Em 1911 os pequenos produtores rurais viviam situações difíceis. Vendiam seus produtos a preços irrisórios aos comerciantes, que muitas vezes acrescentavam água ao vinho dos colonos para pagar menos ainda. Num cenário desses, o Brasil começava a absorver o pensamento ideológico europeu de aglutinação dos esforços agrários sob a forma de cooperativas. O Governo do Rio Grande do Sul abraçava a ideia de difundir esses conceitos e para que a implantação das cooperativas se concretizasse convidou o italiano Giuseppe Stéfano Paternò. Advogado, catedrático, especialista em cooperativismo, com grande experiência na causa, tido como um orador brilhante e já conhecendo a América – esteve pela primeira vez em solo americano em 1897, na Argentina, a trabalho – Paternò era o homem credenciado a dar corpo ao programa das cooperativas, já difundido nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Com apoio do ministério da Agricultura e Comércio do Estado, ministro Pedro de Toledo, e do governador Borges de Medeiros, o italiano chegou a Porto Alegre em 1° de setembro de 1911.

 

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O italiano Giuseppe Stéfano Paternò. (Foto: Reprodução)

Dias depois realizou sua primeira conferência sobre o cooperativismo no Teatro São Pedro. Segundo Maria Abel Machado e Vânia Herédia em 100 Anos de História – Câmara de Indústrias, Comércio e Serviços de Caxias do Sul “Dr. Paternò falava com elegância a língua italiana, contava dos resultados obtidos na sua pátria-mãe, tocando, friamente, na ferida mal pensada, realizou verdadeiros prodígios no cumprimento de seus objetivos”.

 

No mesmo mês, no dia 13, promoveu uma reunião na Vila Nova Itália nos arredores da capital e no dia 15 retornou ao núcleo e constituiu entre os lombardos, vênetos e tiroleses ali residentes uma cooperativa agrícola e uma caixa de crédito rural, marcos que assinalaram a iniciação do cooperativismo agrário no Rio Grande do Sul.

 

Com a ânsia de organizar a atividade cooperativista de seus patrícios e bastante dinâmico, Paternò não parava. Deslocava-se rapidamente de uma região para outra e do centro partiu para o Nordeste do Estado, dando início ao seu grande apostolado entre os agricultores da Serra. Em 22 de setembro, apenas 19 dias da chegada ao Brasil, desembarca em Caxias do Sul, cidade que se tornaria a irradiadora do movimento cooperativa-vinícola.

 

Militante
Na Pérola das Colônias, Paternò proferiu um inflamado discurso em que destacava a frase: “Todos por um e um por todos” para valorizar os produtos legítimos da terra, ganhar os mercados de consumo “emancipando-vos do estrangulamento de um comércio ilícito e da usura, desfrutando de vossos esforços trabalhados”. As palavras do italiano atingiram o público presente e todos aderiram a ideia das cooperativas.

 

Em Caxias, Parternò procurou também a entidade que deveria congregar os empresários locais. Como a Associação dos Comerciantes estava desativada optou por procurar seus antigos líderes, convidando-os para uma reunião que marcaria o reinício da Associação. Nesta ocasião, além de ter ficado estabelecido que seria dado todo o apoio a Paternò na missão que o trazia a Serra, foi nomeada uma comissão para reorganizar a Associação. Dez dias depois da chegada do italiano, em 2 de outubro de 1911, foi fundada a Cooperativa Agrícola de Caxias, com mil associados.

 

Na região, Paternò rumou para outras localidades, como Forqueta, Nova Vicenza, Nova Milano, Nova Trento, Nova Roma, Nova Treviso, Castro Alves e Antônio Prado, onde vai deixando suas ideias em palestras instrutivas e entusiasmadas. “Eu, que milito na fé do cooperativismo”, discursava. Em pouco tempo, desloca-se para Bento Gonçalves, Monte Belo, Santa Bárbara, Linha Paulina e São Marcos. Não tardou para que as cooperativas surgissem. Em Nova Pádua nasce a Cooperativa Dr. Paternò, em homenagem ao italiano; em Nova Trento a Cooperativa Trentina; em Farroupilha as cooperativas Nova Milano e Nova Vicenza; em Bento Gonçalves, Garibaldi e Alfredo Chaves, cooperativas com o mesmo nome das cidades. Essas cooperativas, embora agrícolas, tinham o vinho como produto principal. Fruto do trabalho de Paternò, em poucos meses, a Serra já contava com 16 cooperativas. Grande parte delas conseguiu construir suas sedes e comprar as máquinas necessárias para a produção. Juntaram-se na sociedade chamada de União das Cooperativas Riograndenses e tinham como meta uniformizar a produção de vinho. Para alavancar o setor, em dezembro de 1911, o Governo do Estado isentou as cooperativas de impostos territoriais, industriais e de exportação.

 

Queda
O traço marcante do trabalho de arregimentação de Paternò residia no fato incontestável de que foi o cooperativismo o instrumento com que os agricultores puderam contar para sair do caos em que mergulhava o vinho riograndense. O italiano havia fundado nove cooperativas, reunindo cerca de 3.674 associados e um capital inicial de 18.754 dólares. As cooperativas vinícolas dos pequenos produtores de Paternó tinham como objetivo realizar a centralização vinícola, aumentar a produção e substituir o artesanato doméstico por formas mais aperfeiçoadas.

 

Conforme a revista Globo, Paternó traçara um plano completo de cooperatização. “E empolgado por esse propósito, tão logo começaram as primeira sociedades a funcionar, isoladamente, tratou de organizar um órgão que as congregasse e disciplinasse a rede de cantinas para dar-lhes condições de sobrevivência e prosperidade”. Em 20 de setembro de 1912, com a fundação da União das Cooperativas, Paternò foi eleito diretor-geral.

 

A organização assumiu um compromisso bancário de Cr$ 300.000,00 para a construção de muitas das sedes. O plano era teoricamente perfeito, mas veio a decadência. A conjuntura econômica do país era ruim, começou a faltar dinheiro para as cooperativas e a crise se alastrou. Os comerciantes que antes tinham apoiado Paternò, aos poucos, voltaram-se contra o movimento cooperativista. “Em manchetes diárias a reputação de Paternò é martelada sem cessar, obcecada que estava em demolir o mito que ele encarnava”, escreveu a Revista Globo.

 

Para remediar a situação, Paternò sugeriu fazer empréstimos, porém parte da União das Cooperativas não concordou. Com intrigas com a diretoria, em 17 de abril de 1912 foi feita uma reforma no estatuto para extinguir os cargos de presidente e vice-presidente, mantendo apenas o de diretor-geral, no caso Paternò. Com isso, rompia-se a união com as cooperativas e o Centro Econômico do Rio Grande do Sul. Entretanto, a crise econômica já estava instalada, havia ataques a Paternò, campanhas de difamação pela imprensa nas ruas e atritos entre os setores. Em 17 de novembro de 1913, a União das Cooperativas havia se dissolvido. Os prédios começaram a ser fechados e os colonos voltaram a vender uva e vinho aos comerciantes que pagavam o que achavam certo. Em 1915, não havia mais nenhuma cooperativa em funcionamento.

 

Sementes
Com a queda do movimento cooperativista, surgiram as lágrimas e as maldições sobre a figura de Paternò, que se estenderam por um longo tempo. O italiano recebeu inúmeras críticas e acusações. E, em 1913, após dois anos no país, retornou inesperadamente a Itália. Conforme a historiadora e professora Loraine Slomp Giron, não se sabe a data certa em que Paternò faleceu, mas que viveu muitos anos, inclusive se correspondeu até a década de 1920 com brasileiros.

 

Apesar do fracasso e efêmero processo, Paternò implantou os ideiais cooperativistas, teve uma importante contribuição para o setor, promoveu os hábitos e os costumes do conservadorismo agrário e se orgulhava em dizer que, em tempos de conflitos políticos, “tinha um exército de quinze mil soldados cooperativistas”. A Revista do Globo escreveu: “Não foi Paternò, muito menos o sistema cooperativista por ele propugnado que falharam e reduziram a importância, o esforço e a dedicação de milhares de agricultores, mas a causa do fracasso só pode ser encontrado nas artimanhas que lhe armaram aqueles que viviam da intermediação desnecessária a sombra de administrações incapazes”.

 

Paternò teve sua ‘vingança’ contra as críticas em 1929, quando as ideias pregadas por ele ressurgiram e deram início a uma segunda fase do cooperativismo gaúcho, uma fase mais promissora e sob nova forma, mas acalentada nas lembranças pregadas por Stéfano Paternò.

 

Fontes
Professora e historiadora Loraine Slomp Giron; Cooperativas Vinícolas de Flores da Cunha, de Floriano Molon; 100 Anos de História – Câmara de Indústrias, Comércio e Serviços de Caxias do Sul, de Maria Abel Machado e Vânia Herédia; e http://www.italiaparatodos.com

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