Em entrevista, ministro Pepe Vargas fala da importância
dessa escolha e como o setor se desenvolveu em 2013
Gesiele Lordes
gesiele@editoranovociclo.com.br
O tema agricultura familiar – segmento responsável por 70% da produção de alimentos no país – tem ganhado espaço na opinião pública, impulsionado também por propostas políticas e pela valorização de uma modo de vida mais saudável e, consequentemente, dos bens produzidos pela terra. Porém, o assunto ganhou notoriedade mundial no fim do ano passado, quando a Organização das nações Unidas elegeu 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar.
Em 55 países do mundo já foram criados comitês que irão definir as atividades realizadas ao longo do ano. Representantes de organizações da sociedade civil, organizações de agricultores familiares, produtores e organizações cooperativas, setor privado, instituições de pesquisa e universidades devem contribuir nas ações. No Brasil, o comitê já foi definido e deve apresentar propostas de ações e medidas governamentais em fevereiro.
O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), destaca para este ano a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), já aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo ele, um dos desafios dos próximos governos é fortalecer a agricultura familiar e diminuir a desigualdade social no meio rural.
Pepe Vargas deve deixar o Ministério do Desenvolvimento Agrário em fevereiro para retornar à Câmara dos Deputados e tentar a reeleição (foi eleito deputado federal em 2010). A seguir, os principais trechos da entrevista realizada pelo A Vindima com o ministro, quando ele faz um balanço de 2013 e informa a antecipação do Plano Safra 2014.
A Vindima: Como o senhor avalia o ano de 2013 para a agricultura familiar?
Pepe: Foi um ano bastante positivo. Tivemos no ano safra de 2012 para 2013 um recorde de contratação de crédito. Pela primeira vez na história do Plano Safra da agricultura familiar se ultrapassou o volume de crédito inicialmente anunciado. Nós havíamos anunciado R$18 bilhões e acabou se contratando R$ 18,6 bilhões. Em torno de 60% desse crédito contratado foi voltado para investimento, isso significa que o agricultor está investindo na propriedade, está, portanto, criando condições para aumentar a sua produtividade, sua renda. Outra questão que eu acho importante é que o Congresso Nacional aprovou, em dezembro, a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que vai nos permitir não só ampliar o acesso do serviço de assistência técnica e extensão rural para os agricultores familiares, mas principalmente melhorar a qualidade do serviço por conta da modelagem que a gente vai empreender nela, fazendo uma aproximação entre assistência técnica e extensão rural e a pesquisa agropecuária para levar para os agricultores familiares tecnologias adequadas e com isso termos crescimentos de produtividade e renda. O ano de 2013 também marcou a entrada do programa nacional de ensino técnico no campo. A gente tem ofertado cursos técnicos de formação inicial continuada para agricultores familiares. Principalmente a juventude tem feito estes cursos. Nós iniciamos com 30 mil vagas no ano passado. Este ano a gente acredita que vai poder aumentar. Isso é muito importante.
AV: Quais são os desafios que o país enfrenta neste segmento?
Pepe: Um país da dimensão continental do Brasil sempre vai ter desafios grandes. São quatro milhões e 300 mil agricultores familiares. Nem todos eles têm o pleno desenvolvimento. Nós temos desde agricultores extremamente capitalizados, com acesso à tecnologia, com renda muito boa até situações de pobreza no meio rural. Então o desafio é ampliar a produção, ampliar a renda da agricultura familiar e ter políticas focadas também para a situação da pobreza rural, para retirar estas pessoas da pobreza e ao mesmo tempo garantir que a agricultura familiar ocupe um espaço no mercado de consumo de alimentos. Nós estamos vivendo nos últimos 10 anos uma situação no Brasil em que há um crescimento da capacidade de consumo da população, em função do crescimento da renda. São 40 milhões de pessoas que ascenderam à classe média, 36 milhões de pessoas que saíram da extrema pobreza, então estas pessoas ampliaram sua capacidade de consumo, consequentemente estão comprando mais alimentos, não só alimentos in natura, mas também processados, agroindustrializados. Nosso desafio estratégico para os próximos anos é fortalecer a agricultura familiar para ocupar este mercado, ampliando a agroindustrialização, ampliando o espaço das cooperativas, para elas ocuparem este espaço no mercado, porque alguém vai ocupar este mercado e isso significa alguns bilhões de reais que todos os anos envolvem a comercialização de produtos alimentares. Nós – e não só o governo, mas as organizações econômicas e entidades representativas do setor – temos que construir estratégias que capacitem os agricultores a ocupar este espaço.
AV: De que forma o investimento na agricultura familiar interfere nos demais setores da economia?
Pepe: Quando o agricultor faz investimento – ele faz linha de crédito ou investe com recursos próprios – ele movimenta toda uma cadeia produtiva do setor de máquinas, do setor de equipamentos. Para citar um exemplo, pega a linha do Pronaf Mais Alimentos; tem um rebatimento direto na indústria de máquinas e implementos agrícolas, consequentemente acaba estimulando a indústria brasileira. O mesmo vale para toda a cadeia de insumos voltados à agricultura familiar. O mesmo vale para tudo que ela gera no setor agroindustrial, na agroindustrialização dos produtos; aí tem várias cadeias produtivas: do leite, da carne, da fruticultura. Tudo isso vai gerando emprego, renda. A agricultura é uma questão básica para a sociedade. A agropecuária responde por aproximadamente ¼ do PIB brasileiro, e eu estou falando de um país que é o sétimo PIB do mundo. E neste universo de quase ¼ do PIB do Brasil que sai da agropecuária, a agricultura familiar é responsável por 33% do valor total da produção da agropecuária brasileira.
Antecipar o anúncio do Plano Safra está nos planos do governo
AV: A perspectiva de crescimento das pequenas cidades baseada na instalação de empresas está ficando para trás? Já pensa-se mais na agricultura?
Pepe: Tem um debate que se faz que é discutir o conceito de ruralidade. O IBGE trabalha aspectos do rural mais restritos. A ruralidade vai além do espaço essencialmente rural. Há pequenos municípios que têm características urbanas, mas estão profundamente ligados ao rural. Quando você pega as estatísticas do IBGE vai computar muita coisa como urbano, quando na realidade aquilo tem uma relação mais direta como rural. A agricultura tem sido importante para a interiorização da infraestrutura no Brasil. Tem regiões no Brasil onde a agricultura cumpre um papel importante – regiões que historicamente não receberam a estrutura adequada e hoje passam a receber. Investimentos importantes na construção de estradas, de ferrovias, novos modais de transportes hidroviário, para escoamento de produção, principalmente para exportação, diretamente ligado com o setor agrícola. Eu diria que é muito importante. Nós estamos com um programa grande dentro do PAC, que é responsabilidade do MDA, que é o PAC Equipamentos, que está beneficiando 5.061 municípios no Brasil, que são municípios com até 50 mil habitantes. É uma demanda que vem da agricultura: melhorar as estradas vicinais do interior do Brasil. Nós estamos doando máquinas para estas prefeituras. Todas elas estão recebendo um kit de máquinas composto por retoescavadeira, motoniveladora e caminhão-caçamba para terem melhor capacidade de cuidar dessas estradas vicinais, com isso estamos atendendo 83% da população rural brasileira. Estamos comprando 18 mil e poucas máquinas, todas produzidas no Brasil, gerando emprego e estimulando a indústria de máquinas pesadas e a indústria de caminhões.
AV: O que está previsto no Plano Safra deste para 2014?
Pepe: Nós vamos começar a discussão agora do plano Safra 2014. A ideia básica é antecipar. Ano passado a gente antecipou um pouquinho. Normalmente era mês de junho, nós fizemos em maio. Este ano a ideia é antecipar mais ainda. Tem algumas regiões do Brasil que precisam do anúncio do plano safra um pouco mais cedo, em função de calendário agrícola. Então a gente está pensando em antecipar, mas a conversa está começando agora.
AV: A ONU elegeu 2014 como o ano internacional da agricultura familiar. Quais são os reflexos práticos disso?
Pepe: Primeiro, se as Nações Unidas decretaram o ano de 2014 como o ano internacional da agricultura familiar é porque a agricultura familiar cresceu muito em todos os países. Nós saímos de uma situação de inexistência de políticas públicas para a agricultura familiar, e o Brasil foi o país que saiu na frente nisso. É um país que tem leis, que define quem é o agricultor familiar, que tem instrumentos de fomentos e apoio, como crédito e seguro, programas de garantia de preço, programas de garantia de renda, assistência técnica, enfim. Mas, hoje, os países que não tinham políticas públicas para a agricultura familiar passaram a ter a tal ponto que foi lançado no início de dezembro de 2013 o ano internacional lá na sede da ONU, em Nova Iorque, e nós já estamos com 55 países com comitês nacionais de organização de atividades do ano internacional da agricultura familiar. O nosso comitê também já está instalado aqui no Brasil e vai nos trazer as propostas. Uma das questões com certeza é a criação da agência nacional de assistência técnica e extensão rural. Isso vai ser importante no ano internacional. Além da questão da agência, tem um conjunto de outras questões que vão permitir que a gente possa avançar no tema da agricultura no ano internacional.
AV: Qual foi o grande aprendizado que o senhor teve podendo visitar diversas regiões do Brasil?
Pepe: O Brasil é um pais que tem uma diversidade fantástica, que tem um povo profundamente trabalhador, que tem toda a condição de transformar este país numa grande potência. O Brasil já é um grande produtor de alimentos e vai fortalecer esta vocação nos próximos anos; é um país que tem ainda muitas mazelas sociais decorrente de mais de séculos de exclusão. O grande problema do Brasil é que tivemos durante muito tempo uma parcela da população excluída, mas nós estamos superando isso. Eu acredito que o Brasil vai chegar um ponto sem mais ninguém pobre e com direitos: educação, saúde, moradia digna, trabalho para todos os seus habitantes.
AV: Se candidato e eleito deputado federal, o senhor pretende trabalhar para o desenvolvimento do segmento? De que forma?
Pepe: Eu não falei com a presidenta Dilma sobre esta questão. O debate que tem dentro do nosso partido aí no Rio Grande do Sul é que os companheiros e companheiras que detém mandato eletivo recoloquem o nome à disposição do partido para concorrer, mas a presidenta me convidou para vir para o ministério há dois anos atrás, então antes de sair tenho que falar com ela, e esta conversa não aconteceu ainda. Agora em fevereiro eu devo ter esta conversa com ela.