Projeto conduzido pela Embrapa Clima Temperado resguarda e recupera grãos de alimentos por meio das sementes crioulas

FOTOS/PAULO LANZETTA/EMBRAPA CLIMA TEMPERADO
As sementes crioulas são um tipo antigo, que guarda um repertório de seleção natural de milhares de anos. Adaptadas aos ambientes locais, são mais resistentes e menos dependentes de substâncias sintéticas.

 

Para os agricultores mais antigos, a semente resumia o cultivo de cada espécie, do jeito que a natureza criou e aprimorou. Hoje, contudo, o ato de semear pode ter uma semente orgânica, uma geneticamente modificada pela ação do homem ou então as sementes crioulas. Esses grãos chamados crioulos são aqueles que guardam um repertório de seleção natural de milhares de anos. São sementes plantadas sempre no mesmo lugar, contudo se levadas daquele ambiente, se adaptam ao novo, permanecendo crioulas. A semente crioula tem uma estabilidade de produção pelo fato de ter se adaptado aos ambientes dos quais passou, além de todas as condições climáticas positivas e negativas. Mais do que isso, esses grãos carregam consigo um patrimônio cultural, com todo o trabalho e concepção do agricultor. Esse é um grande diferencial da semente crioula, daquela tradicional, e esse cultivo de troca e tradição vem ganhando verdadeiros guardiões.

Consciente da existência desta versatilidade e da riqueza contida nestas variedades crioulas, além do fato de que elas estão se perdendo, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Clima Temperado capitaneia desde 2000 um projeto de preservação de sementes crioulas antigas, resguardando as existentes e recuperando algumas variedades que foram se perdendo de geração a geração, caracterizando o que se conhece por erosão genética. “Esse fenômeno é provocado por diversos fatores, como o abandono das sementes crioulas pelos agricultores, que muitas vezes as trocam por variedades comerciais; ocorrência de fenômenos climáticos negativos, tais como secas prolongadas; e inexistência de herdeiros destes guardiões, muitas vezes pela migração dos jovens para a cidade”, explica Irajá Ferreira Antunes, pesquisador da Embrapa e coordenador do projeto.

Há mais de 15 anos, a Embrapa realiza a coleta de diversas variedades crioulas, incluindo, através dos anos, espécies de feijão, milho, abóbora, pepino, pimenta, feijão-miúdo, batata-doce, amendoim, mandioca e cebola. Depois disso, criou-se uma rede de guardiões de sementes, formada por agricultores familiares, quilombolas e indígenas, que conservam essas sementes crioulas, auxiliando, também, na seleção dentro das variedades estudadas pela Embrapa. Atualmente são mais de 200 guardiões de sementes espalhados pelo Rio Grande do Sul.

Atributos variados e nutricionais

O pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Irajá Ferreira Antunes, é o coordenador do projeto de pesquisa Sementes Crioulas.
O pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Irajá Ferreira Antunes, é o coordenador do projeto de pesquisa Sementes Crioulas.

O projeto de pesquisa coordenado pela Embrapa Clima Temperado mantém acervo genético de sementes crioulas, e, mais que isso, forma memória social da agricultura familiar na região Sul do país. Embora as sementes crioulas sejam uma curiosidade para alguns, hoje sua preservação é uma recuperação de grãos e também de patrimônio cultural, evitando a perda genética. Com o projeto de pesquisa, a Embrapa listou diversas características positivas das sementes crioulas. “Sob os cuidados dos agricultores, seus guardiões, e mediante seus cultivos sucessivos em um mesmo ambiente, as sementes crioulas terminam por adquirir uma adaptação a este local. Essa variação de ambientes resulta em uma grande variabilidade genética e também de formas, cores e tamanhos”, destaca o pesquisador Irajá Ferreira Antunes.

Além dessa variabilidade, os estudos da Embrapa revelam dados interessantes sobre as sementes crioulas, que vão muito além das características visuais como cor, forma, tamanho e brilho. “Se revelam também características versáteis da parte nutricional e também funcional. O que se pode exemplificar pela existência de variedades de feijão ricas em fibras alimentares, variedades ricas em cálcio, outras ricas em proteínas e assim por diante, com variabilidade também nas diversas espécies mencionadas”, exemplifica Antunes. O acervo de sementes que consta na Embrapa Clima Temperado ultrapassa 1,5 mil cultivares coletadas no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, e que compõem os bancos de germoplasma das diferentes culturas de interesse dos agricultores.

Cultivo de tradição e troca

Depois de estudar essas variedades crioulas, a Embrapa percebeu que, apesar das características positivas, encontrar esses grãos estava cada vez mais difícil. Sua preservação está ligada, sobretudo, à existência de agricultores que as mantêm através dos tempos, sendo resultado do trabalho de gerações de agricultores que selecionaram, multiplicaram e as compartilharam. “Estes agricultores e agricultoras são guardiões de sementes ou guardiões da biodiversidade. Historicamente, os guardiões são aqueles que sustentaram a alimentação da humanidade, pois foram eles que, inclusive, permitiram que a indústria de sementes hoje esteja estabelecida, pois estas variedades foram a fonte para o desenvolvimento das sementes modernas e comerciais que se encontram nos mercados”, analisa o pesquisador Antunes.

A equipe da Embrapa Clima Temperado passou, então, a estudar os guardiões de sementes no Rio Grande do Sul, identificando-os e estudando sua natureza, ao mesmo tempo em que buscava sua identidade. Como resultado, o órgão verificou que o guardião está envelhecido, sem herdeiros, normalmente isolado e que, ao desaparecer, leva consigo o conhecimento sobre o patrimônio valioso que mantinha. “Tais observações levaram à necessidade de apoiá-los, buscando formas de aproximação entre os mesmos, simultaneamente valorizando-os e revelando-os à sociedade de modo a serem reconhecidos pelo importante papel que desempenham. Da mesma forma, passamos a promover a formação de novos guardiões, incentivando os jovens – os guardiões-mirins, que venham a herdar tal patrimônio”, sustenta.

Um dos instrumentos direcionados à concretização dessas iniciativas é o Seminário Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar, que neste ano chega a sua sexta edição.
Por meio do projeto Sementes Crioulas, a Embrapa já colhe frutos como a identificação documentada de cerca de 200 guardiões espalhados pelo Rio Grande do Sul. Eles estão por todas as regiões do Estado – concentrados nas regiões Sul e Central, e possuem diversas etnias como quilombolas, indígenas, alemães, italianos, portugueses, entre outros. “Com certeza existe um número muito superior a este. As sementes crioulas e seus guardiões são encontrados nas pequenas propriedades, como constituintes da agricultura familiar”, assegura Antunes.

Hoje existem entidades que unem esses agricultores como a Associação dos Guardiões de Sementes de Ibarama e a Associação dos Guardiões da Agrobiodiversidade (Agabio), de Tenente Portela. Outras ainda estão em formação nos municípios de Rio Grande, Novo Hamburgo (Lomba Grande) e Candelária. Na Serra Gaúcha, existem guardiões em Nova Milano e também no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves. Por essas cidades, são as sementes de abóboras que são resguardadas. “Os guardiões existem nos mais diversos ambientes, é só procurá-los que os encontraremos”, aposta Antunes.

Saiba mais

Para quem pretende conhecer ainda mais sobre essa realidade rural e também sobre as sementes crioulas, existem feiras onde os grãos e os conhecimentos que constituem esse patrimônio cultural são compartilhados, além da oferta de produtos agroecológicos. A Embrapa Clima Temperado disponibiliza informações pelo site www.embrapa.br/clima-temperado ou pelo telefone (53) 3275.8100. “Com certeza os consumidores muito ganhariam ao consumirem produtos mais saudáveis, além de terem conhecimento das dificuldades de se praticar agricultura, com todos os riscos ambientais a ela associados. Seria uma forma de concretizar os objetivos acima apontados, em especial, um mundo mais solidário”, estimula o pesquisador Irajá Ferreira Antunes.

Por: Camila Baggio – camila@avindima.com.br

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