Piscicultura, uma alternativa de renda sustentável

Criação de peixes em cativeiro está em ascensão no Estado.
Em Guaporé, lei incentiva a atividade e a agroindústria familiar

 

Quando se pensa no setor primário da Serra Gaúcha, logo vem à mente atividades ligadas à fruticultura e à olericultura. No entanto, não é de hoje que produtores têm se dedicado a prática da piscicultura, ramo que nos últimos anos tem se expandido no Rio Grande do Sul e também na região Nordeste do Estado – apesar da maioria dos produtores dos municípios ainda praticar a criação de peixes de forma extensiva, aproveitando a existência de algum corpo hídrico construído para o armazenamento de água ou para irrigação.

Conforme dados da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, o Estado possui 50 mil produtores de peixes em cativeiro. A produção estadual é de aproximadamente 17 mil toneladas em cerca de 20 mil hectares de lâmina d’água. As principais regiões de cultivo são Ijuí e Lajeado. A Universidade Federal do Rio Grande (Furg) está realizando uma pesquisa sobre a produção no Estado e em suas regiões. “É um mercado em ascensão no Brasil, até porque o consumo de peixes é indicado para todos. Sempre tivemos açudes na nossa região, o que está acontecendo é uma revalorização, com o uso de tecnologia e cuidados específicos com cada espécie. A piscicultura é uma alternativa de renda muito boa ao agricultor e que não demanda muitos cuidados”, aponta o engenheiro agrônomo da Emater-RS de Guaporé, Antonio César Perin.

O município de Guaporé é um dos que tem investido forte no cultivo de peixes em cativeiro. Na cidade, são mais de 200 açudes e uma dezena de produtores. Uma lei municipal, aprovada em 2013, criou o programa de desenvolvimento da cadeia produtiva da aquicultura familiar. O intuito é promover ações de apoio e incentivo à atividade da piscicultura na fase de implantação (construção de açudes, barragens e tanques) visando aumentar a produção e agregar valor às famílias rurais. Para isso, a prefeitura de Guaporé ajuda com subsídios de máquinas para construções e adequações dos açudes, barragens e tanques.
Foi com esse apoio que Luiz Carlos e Marcelo Treviso fundaram, há oito meses, a Natupeixe, uma agroindústria que realiza a filetagem da tilápia. Em menos de um ano, eles já abatem mil quilos da espécie por dia, vendem 80% da produção em Guaporé, participam do Programa Nacional de Alimentação Escolar com entrega de peixes para as escolas do município e já pensam na expansão do negócio. “Está nos surpreendendo porque não imaginávamos que as pessoas consumissem tanto peixe. A piscicultura está em alta e desconheço uma atividade no meio rural com tanto lucro como o peixe está dando hoje”, comemora Marcelo.

 

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Luiz Carlos e Marcelo Treviso montaram uma agroindústria, em Guaporé, que abate mil quilos de peixe por dia. (Fotos: Danúbia Otobelli)

 

De acordo com dados divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2013, o Brasil aumentou o consumo per capita de peixes. O crescimento foi de 4 kg/ano para 9 kg/ano nos últimos oito anos. O ideal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é um consumo per capita de 12 kg de peixe por ano por habitante. O mercado em expansão visa atingir essa meta mundial. “O potencial hídrico brasileiro para a piscicultura é muito bom e com uma necessidade da produção de peixes de território, porque o mar tem chegado ao seu limite”, destaca Perin.

Aspectos da piscicultura
O cultivo de peixes é uma atividade praticada há muitos séculos. No Brasil, a grande maioria dos produtores é proveniente da agricultura familiar, pois a atividade utiliza pouca mão de obra e pode ser praticada concomitantemente com outras culturas. Além disso, a criação de peixes não causa grandes impactos ambientais, o que a torna uma atividade sustentável. “A grande vantagem da piscicultura é que é mais um componente de diversificação nas propriedades e usando o mínimo de tecnologia se tem um retorno muito bom. Além disso, é uma alternativa para quem quer desenvolver outras atividades, paralelamente às já desenvolvidas. Claro que para se obter lucro é preciso cuidar, de nada adianta colocar os peixes e só olhar na hora da retirada”, afirma o engenheiro agrônomo, Antonio César Perin.

 

Como investir na piscicultura

Quem quiser investir na atividade, o primeiro passo é procurar assistência técnica para elaboração do projeto e avaliar a viabilidade técnica e econômica do investimento. Os gastos iniciais se tornam altos, principalmente na primeira etapa quando ocorre a construção dos viveiros. De acordo com o zootecnista da Emater/RS, Jaime Eduardo Ries, é preciso identificar se na propriedade existe uma área adequada para a instalação, bem como conhecer a disponibilidade e a qualidade da água para abastecimento dos tanques ou açudes. É preciso ainda definir o nível de intensificação do sistema de criação (extensivo, semi-intensivo e intensivo). “O produtor terá que definir a espécie a ser cultivada e o sistema de criação (monocultivo ou policultivo). Levando em conta a adaptação das diferentes espécies ao local, as condições disponíveis para criação, as demandas do mercado e as limitações da legislação ambiental”, explica o zootecnista.

As etapas seguintes consistem na execução do projeto, com a correção do solo; a aquisição de alevinos isentos de doenças; o monitoramento da água; e a alimentação dos peixes de acordo com cada espécie. No Rio Grande do Sul, devido ao frio, a desova dos alevinos geralmente é feita no final do inverno para que dentro de oito a dozes meses os peixes sejam alimentados e retirados. As rações devem ser distribuídas em várias refeições ao dia (pelo menos três vezes), sendo necessário conhecer a proporção adequada de nutrientes para cada espécie de peixe. Numa média, o custo com a alimentação representa 65% do total da produção.

Na região da Serra Gaúcha, espécies como a carpa (húngara, prateada, cabeçuda e capim), por serem mais resistentes à baixa qualidade da água, são as mais cultivadas, geralmente no sistema de policultivo (várias espécies num mesmo tanque ou açude). “No entanto, essas espécies apresentam menor preferência por parte dos consumidores, e, consequentemente, menor mercado e preço para venda direta a consumidores e abatedouros”, explica Ries.

As espécies mais apreciadas pelos consumidores são a Tilápia e o Catfish, pois possuem filé com carne branca, sem espinhos e de sabor mais suave. Entretanto, conforme o engenheiro agrônomo Antonio César Perin, o frio da região é um empecilho para a criação da tilápia. “Esse tipo de peixe não aguenta temperaturas abaixo dos 6° a 7°, então se o açude não tiver água nascente, a espécie corre o risco de morrer no inverno”, explica.

Cuidados
O sucesso da piscicultura está diretamente relacionado com a capacidade de perpetuação das espécies, para isso os produtores precisam tomar certos cuidados. Por exigir conhecimento técnico, é importante que os agricultores recebam orientações de profissionais habilitados. “Tem que monitorar rotineiramente os parâmetros de qualidade da água, realizar intervenções necessárias para corrigir o que está em desacordo, verificar a sanidade, o desenvolvimento dos peixes e realizar correções no manejo, sempre que necessário”, diz Ries, que complementa que nos últimos anos, a construção de abatedouros de peixes na Serra tem contribuído para o aumento na demanda por peixes e para um maior incentivo no aperfeiçoamento da piscicultura, o que garante comercialização além da Semana Santa.

 

Gerando lucros familiares

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Luiz Treviso no tanque de chegada dos peixes.

Há quatro anos, Luiz Carlos Treviso e o filho Marcelo Treviso investiram na criação de tilápia na propriedade da família na Linha 7ª Brasil, em Guaporé. No início, eles apenas criavam o peixe, mas com o passar do tempo começaram a abater para produtores próximos. A ideia ganhou forma e pai e filho procuraram ajuda da Emater para a construção de uma agroindústria familiar para abate e filetagem da tilápia. Com apoio do órgão, da prefeitura de Guaporé e de linhas de crédito para agricultura familiar, eles fundaram a Natupeixe, uma empresa que integra o Programa Estadual da Agroindústria Familiar do Rio Grande do Sul, possui o selo ‘Sabor Gaúcho’ e o título de ser a única a ter registro de abatedor de tilápia no Estado.
Hoje, oito meses após a fundação, a agroindústria familiar abate cerca de mil quilos de peixe por dia e conta com o fornecimento de 50 produtores de municípios próximos. Ao todo, por ano, são dez mil peixes (grande parte de tilápia, mas há também carpa e jundiá) entregues. A produção própria da família gira em torno de 30% a 35% dos abates. “Quando inauguramos achei que íamos processar 500 quilos ao dia, mas já estamos com o dobro. Superou as nossas expectativas”, diz Luiz Carlos.

O negócio deu tão certo que a família já pensa em aumentar os lucros. Para breve, deverão expandir a área e elevar a capacidade de abate, além de aproveitar mais do produto. Por ser uma carne de primeira qualidade, o filé de tilápia tem grande parte de sua carne descartada e a intenção é aproveitar 100% do peixe para produção de ração, que hoje é feita por outra empresa. “Estamos com várias ideias e queremos expandir a agroindústria, aproveitando todo o seu potencial”, explica Marcelo.

A agroindústria funciona da seguinte forma: um caminhão próprio – equipado com caixa térmica e oxigênio – vai até a propriedade dos criadores e retira o peixe. Na empresa, o peixe, com uma média de 700 gramas, é colocado num tanque oxigenado e depois despejado num freezer com gelo onde leva um choque térmico. Em seguida, passa para o corte, retirada da pele, filetamento e embalagem. Toda a água usada no processo é reaproveitada para a engorda do peixe.

Conforme os proprietários, cerca de 80% da comercialização ocorre no município. Para o programa da merenda escolar já foram entregues 400 quilos. “Estamos apoiando e incentivando os produtores a investirem na criação de peixes, porque é uma atividade que possui um custo inicial de investimento alto, mas também tem um retorno alto e é uma alternativa de renda, pois não atrapalha outras atividades”, aponta Marcelo.

A família deverá integrar em breve a cooperativa de Guaporé, união de diversos agricultores com a oferta de produtos variados com o intuito de facilitar a comercialização.

 

Sobre a tilápia

A tilápia é a espécie mais adequada para criação em represas e açudes das propriedades rurais. Tem origem africana, mas está difundida em todo o mundo. A maioria das espécies de tilápias reúne grande parte das características desejáveis em peixes destinados à exploração comercial, por apresentarem: boa adaptabilidade às condições ambientais; boa conversão alimentar e ganho de peso; alta rusticidade; boa resistência quanto aos níveis de oxigênio na água; resistente às doenças e carne de boa aceitação.
A China é o maior produtor da espécie, como 310 mil toneladas anuais, o que corresponde a 60% da produção mundial.

(Fonte: Emater)

 

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Filetagem da tilápia na agroindústria Natupeixe.

 

Curso de formação em Montenegro

Para fomentar a produção de peixes em cativeiro, o Centro de Formação de Agricultores de Montenegro (Cetam) realiza dois cursos de treinamento na área de piscicultura. Os cursos são destinados à criação de peixes e ao processamento artesanal do pescado, apresentando aos alunos informações sobre a escolha do local, o planejamento, as principais espécies de peixes criados em açudes e tanques, a alimentação e a comercialização. O curso de processamento artesanal ensina como abater os peixes, fornece dicas de limpeza e cortes, além de conservação e receitas. Os dois cursos estão com vagas para os meses de agosto, setembro, outubro e novembro (veja abaixo).

O Cetam, coordenado pela Emater/RS-Ascar, dispõe de infraestrutura para realização dos cursos ofertados. Tem capacidade para hospedar até 33 pessoas, disponibiliza hospedagem, alimentação e material didático.

Cursos

Piscicultura – Criação
Datas: 11 a 15 de agosto/ 8 a 12 de setembro/ 27 a 31 de outubro/ 10 a 14 de novembro
Carga horária: 40h
Investimento: R$ 330

Processamento artesanal de pescado
Datas: 17 a 19 de setembro/ 1 a 3 de outubro/ 3 a 5 de dezembro
Carga horária: 24h
Investimento: R$ 220

Inscrições: Rua Hans Varelmann, s/n – Bairro Zootecnia
Fone: (51) 3632.1261 ou (51) 3649.5571
E-mail: ctmnegro@emater.tche.br

Por Danúbia Otobelli
danubia@editoranovociclo.com.br

 

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