Quivizeiros da região terão quebra na produção. Em Farroupilha,
principal produtor, devem ser colhidas 1,3 mil toneladas
Embora o mês de março seja um período que encerra a colheita de muitas culturas, também é a época que inicia a colheita do kiwi – ou quivi como também é normalmente chamado no Brasil. Em Farroupilha, cidade com maior produção do país, devem ser colhidas 1,3 mil toneladas, distribuídas nos 120 hectares de área plantada e trabalho de 85 produtores. A produção deve contar com um corte de 20% em função da baixa floração em que as plantas apresentaram, além de uma nova doença que causa a mortandade do quivizeiro. Por sua vez, a qualidade deve ser boa.
De acordo com o engenheiro agrônomo do escritório da Emater de Farroupilha, Alfredo Gallina, a redução nos números se deve, principalmente, pelos aspectos relacionados à fisiologia da planta. “O frio intenso registrado no início da brotação foi decisivo nessa fase da planta e acabou prejudicando. Algumas brotações não resultaram em flores e logicamente essas brotações não vão ter frutos. Isso aconteceu principalmente por causa da condição climática que não colaborou”, explica Gallina.
Hoje estima-se que 80% do kiwi consumido no Brasil seja importado de outros países e a importação da fruta vem aumentando ano após ano, o que mostra o grande potencial do país. “Temos que reverter essa situação e fazer com que a fruta consumida por aqui seja aquela cultivada pelos nossos pequenos produtores rurais. O kiwi é mais uma alternativa para diversificar a nossa pequena propriedade rural, importante exatamente porque a sua colheita é feita em época diferente da maioria das culturas como o pêssego, a ameixa, a uva, pode coincidir com o caqui, mas é uma grande vantagem”, valoriza o engenheiro. Outro ponto positivo é que a cultura não exige muitos tratamentos ou defensivos agrícolas. “Se o produtor tivesse mais certeza na tecnologia com relação às variedades e plantas mais resistentes, certamente teria mais condições de difundir a cultura do kiwi”, acrescenta.
A colheita da fruta é determinada pelo teor de açúcar. Deve ter, no mínimo, seis graus brix (valor determinado em portaria do Ministério da Agricultura de 1998). O objetivo é de que depois de colhido ele atinja a maturidade necessária para ter um bom paladar, o que acontece na média dos 12 até 14 graus brix. “Se colhido muito verde, o kiwi não amadurece bem e resulta em uma fruta ácida e de baixa qualidade, além do sabor ruim. O ponto de colheita deve ser observado pelo produtor”, explica Gallina. Os preços desta safra são difíceis de estimar, pois a colheita está iniciando agora, mas apesar da quebra de 20%, a fruta é de boa qualidade e as expectativa também. Na safra do ano passado o custo variou de R$ 1 a R$ 1,50. Neste ano o preço deve se manter nessa média.
Para o secretário da Agricultura de Farroupilha, Fernando Silvestrin, no município o kiwi representa uma alternativa de diversificar cada vez mais a produção. Silvestrin lamenta, porém, a falta de investimentos em pesquisas do setor no Brasil. “Começamos uma produção com mudas de outros países e o nosso agricultor foi plantando e criando suas próprias técnicas e formas de manejo. Infelizmente não contamos com uma pesquisa da produção do kiwi no Brasil. Um documento com informações de sementes, enxertos, manejo de solo, produção, floração, variedades, ponto de colheita, estocagem em câmara fria e mercado”, aponta Silvestrin.
Doença preocupa pesquisadores e produtores
Além do clima, a redução de 20% na safra do kiwi deste ano também se deve por conta de uma doença. O fungo chamado Ceratocystis fimbriata, que afeta o sistema vascular da planta penetrando na seiva, faz com que ocorra a mortandade de plantas. A doença, descoberta há pouco tempo, está causando prejuízos para agricultores que precisam replantar o quivizeiro e, consequentemente, perdem em produção. Farroupilha está à frente de um grupo de trabalho que elabora um processo de pesquisa na cultura do kiwi, incluindo essa doença. Participam a Embrapa Uva e Vinho, a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) de Veranópolis, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (URGS) e a Universidade de Caxias do Sul (UCS), por meio de seus cursos de agronomia.
O tempo de duração do ciclo da doença e outras informações ainda estão sendo estudados por pesquisadores da região. “Na maioria das vezes a planta apresenta condições normais e quando chega principalmente na época do verão, de janeiro a fevereiro, o fungo se manifesta e causa a morte da planta. Muitas vezes, quando visitamos um pomar, encontramos uma planta morta inclusive com as frutas ainda no pé”, conta o engenheiro. “A mortandade da planta sempre ocorreu, é um processo natural não só no kiwi, mas em toda a fruticultura. Quando começou a se perceber essa mortandade nos pés de kiwi a primeira impressão é que era causada por fungos de solo. Há quatro anos foi constatado que grande parte dessa mortandade se deve a esse fungo. Ele requer inclusive um manejo diferente, não se sabe exatamente como evitar o ataque, mas está sendo pesquisado”, acrescenta Gallina.
Além das pesquisas, a Emater, a Secretaria Municipal da Agricultura e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade realizam, desde junho do ano passado, tardes de campo na propriedade de agricultores. O objetivo é que os produtores conheçam a doença e saibam identificá-la, além de começarem a adotar medidas imediatas que evitam a proliferação dela nos pomares. “A orientação é o cuidado na desinfecção de materiais de poda. Quando o produtor vai podar a planta, o recomendado é que antes que ele vá para a próxima planta, ele faça a desinfecção dessas ferramentas com produtos à base de hipoclorito de sódio ou mesmo com álcool e água. Isso evita que a doença avance. Essas são as primeiras orientações que estamos passando para o produtor. Queremos que ele saiba identificar a doença e que também evite a propagação dentro dos pomares de cada propriedade”, adianta.
De acordo com Fernando Silvestrin, a meta é combater o fungo que prejudica as colheitas do kiwi. “Em encontros com os produtores orientamos quanto ao processo de irrigação, o material de poda e os cuidados de manejo. O objetivo é resolver o problema que esse fungo vem causando com a mortalidade das plantas, o que acaba desestimulando o produtor. A partir do momento que conseguirmos controlar essa doença a produção de kiwi deve retomar seu crescimento, não só em Farroupilha, mas na região”, explica Silvestrin. O secretário estima que, por ano, o produtor possa perder de 2% a 4% das plantas com o fungo.
Safra menor, mas com qualidade
Farroupilha é responsável por 40% do kiwi produzido no Brasil. A família Bohm é uma das responsáveis por esse número. Os irmãos Sérgio e Carlos Bohm vivem em casas uma ao lado da outra e cada um conta com suas plantas de kiwi. Somando a produção dos irmãos, saem da propriedade de 250 a 300 toneladas da fruta, distribuída em seis hectares. Dentre os problemas deste ano está a doença do fungo Ceratocystis fimbriata, além da má colocação da fruta no mercado.
A safra na casa dos Bohm já começou. As primeiras frutas, da variedade Golden, já foram vendidas e a safra deve seguir até o final de abril, com as variedades de pelo. A família vende seus kiwis para as Ceasas de São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas. “Neste ano nem estamos guardando em câmara fria. Os kiwis são mandados direto para o consumidor, pois estão amadurecendo mais rápido em função das altas temperaturas que tivemos”, explica o agricultor Sérgio Bohm. Há 20 anos os vinhedos da propriedade deram lugar ao kiwi, que apresentou na época, e ainda apresenta, mais vantagens em relação ao trabalho na uva. “Quando cortamos os parreirais a uva tinham um preço muito baixo. O kiwi se mostrou melhor também em relação ao cuidado e manejo, são necessários menos tratamentos. Com tudo isso os quivizeiros se tornaram uma boa alternativa e até hoje, para nós, mais vantajosos que a parreira”, argumenta Bohm. Além do kiwi, a família conta com pêssego, ameixa e caqui.
Quando se fala em vantagens, além de quase nenhum tratamento, o kiwi tem como característica uma safra mais tranquila, já que as frutas são colhidas ainda verdes e depois atingem o grau de maturação. Os cuidados nesta fase porém são fundamentais. “Se colhido muito cedo, o kiwi não tem qualidade depois para o consumidor, além do produtor deixar a desejar na qualidade, ainda perde em peso. O mercado acaba não consumindo e aí se prejudicam todos os frutos produzidos no Brasil. Por isso o importado sempre tem espaço aqui, no geral ele acaba tendo mais qualidade”, aponta o agricultor. O que o kiwi dispensa em tratamentos, precisa em cuidados com a falta de água. O quivizeiro deve contar com irrigação já que as raízes da planta são superficiais e acabam sentindo falta de água em curtos períodos sem chuva. Produtores da localidade de Nossa Senhora da Saúde, distrito de Farroupilha, Sérgio e o irmão Carlos contam ainda com o irmão Heitor. A família tem uma câmera fria, juntamente com outras duas famílias, e conta com uma das maiores produções do município.
“Parece um câncer”
Assim como a maioria dos produtores de kiwi da região, a família Bohm também sofre com os prejuízos causados pelo fungo Ceratocystis fimbriata. A mortandade das plantas começou a ser percebida há quatro anos e, desde então, morrem plantas anualmente. São áreas que precisam ser eliminadas e, além das perdas, desestimulam os produtores. “Percebemos a doença em uma planta neste ano, no próximo sabemos que as vizinhas poderão morrer. São áreas que temos que eliminar a planta e repor uma nova, que além de demorar cerca de quatro anos para começar a produzir, não apresenta o mesmo rendimento e, muitas vezes, morre novamente”, relata Bohm. A doença começa a agir pouco tempo antes do período da colheita e em 15 dias a planta está morta. “É muito rápido, parece um câncer grave”, acrescenta o produtor. Essa doença é o principal fator que está fazendo com que produtores desistam da cultura do kiwi. Bohm aguarda com expectativa pelas pesquisas desenvolvidas pela Embrapa e aproveita todas as atividades promovidas pela administração. “Temos que ter informação para poder melhorar nossa cultura e investir nela”, valoriza. Sérgio conta com a ajuda do filho Bruno e da esposa Sônia.
Sobre o fungo
Dentre os estudos, uma característica do fungo Ceratocystis fimbriata é que ele é comum entre a cultura do eucalipto. Em estudos realizados por volta 2010 se descobriu que grande parte da mortalidade de plantas não se dava por culpa dos fungos de solo, como Fitóftora, Rosellinia e Fusariose, mas sim pelo Ceratocystis fimbriata. “Desde então se despertou uma certa ansiedade pelas entidades de Farroupilha para que se fizesse um trabalho em torno disso, com uma pesquisa que permita se aprofundar mais na doença. É um projeto que está sendo elaborado e com isso conseguimos conscientizar as entidades de pesquisa que a cultura do kiwi pode se tornar importante para a pequena propriedade”, acredita Silvestrin.
As cultivares
O quivizeiro apresenta cultivares: femininas e masculinas. Apesar de ser uma espécie dioica, as plantas apresentam os dois sexos na mesma flor, sendo um deles estéril. Dessa forma, há a necessidade de realizar a enxertia de ramos da cultivar polinizadora na planta produtora, ou implantar o quivizal com cultivares masculinas e femininas, forma mais utilizada em escala comercial. Em média, a cada sete cultivares femininas é necessário uma masculina. Na região existem dois grupos principais de kiwis. O grupo das frutas com pelo (polpa verde) e sem pelo (polpa amarela). Dos kiwis sem pelo as principais variedades são Golden King, MG06 e Farroupilha. Das variedades com pelo estão Bruno, Monty e Elmwood.
Saiba mais
A cultura do kiwi chegou ao Brasil em 1971, por meio de sementes oriundas da França, introduzidas pelo Instituto Agronômico de Campinas e, posteriormente, por sementes e estacas enraizadas provenientes da Nova Zelândia. No Rio Grande do Sul, as primeiras experiências com a cultura foram realizadas por Sadao Suzuki, em Ivoti, e por Ivo Borsato e Enio Guidolin, em Farroupilha, no início da década de 80. Atualmente Farroupilha é considerada a cidade que mais produz kiwi no Brasil. Em torno de 1,3 mil toneladas da fruta. A safra, que inicia na segunda quinzena de março, colhe primeiramente as variedades sem pelo. Em abril as frutas de variedades com pelo começam a ser colhidas.
Festejando o kiwi
Farroupilha se prepara para realizar a 21ª edição da Festa Nacional do Kiwi (Fenakiwi) e Feira da Indústria de Farroupilha. A programação inicia dia 18 de julho e segue até o dia 3 de agosto, nas sextas, sábados e domingos. Além das atrações gastronômicas, a Fenakiwi contará com 5º Seminário Nacional do Quivizeiro, palestras e uma programação especial para os produtores da principal fruta do município. “Teremos palestrantes internacionais, como Itália e Nova Zelândia, além do concurso do kiwi. Estamos visitando produtores e colhendo frutas que devem participar da Festa. No dia 17 de julho faremos a avaliação das frutas e, após, um evento de premiação”, adianta o secretário Fernando Silvestrin.
A festa é uma organização da CIC e a prefeitura por meio da Secretaria de Agricultura. Mais informações no site www.fenakiwi.com.br.