e enologia por 18 anos, tendo diversos trabalhos publicados que incluíam temas sobre o comportamento agronômico de cultivadores de videiras no Brasil, seleção clonal, banco de cultivares, melhoramento genético, introdução de cultivares, identificação de varietais, viroses das uvas, desempenho das plantas, entre outros assuntos. Participou ainda das mais diversas comissões para formulação de estudos, como o armazenamento e conservação de uvas, o cadastramento vitícola e a avaliação de pesquisas em fruticultura.
Por toda essa dedicação, como citado no início desse texto, recebeu inúmeras homenagens da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, da Associação dos Engenheiros Agrônomos, da Embrapa Uva e Vinho e da Universidade de Caxias do Sul.
Profissional e pesquisador extremamente interessado na área da vitivinicultura, foi casado com Zilá Triches Dias com que teve quatro filhos: Carlos Alberto, Paulo Moacyr, Jorge Luis e Maria Isabel. “Ele tinha como grandes qualidades a sobriedade e a honestidade com o trabalho vitícola e o carinho e o companheirismo dedicados a família”, conta o filho Paulo.
Fontes: Curriculum Vitae Moacyr Falcão Dias/ Filho Paulo Moacyr Triches Dias
Excelente recordação e merecida homenagem. Morei na Estação Experimental de Caxias até os 13 anos de idade, desde que nasci. Na foto, de terno, está meu pai, Nélson Gularte Ramos. O Dr. Moacyr – era assim que o chamava – tem papel importantíssimo no desenvolvimento desta região, assim como o trabalho desempenhado pelos funcionários da saudosa Estação Experimental. Parabéns pela reportagem.