Nascido em 1913, no município de Garibaldi, a bebida festeja
seu centenário de história e vocação no terroir nacional
Há 100 anos, Henry Ford lançava sua linha de montagem industrial; o canal do Panamá era finalizado; ocorria a primeira transmissão telefônica sem fio entre Nova York e Berlim; o mundo se preparava para a Primeira Guerra Mundial; e o Brasil abria a garrafa do seu primeiro espumante produzido em terras nacionais, mais precisamente na cidade de Garibaldi, na Serra Gaúcha. Pelas mãos do imigrante italiano Manoel Peterlongo nascia, em 1913, o espumante brasileiro, produzido pelo método champenoise. As ‘estrelas’ de Don Pérignon ganhavam a vez nos solos tupiniquins e o engenheiro agrícola Manoel previa o que viria a ser reconhecido anos depois: a Serra Gaúcha tinha o clima temperado e o solo ácido próprio para a elaboração da bebida. “Nossos espumantes são diferentes porque têm cores, aromas e sabores próprios, bem brasileiros. Estamos na categoria dos espumantes de alta qualidade do mundo, com nosso estilo, nosso sabor e DNA”, acredita o enólogo Adolfo Lona.
Prova disso, são as premiações internacionais e o crescimento da bebida. Atualmente, as borbulhas centenárias são tidas como a mais expressiva parcela da vinicultura. Reconhecimento, que como demonstrou a trajetória, foi conquistado de fora para dentro, e que hoje se consagra com a premiação de diversos rótulos de espumantes em concursos internacionais. A venda de espumantes gaúchos só subiu nos últimos anos. Conforme dados do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) em 2004, foram 5,5 milhões de litros comercializados; em 2009 atingiu 9,5 milhões; e se consolidou em 2011 com 13,2 milhões e atingiu 14,7 milhões em 2012, se tornando uma grande aposta do setor. A bebida é responsável pela venda de 7,5 garrafas em cada 10 comercializadas no país e deixou de ser oferecida somente em brindes tradicionais e passou a ser servida como estrela principal de qualquer comemoração. “Uma vez o espumante era relacionado a momentos únicos, como casamento, aniversários. Hoje, ele está ganhando o dia a dia. Quando comecei no ramo, 80% era vendido nos meses de novembro e dezembro, agora as pessoas consomem espumante o ano todo, não mais para festejar, mas para desfrutá-lo”, diz um dos visionários da bebida no país, o enólogo Mário Geisse. Hoje, Bento Gonçalves é o maior produtor da bebida. Garibaldi chegou a produzir 96% dos espumantes nacionais, mas hoje está com 27%. Nos anos 80, ficou conhecida como ‘Terra do Champagne’, ao realizar a 1ª Festa Nacional do Champanhe – Fenachamp.
Uma história
centenária
O trentino Manoel aportou em terras brasileiras por volta de 1890, trazendo na bagagem mudas de videiras e os conhecimentos em produzir a bebida. Uns diziam que ele possuía um livro do próprio Don Pérignon, outros que ele aprendeu as técnicas com o Irmão Pacômio. Apesar das versões antagônicas, a única verdade é que ele tinha o sonho de realizar no Brasil o mesmo método utilizado pelos franceses: uma segunda fermentação natural na própria garrafa, conhecida como champenoise. Essa produção iniciou de forma artesanal no porão de sua casa e o primeiro champagne nacional foi premiado com medalha de ouro durante a primeira mostra de uvas e vinhos de Garibaldi. Em janeiro de 1915, Manoel fundava a Vinícola Casa Peterlongo – que nos anos de 1940, denominaria-se Vinícola Armando Peterlongo & Cia. Ltda. Nesse mesmo ano, o imigrante projetava a construção do que ele chamaria de ‘coração da vinícola’: a cave subterrânea. Cabe lembrar que desde 1910 ele vinha armazenando pedras de balsalto para a construção de uma vinícola. Sua cave, construída em direção ao Norte buscava o vento mais frio, com o intuito de congelar as garrafas. Junto a cave escavou um poço para manter as paredes sempre úmidas, com isso a temperatura não ultrapassaria os 14°C.
Os negócios do espumante prosperavam e Manoel chamou seu filho Armando, nascido em 1899 e que estudava em Porto Alegre, para ajudar nos trabalhos. Com o falecimento do pai, em 1924, Armando assumiu o comando da Casa Peterlongo. Começou construindo novas instalações e mudando paradigmas. “O Armando herdou o caráter visionário do pai e é ele quem realiza os sonhos do Manoel e torna a empresa uma vinícola boutique”, conta a enóloga Maria Amélia Duarte Flores, que realiza um trabalho de resgate dos 100 anos do espumante no Brasil. “Ele é o primeiro a contratar a mão de obra feminina na Região, a introduzir as uvas brancas, a observar a natureza e deixar o espumante envelhecer por quatro anos na cave. Era um inovador dos anos 20”, pontua Maria Amélia.
A década de 1930 se iniciava e com ela uma fase de prosperidade. Novas instalações, seguindo os padrões da região da Champagne na França, eram feitas e uma cantina de 10 mil metros quadrados, subterrânea, toda em pedra basalto, estava erguida. Armando preparava a empresa familiar para o salto que viria. O espumante nacional conquistava cada vez mais espaço e o apoio decisivo veio do presidente Getúlio Vargas e sua política nacionalista. Ao valorizar o produto nacional, o presidente – que havia conhecido a Peterlongo ainda quando governava o Rio Grande do Sul – servia a bebida em seus banquetes comemorativos. A própria rainha Elizabeth, ao visitar o país, provou e aprovou a bebida. Com a repercussão, o espumante foi coroado como bebida oficial do país, servido em cerimônias e festas particulares. A partir da Era Vargas, nas solenidades oficiais, batismos de navios ou aviões passou-se a beber o champanhe nacional Peterlongo. “O Armando tinha envolvimento político e com o apoio do presidente Vargas tudo se transforma. A Peterlongo era uma vinícola boutique com degorge feito manualmente ou com máquinas importadas da França”, lembra Maria Amélia.
Na década de 1940, a vinícola produzia 360 mil garrafas ao ano, de três tipos: doce, meio doce e seco. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, a Peterlongo realiza a sua primeira exportação da bebida. O espumante é comprado pelo Magazine Macy’s, de Nova York. Com isso, dava-se início a uma série de exportações que aumentariam a procura pela bebida e fariam a Peterlongo ampliar sua capacidade vinícola e abrir espaço para outros produtos. Nasciam os vinhos brancos e tintos, os conhaques e os uísques. Na década de 1950, diante da concorrência de novas empresas que desembarcavam no Brasil, a Peterlongo adota também o método charmat.
Com a morte de Armando em 1966, o controle da empresa passa para seus genros. Uma significativa mudança na política da vinícola ocorre e a Peterlongo, antes associada ao glamour do champanhe, passa a produzir o filtrado doce ‘Espuma de Prata’, visando atingir as camadas mais populares. Nos anos de 1990, a empresa sofre uma crise financeira e, em 2003, é vendida para o grupo Holding Ouropar.
Valorização
Cientes de serem os detentores do primeiro espumante nacional, a partir de 2005, mesmo não pertencendo mais a família Peterlongo, a vinícola inicia uma fase de reestruturação e modernização, sem perder o foco na tradição. Para isso, a vinícola estruturou um passeio que reconta toda a trajetória da Peterlongo. O roteiro está dividido em sete espaços temáticos (tanques de fermentação, pipas de madeira, barris de carvalho, espaço de guarda, museu de máquinas e papel, cave subterrânea e túnel histórico). “É uma experiência para poucas empresas completar 100 anos, pois muitos não chegam ao primeiro ou segundo. E no caso, são 100 anos de surgimento da bebida que mudou a história e a imagem da vitivinicultura no Brasil. Isso é para poucos”, comemoram o diretor Luiz Sella.
Um terroir ‘made in Brazil’
Se em 1913, Manoel Peterlongo elaborava artesanalmente seu ‘champagne’, nas décadas seguintes o espumante seria reconhecido como a verdadeira vocação do terroir brasileiro, e especialmente da Serra Gaúcha. Já no ano de 1933, a Salton, que havia sido fundada em 1910, em Bento Gonçalves, desenvolvia seu primeiro rótulo de borbulhas pelo método champenoise. Em Caxias do Sul, a E. Mosele S.A instalava maquinários enológicos, entre os quais, autoclaves para a elaboração do espumante pelo sistema conhecido como charmat. Entretanto, foi somente em 1950 que a produção de espumantes começaria a ser desenvolvida em grandes proporções, além da precursora Peterlongo. Nesse ano, desembarcou em Garibaldi o francês George Aubert, que havia ouvido do irmão marista Otão as potencialidades que o solo brasileiro possuía para o espumante. De posse da informação e enfrentando dificuldades devido a Segunda Guerra Mundial, a produtora dos champanhes Clairette de Die, Vin Mousseux Naturel, AOC’s Aurel e Saillams, desembarcou de mala e cuia no Brasil. Com experiência na produção de espumantes e utilizando a indenização do Plano Marshall, a George Aubert abre sua empresa no país elaborando espumantes em larga escala pelo método charmat.
A pioneira Peterlongo e a multinacional George Aubert desenvolveram o espumante nacional ao longo das décadas. Foram elas que consolidaram a bebida. Outras vinícolas, como a Sociedade Riograndense, elaboravam também o espumante, mas seu papel não era tão abrangente. Na década de 1970, a hegemonia francesa e brasileira é quebrada com a chegada das multinacionais que vislumbravam um futuro promissor no Brasil e iriam firmar a vocação nacional para o espumante. Aportam em solo gaúcho a italiana Martini & Rossi (1973); a francesa Moët & Chandon, com a denominção Provifin (1973); a canadense Seagran’s, produtora da linha Forestier; e posteriormente a norte-americana Almadén. Com elas, vieram novas formas de elaborar o espumante e a introdução de mudas certificadas como a Riesling Itália, Chardonnay e a Pinot Noir.
A Chandon, passa a plantar vinhedos próprios, instala tecnologia e filosofia internacional e traz do Chile o engenheiro agrônomo Mário Geisse para trabalhar na vinícola. A Martini & Rossi elabora o espumante De Gréville, introduz o uso de caixas plásticas de 18 quilos para a colheita da uva e traz o enólogo argentino Adolfo Lona para modificar paradigmas. Esta ergue uma nova fábrica para recepção e elaboração dos vinhos. Dos 150 produtores iniciais de uva, a empresa saltou para 1.100 viticultores, que entregavam até 150 toneladas por safra. Em 1978, é lançado no mercado o primeiro Moscatel Espumante produzido na Serra Gaúcha, o Asti Spumanti Martini. Um ano antes, a Chandon já havia lançado o Chandon Brut.
Enquanto isso, vinícolas nacionais entram no mercado de espumantes: a Cooperativa Aurora, instala, em 1975, três autoclaves para produção da bebida pelo sistema charmat e o engenheiro Mário Geisse funda a vinícola Geisse, em Pinto Bandeira – reconhecida até os dias atuais e de forma ‘informal’ como a produtora do melhor espumante brasileiro. Mais tarde, em 1995, a Miolo produz seu primeiro rótulo da bebida.
Em um mercado crescente de espumantes – em 1998, foram comercializados, segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), 3.252 litros de espumante produzidos no Rio Grande do Sul – normas são instituídas. No ano de 1982, a Martini já havia sido suspensa de comercializar seu Asti Martini devido ao desrespeito ao DOC italiano. Por isso, em 1995, o Brasil adere à Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), que regula e arbitra as principais questões relativas ao vinho. Começa-se a respeitar uma série de exigências legais, entre elas o impedimento de utilizar em seus rótulos expressões como champagne, por serem exclusivas das regiões francesas. Cabe ressaltar que a vinícola Peterlongo pode utilizar a palavra em suas garrafas. Durante anos, ela batalhou judicialmente e conseguiu, junto ao Supremo Tribunal Federal, o direito ao uso do termo champagne em território brasileiro ao provar que produzia o produto pelo método tradicional desde 1913. “Os caminhos abertos pela Peterlongo e pelas empresas internacionais se alargou com o trabalho que fazem muitas vinícola atuais. O futuro do espumante será brilhante”, conclui o enólogo Adolfo Lona.
Champagne x Espumante
Quantas vezes você ficou confuso se solicita um espumante ou um champagne num restaurante ou num evento? Pois muitas pessoas podem se confundir com a denominação, por isso é importante saber que espumante é um tipo de produto e que este pode ser elaborado em diversas regiões do mundo. Alguns locais possuem características especiais em seu clima, solo e relevo, e por isso se tornam mundialmente conhecidos. Esse é o caso da Champagne. Trata-se de uma região situada na França que ficou conhecida por produzir os melhores espumantes do mundo. Portanto, um champagne só pode ser produzido na Champagne. Ou seja, todo o champagne é um espumante, mas nem todo o espumante é um champagne.
Quero parabenizar o artigo, os produtores dos vinhos espumantes e, sobretudo, os pioneiros.
De fato o vinho espumante é a “cara do brasileiro” e o consumo desta bebida vem crescendo. Este fato é comprovado e temos orgulho de divulgar esta bebida aqui no cerrado brasileiro que, em condições adequada da temperatura de consumo, é a bebida indicada para os happy hour, para as festas, para os encontros entre amigos. Nós da Confraria Amigas do Vinho, Seção Brasília sentimos orgulhosas de fazermos parte deste mundo!
Tin-tin!