O que esperar da vindima 2017 no Brasil

Dr. Samar Velho da Silveira
Pesquisador Embrapa Uva e Vinho

Bagas de Chardonnay em formação na Vinícolas Luiz Argenta, em Flores da Cunha.
Bagas de Chardonnay em formação na Vinícolas Luiz Argenta, em Flores da Cunha.

A safra de uvas de 2016 no Sul do Brasil foi atípica, se desenvolvendo sob condições climáticas fora das normais climatológicas e redundando em quebra de produção de até 65% em algumas propriedades. O que causou estas variações foi o fenômeno El Niño, de caráter atmosférico-oceânico, em que ocorre o aquecimento fora do normal das águas do Oceano Pacífico. Este fenômeno altera vários fatores climáticos regionais e globais como, por exemplo, índices pluviométricos, padrões de vento e deslocamento de massas de ar.

Poucas horas de frio e geadas tardias
A primeira grande consequência foi o insuficiente número de horas de frio no inverno para atender as necessidades fisiológicas da videira, resultando em deficiente superação da dormência de gemas e, por conseguinte, em uma menor brotação e, também, maior desuniformidade da brotação. Por outro lado, o inverno com temperaturas muito acima do esperado antecipou a brotação, ocorrida, em média, 15 dias antes em relação aos outros anos. Com isso, observou-se uma antecipação do período de colheita. O frio que não ocorreu como deveria no inverno, foi ocorrer tardiamente, resultando em duas geadas no começo da primavera, nos dias 11 e 12 de setembro, impactando nas primeiras brotações, sobretudo de variedades precoces como Chardonnay e Pinot Noir.

Chuva e granizo
Na sequência, observou-se ocorrência de chuvas e granizo. As áreas que escaparam dos danos de geada enfrentaram danos pelo excesso de chuvas e altas temperaturas na primavera, favorecendo a incidência de doenças fúngicas, como o míldio, por exemplo. Outra consequência é que a ocorrência de chuvas no período de floração diminui acentuadamente a polinização e a frutificação e, por consequência, o número de bagas por cacho. Posteriormente, algumas áreas, ainda, sofreram danos por queda de granizo, reduzindo e danificando a produção.

Qualidade e quantidade da uva colhida e as consequências para a safra 2017

Alguns reflexos negativos das intempéries ocorridas na safra de 2016 devem ocorrer na safra de 2017. O excesso de chuvas, por exemplo, favoreceu o surgimento de doenças e, por conseguinte, aumentou o número de pulverizações nos parreirais. Nessa tentativa de tentar salvar a produção, os produtores utilizaram, muitas vezes, o trator com o solo ainda encharcado, o que predispõe o solo à erosão e à consequente perda de fertilidade.
Por outro lado, as geadas fora de época e a queda de granizo danificam as gemas, tendo influência negativa na safra seguinte, pois os rudimentos ou primórdios das inflorescências da videira em regiões de clima temperado são formados durante a estação que precede o ano no qual as flores vão surgindo.
Portanto, se um ramo vai produzir mais cachos ou gavinhas numa safra, isto é determinado no ano anterior. Qualquer dano que as gemas sofram, portanto, afeta a formação de cachos no ano seguinte. A magnitude desses danos depende, e muito, do manejo que o viticultor exerce no vinhedo após a ocorrência do mesmo. Nesse sentido, a perda de substâncias de reserva, dos prejuízos na brotação e na formação de cachos nessa safra será menor nos parreirais em que o agricultor executou a poda sanitária: poda dos ramos danificados por granizo, visando o rebrote, seguida por pulverização com fungicida cúprico e, em plantas com sintomas de deficiência de vigor, da adubação de acordo com análise de solo e foliar.

Cenário

O cenário deste ano tem sido diferente do ano passado, com suficiente número de horas de frio no inverno, ocorrência de granizo apenas em áreas isoladas e, ao invés do El Niño, a previsão é de La Niña fraca, o que nos permite esperar por um clima menos chuvoso e menos húmido do que na safra passada.
A quantidade de horas de frio no ciclo vegetativo 2016-2017 (temperaturas abaixo de 7,2 °C) foi satisfatória, sendo superior a 600 horas, quando a média histórica é de 410 horas. Além de frio suficiente, o mesmo foi mais constante do que vinha sendo observado em anos anteriores, sem a ocorrência de veranico de forma pronunciada. Portanto, nesse ano, houve adequada quebra de dormência das gemas, brotação adequada e mais uniforme, o que assegura um potencial volume expressivo de produção.

A partir de agora é preciso prestar atenção na floração, a qual está iniciando. Tecnicamente, a floração ocorre quando a caliptra se abre expondo os estames (órgão masculino da flor) e o pistilo (parte receptiva do órgão feminino), o que se dá em torno de oito semanas após a brotação. Mas, em um mesmo vinhedo, agora, é possível ver plantas em estádio de pré-floração (figura 1), ou seja, na fase ainda do desenvolvimento de folhas e das inflorescências (10 a 12 folhas separadas e flores ainda fechadas) e plantas no início do florescimento (figura 2), ou seja, primeiras flores abertas nos cachos. Se as condições climáticas forem favoráveis, os grãos de pólen germinarão e formarão o tubo polínico que penetrará no estigma, percorrendo todo o pistilo até alcançar o óvulo, ocorrendo, então, a fecundação.
Chuvas e alta umidade durante a floração reduzem a fecundação do óvulo, seja por ‘lavar’ o pólen, impedindo-o de chegar ao pistilo, seja por impedir a completa abertura da caliptra ou, ainda, por interferir na germinação do grão de pólen. Sem polinização, no caso da videira, o normal é que ocorra abortamento floral e a não formação do fruto. Por outro lado, uma polinização insuficiente ocasiona a pouca ou incompleta formação de sementes, as quais influenciam no formato e no tamanho dos grãos de uva. Nesse sentido, as chuvas em excesso que ocorreram na segunda metade de outubro prejudicaram as variedades precoces que estão entrando em floração, como Isabel Precoce, Chardonnay e Pinot Noir.

La Niña’ e suas consequências

Ao que tudo indica, no entanto, as chuvaradas não devem ter, nessa safra, a mesma intensidade da safra passada, a qual foi marcada pelo El Niño, pois há significativa probabilidade de termos uma transição para o fenômeno conhecido por La Niña, o qual se caracteriza pelo resfriamento das águas do Pacífico, ocasionando, na Região Sul do Brasil, maior amplitude térmica diária ao longo da primavera, precipitação abaixo do normal nos meses de novembro e dezembro e redução de chuvas nos meses de janeiro a abril. Com relação às temperaturas, o La Niña ocasiona temperaturas mínimas abaixo do padrão climatológico e temperaturas máximas acima do normal, verificando-se noites mais frias e dias mais quentes.

Segundo as previsões climáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para o Rio Grande do Sul no final de 2016, o gradativo aumento das anomalias negativas observadas nestes últimos meses no Pacífico Equatorial Central, associado ao padrão próximo à normalidade no Atlântico Sul, são indicadores de que a circulação atmosférica manterá redução da umidade sobre o Rio Grande do Sul. A regularidade das massas frias juntamente com a redução de umidade contribuirá para diminuição das precipitações, especialmente no mês de novembro. O predomínio de massas com menor umidade causará maior amplitude térmica diária ao longo da primavera.

Essas condições meteorológicas menos favoráveis à ocorrência do míldio deverá reduzir o número de pulverizações necessárias ao seu controle no parreiral. No entanto, temperaturas e umidade mais baixas favorecem a ocorrência de oídio na videira que, nas nossas condições, costuma ocorrer principalmente a partir da terceira semana de dezembro, devendo os viticultores estarem alertas no monitoramento e controle desse patógeno. Para o primeiro semestre de 2017, as previsões são de 70% de chances de que o La Niña se concretize.

Esse quadro é favorável para a obtenção de uvas de qualidade enológica superior. Igualmente, não deve ocorrer maior redução da produtividade dos parreirais por uma menor ocorrência de chuvas, já que a videira tolera secas moderadas. Por outro lado, é importante que o produtor realize um efetivo monitoramento de pragas e doenças, lançando mão do emprego de armadilhas, feromônios, frascos caça-moscas e análises visuais dos sintomas de doenças, realizando os tratamentos fitossanitários somente quando o monitoramento recomendar.

Em Santa Catarina

As condições climáticas da safra 2016 no Estado de Santa Catarina não diferiram muito das ocorridas no Rio Grande do Sul. Lá também houve, no início, um inverno atípico com temperaturas elevadas e brotação precoce. Na sequência, geadas primaveris que prejudicaram a brotação e, em seguida, a ocorrência de granizo e precipitações elevadas, tendo como consequência uma umidade elevada, o que contribuiu para o surgimento de fungos, sobretudo o míldio (figuras 3 e 4).

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Esse conjunto de fatores determinou uma forte redução da produtividade. Mais para o final do mês de janeiro, assim como aqui, as precipitações diminuíram e os dias tiveram temperaturas altas com algumas noites frias, tendo essa amplitude térmica favorecendo a maturação e, portanto, a obtenção de vinhos de qualidade para os produtores que conseguiram garantir a colheita de parte da sua produção. À semelhança do Rio Grande do Sul, o panorama foi melhor para as variedades de ciclo intermediário e tardio, tais como Syrah, Marselan e Cabernet Sauvignon, por exemplo. Devido à proximidade geográfica dos dois Estados, os efeitos do clima devem ser semelhantes em ambos e, portanto, espera-se uma safra 2017 também de melhor qualidade e de maior quantidade no Estado catarinense.

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