Sistematizar o modo de trabalho, a área de plantação e as finanças são fatores motivadores na busca de uma agricultura vantajosa, e os Sindicatos Rurais podem ser a porta de acesso para oportunidades de aprendizado
Não é novidade que a agricultura é a base econômica das civilizações, sendo o trabalho mais antigo dos povos. Mas até mesmo o mais ancestral dos ofícios precisa se diversificar e se modernizar. E foi exatamente isso que aconteceu com os passar dos séculos. Hoje, ter uma propriedade rural não é sinônimo de trabalho pesado e pouca renda, e cada vez mais os órgãos públicos e Sindicatos Rurais incentivam a procura por cursos profissionalizantes e aperfeiçoamento daqueles que plantam e colhem alimentos. O fato é que ter uma propriedade gerenciada como uma empresa faz toda a diferença. E, por isso, existem parcerias entre órgãos como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e também o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) que são destinados a produtores rurais, suas famílias, jovens e trabalhadores do meio rural que buscam melhorar a gestão das atividades praticadas nas propriedades rurais.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Flores da Cunha e Nova Pádua, Olir Schiavenin, esses cursos visam promover a mudança de comportamento e de atitude dos produtores rurais; incentivar os jovens a identificarem ideias de negócio na propriedade familiar; contribuir para a geração de renda e melhor qualidade de vida dos produtores e seus familiares. “Buscar informações, fazer uma gestão e um planejamento com conhecimento são fatores fundamentais em qualquer atividade e assim é também na atividade agrícola. Ter foco e saber tomar as decisões corretas antes e depois da porteira tornam o trabalho mais competitivo, rentável, além de trazer uma tranquilidade e um ânimo ao agricultor”, valoriza Schiavenin.
Os agricultores que têm interesse em aprender devem entrar em contato com os Sindicatos Rurais de cada cidade, consultar as opções e buscar mais informações. São oportunidades para diversas culturas e formas de atualizar a propriedade rural. Os sites do Sebrae (www.sebrae-rs.com.br) e Senar (www.senar-rs.com.br) também trazem informações interessantes. “Queremos que o agricultor se desenvolva cada vez mais. Sempre dá para melhorar e, se quisermos resultados diferentes, temos que inovar e fazer coisas diferentes”, complementa Schiavenin. Normalmente, as turmas são disponibilizadas conforme a procura dos agricultores, por isso é importante buscar informações, mostrar interesse e mobilizar vizinhos e familiares.
Os cursos contam com horas em sala de aula e também de consultoria nas unidades rurais. A ideia é que com o treinamento, os agricultores compreendam a necessidade de mudança pessoal e organizacional e obtenham uma visão estratégica do negócio, bem como de gerenciamento dos processos, da valorização das pessoas, da melhoria do ambiente de trabalho e da medição dos resultados por meio da definição de indicadores. Já são muitos os agricultores que transformaram suas propriedades, confira dois exemplos vindos da cidade de Flores da Cunha, na Serra Gaúcha.
Turismo e novos negócios
A agricultora Rosangela Pagno, 37 anos, participa de um curso de gestão, planejamento e organização da propriedade há mais de dois anos. As terras da família, na comunidade de Nossa Senhora do Carmo, interior de Flores da Cunha, já passaram, e ainda irão passar, por diversas transformações. “Aprendemos a tratar a nossa propriedade como se fosse uma empresa. Entendi a importância de manter em dia um fluxo de caixa, com todas as entradas, saídas, organização de documentos, além de toda a disciplina na propriedade como, por exemplo, a limpeza, saúde e segurança. São cursos que futuramente serão obrigatórios a todos os agricultores”, adianta Rosangela.
A propriedade da família atende turistas há cinco anos e esse foi o primeiro passo na busca por uma agricultura mais sustentável e que acabou por despertar o interesse em mudar. Entre os vinhedos, os visitantes andam de carretão e desfrutam de uma típica ‘colacion’ – antiga tradição dos imigrantes de servir queijo, pão, salame, chimias, polenta e vinho durante o dia de trabalho. A família Pagno trabalha com cinco hectares de videiras e culturas como tomate, pimentão, cebola e repolho, que variam a produção conforme a época. Uma dessas mudanças foi exatamente a diversificação de variedades. “Fizemos um ciclo de terras, alternando as culturas e também utilizando a estrutura dos vinhedos, é tudo um aproveitamento de terras e isso surgiu durante as aulas, até mesmo trocando ideias com os colegas”, conta a agricultora.
Outra decisão que veio neste ano, depois de estudos e avaliações, Rosangela e o irmão Ricardo, com quem divide o trabalho, optaram por não produzir mais vinho que era vendido a granel. A ideia é investir em uvas finas para a venda in natura. “A escolha foi uma decisão financeira também. O vinho a granel está com um preço baixo há muitos anos e optamos por modificar nossas áreas de vinhedos. Estamos plantando variedades de uvas finas e vamos transformar nosso negócio. Percebemos que o trabalho não estava valendo a pena, vimos que o investimento não tinha retorno e por isso fizemos essa escolha. Com a rotatividade de culturas que estamos fazendo, conseguimos girar melhor com o trabalho e a estrutura da propriedade. Estamos mudando, agregando valor ao nosso produto e com os cursos vimos esses novos e mais lucrativos mercados”, destaca Rosangela.
Aos poucos, a família Pagno vê a propriedade que está com a família há gerações se transformar e, o mais importante, para melhor. “Depois dos cursos, o trabalho melhorou bastante. Ainda estamos nos aprimorando, nem tudo conseguimos desenvolver 100%, mas estamos evoluindo. Pode não parecer, mas ter uma organização na propriedade garante que o trabalho tenha mais agilidade, mais segurança e, acima de tudo, conseguimos garantir da melhor maneira que estamos produzindo um alimento de qualidade e saudável, que será consumido por seres humanos. Isso é o mais importante e é preciso ter consciência”, valoriza Rosangela, que foi desde o início do programa a única mulher na turma. Seus cursos ainda seguem até o final deste ano e sua presença é sempre confirmada.
Produção de qualidade é negócio garantido
Há mais de 30 anos, a propriedade do agricultor José Tomazzoni, 74 anos, na Linha 60, interior de Flores da Cunha, é fornecedora de uma das maiores redes de supermercados do Brasil. Manter essa relação por tantos anos foi mérito de um trabalho que sempre teve como princípio a organização, mas que também soube se atualizar. Nos últimos anos, Tomazzoni passou a contar com a dedicação do genro Jair José Caberlon, 47 anos, que integra cursos de gestão, planejamento e organização da propriedade assim como a colega Rosangela Pagno. Daí por diante a propriedade só cresceu. São sete hectares de vinhedos da variedade Niágara Rosada, quatro tipos de tomates e outros três de pimentões. Tudo cultivado em áreas protegidas pela plasticultura.
Para Caberlon, a cada dia as exigências do mercado são mais rigorosas com os agricultores e o único caminho é seguir o recomendado e buscar um produto sempre com valor agregado maior. “A propriedade é uma microempresa familiar, se organizar é a principal forma de trabalhar, tanto no material de trabalho, quando na limpeza, higiene e certamente, se não tivéssemos essa forma de trabalho, não estaríamos com essa parceria para venda até hoje. Fazer cursos é fundamental para buscar uma segurança econômica na agricultura”, garante o florense. A propriedade atende a mais de 80 requisitos para ser uma fornecedora da rede da qual vende toda a produção.
No decorrer do curso, Caberlon percebeu a necessidade de uma identificação visual. Com o incentivo do Sebrae, ele desenvolveu os rótulos que acompanham as uvas, tomates e pimentões para os supermercados até chegarem ao consumidor. Além das informações básicas, o material conta com um QR code, ou código QR. É um código de barras que, escaneado pelo telefone celular, passa ao consumidor todas as informações sobre aquele produto como nome do produtor, origem, possíveis insumos utilizados na produção e assim por diante. Tanta tecnologia e organização acabaram atraindo a dedicação dos filhos de Caberlon na agricultura. Lucas, 18 anos, e Letícia, 16 anos, já atuam na propriedade e pretendem investir no negócio da família.
Caberlon aconselha que todos os agricultores busquem melhorar a propriedade como forma de torná-la rentável e também de atrair a vontade dos filhos de seguir na profissão. Para ele, as exigências serão sempre maiores e mais importantes. “A cobrança vem desde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até o produtor rural. Daqui a alguns anos todos deverão respeitar essas normas, afinal geramos alimentos que são consumidos pelas pessoas e precisamos nos preocupar com isso. É importante começar a mudar as propriedades para que daqui a alguns anos o trabalho esteja garantido, isso só vai trazer vantagens”, enfatiza Caberlon, que valoriza o fato de plantar já tendo um comércio garantido para toda a produção.
Texto e fotos: Camila Baggio