Cerca de 60 dias antes do início da safra, o viticultor deve começar a prestar atenção a um determinado gênero de manejo, visando à obtenção de uva de qualidade no futuro próximo. Trata-se da pode verde, prática que possui algumas ‘variantes’ (desbaste de brotos, amarração, desponte de ramos e desfolha), sendo recomendável tanto para variedades Vitis vinifera como para híbridas ou americanas. Mas se exigir envolvimento em demasia do produtor, é sinal de problemas…
“A poda verde, por si só, é um manejo importante, mas paliativo”, afirma o engenheiro agrônomo Henrique Pessoa dos Santos, pesquisador em fisiologia vegetal da Embrapa Uva e Vinho. “Se está demandando muito trabalho, como ferramenta para controle do vigor da planta, é porque o vinhedo está em desequilíbrio; em contrapartida, se a planta está em equilíbrio, fica reduzida a exigência de poda verde”, completa.
É que a poda verde, de acordo com o pesquisador, é “uma ponta” de um processo: por isso, é preciso compreender um quadro mais amplo quanto a sua necessidade de uso. O raciocínio, ensina ele, parte da compreensão das duas relações de proporcionalidade da videira: 1) entre parte aérea e raiz; 2) entre crescimento vegetativo (peso de folhas e ramos) e produção (peso de cachos). Ambas são determinadas pela proporção de fonte e de dreno que existe entre os diferentes tecidos de uma planta. “Em resumo, nas plantas com porta-enxerto vigoroso sempre ocorrerá maior vigor de parte aérea; em plantas com grande potencial de frutos, se não suportado pelo vigor de raízes, haverá restrição no crescimento de ramos e folhas”, diz Pessoa dos Santos.
Em tal sentido, sempre que se tiver um vinhedo em área com grande disponibilidade hídrica, alta nutrição e solos profundos, haverá um crescimento radicular maior e, consequentemente, maior vigor no desenvolvimento da copa. “Mas este vigor pode ser direcionado, para a produção ou para o crescimento vegetativo, e a poda verde auxilia neste controle de direção”, ressalta o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho.
O ideal – Em um ‘ciclo desejável’, deve-se proceder com o objetivo de proporcionar à planta maior exposição ao sol (principalmente na posição dos cachos), por meio do manejo, o que só trará benefícios, como a maior uniformidade na maturação e qualidade enológica dos frutos. Nas imagens acima pode-se compreender ainda melhor o significado disto: fica fácil imaginar a diferença nos resultados em termos de qualidade da uva a serem obtidos pelo vinhedo em que se deixou o dossel (a superfície foliar da planta) aberto e entre aquele em que a vegetação foi mantida sem manejo (fechada). E o fato é que os dois são conduzidos pelo mesmo sistema – o de Y… Portanto, o sistema de condução, por si só, não responde pela qualidade da matéria-prima.
No mesmo sentido, alerta Pessoa dos Santos, um equívoco bastante frequente na região da Serra Gaúcha é acreditar que a alta densidade de vinhedos, com espaçamento, por exemplo, de 2,5 metros na fila por 0,8m na linha, é uma alternativa válida para controle do vigor. “A planta terá maior vigor sempre, demandando maior manejo através de poda verde”, assinala. Em locais com excesso de vigor é necessário que as plantas fiquem com mais gemas no momento da poda seca. Para isso, às vezes é necessário aumento de espaçamentos (retirada de plantas na linha) ou reconversão de sistema de condução, para permitir a sustentação de plantas maiores. Desta forma, o vigor será diluído num maior número de brotações, o que exige menor volume de poda verde para gerar condições adequadas de luz, umidade e temperatura na posição dos cachos (microclima do vinhedo), importante para sanidade, maturação e, consequentemente, qualidade enológica.
Outro erro é a “lenda”, nas palavras do pesquisador, segundo a qual não se deve retirar a folha oposta ao cacho, quando se efetua a prática da desfolha no início da maturação. “A folha só é importante se recebe sol; se não, torna-se um ‘dreno’ de carboidratos (os fotoassimilados), competindo com os cachos, para se manter viva”, esclarece. Ou seja, folhas sombreadas devem ser evitadas.
Quem quiser mais detalhes sobre o tema tratado neste texto pode consegui-los na página virtual da Embrapa Uva e Vinho, no artigo intitulado Aspectos ecofisiológicos na condução da videira e sua influência na produtividade do vinhedo e na qualidade dos vinhos, de autoria do próprio Pessoa dos Santos. Para acessá-lo, o endereço é www.cnpuv.embrapa.br (já no site, no menu à esquerda, deve-se clicar em ‘Publicações’ e, depois, em ‘Comunicado Técnico’; o referido trabalho, do ano de 2006, é o de número 71).
Orientações específicas para este ano
Por conta da primavera com chuvas frequentes neste ano, como decorrência do fenômeno El Niño, a necessidade de uso da poda verde se torna maior, nota Henrique Pessoa dos Santos. É que a abundância hídrica proporciona à planta um crescimento vegetativo maior e mais rápido, o que exige do viticultor, além de maiores cuidados fitossanitários, com aplicações de produtos, uma maior atenção no manejo de poda verde.
No contexto, as práticas recomendadas para desde já, até a mudança de cor das bagas (na segunda quinzena de dezembro), são, independentemente do sistema de condução, conforme o pesquisador:
* O desbaste, ou retirada de brotos ‘ladrões’ (ou seja, as brotações que saem de gemas da madeira velha, que, via de regra, são inférteis);
* A orientação e amarração dos ramos, de modo a manter a organização do dossel vegetativo.
Para a partir da segunda quinzena de dezembro a preocupação deverá ser o desponte de ramos, sendo, talvez, necessário repeti-lo mais adiante. Contudo, a recomendação é por adiar o primeiro desponte ao máximo (até o final da primeira quinzena de janeiro, se possível) para evitar brotações laterais.
Nesta mesma época do desponte, que coincide com o início da maturação, recomenda-se a retirada das folhas basais (sombreadas) e das feminelas (brotos laterais dos ramos do ano).
O pesquisador em fisiologia vegetal observa que se a planta continuar crescendo durante o período de maturação (após a mudança de cor) é porque o vinhedo está em desequilíbrio. Em tal caso, é preciso rever a adubação e a carga de gemas (que pode ter sido insuficiente para o local) e talvez, em conseqüência, estudar a reconversão para outro sistema de condução, considerando a capacidade de acomodar plantas maiores, mas equilibradas.
Foto: Divulgação
Vinhedo com dossel aberto, por conta do uso de manejo…