A videira é a planta frutífera mais difusa em todo o mundo, seja em termos de produção quanto em valor econômico. Por exemplo, em 2006 foram colhidas 66.271.676 toneladas, produzidas em 7.501.872 hectares. A busca por sistemas de cultivo mais eficientes, de menor custo e que proporcionam rendimentos compatíveis e produtos de alta qualidade e com menor impacto ambiental, é um constante desafio aos pesquisadores e produtores. Por exemplo, na viticultura existem diversas maneiras de conduzir um vinhedo, ou seja, as formas de distribuir o dossel vegetativo espacialmente unido ao sistema de sustentação no qual a planta vem suportada são inúmeras, e a correta escolha é decisiva para o sucesso do empreendimento. O sistema de condução afeta diversos fatores, que resultam em mudanças significativas e importantíssimas para a videira, como o crescimento vegetativo, a fertilidade, a produtividade e a qualidade da uva, que influenciará diretamente na qualidade do vinho.
Na Itália, terceiro país com maior área vitícola mundial (840 mil hectares) e primeiro em produção (8.328.000 toneladas, 2006), existe uma gama de formas de condução que representa um pouco da história e da cultura multifacetada italiana. Temos, por exemplo, a ‘pergoleta trentina’, da Província de Trento (figura 1), a peculiar ‘pergoleta bassa’ (figura 2), localizada no Vale d’Osta, a mais de 1,2 mil metros sobre o nível do mar, ou, ainda, a secular ‘pergoleta romagnola’ (figuras 3 e 4), característica da região da Emilia Romagna. Nos últimos 20 anos, a superfície vitícola na Itália foi reduzida substancialmente, inclusive com restrições de novos plantios; neste caso, a busca por sistemas mais eficientes e de menores custos é fundamental para a sustentabilidade do setor vitivinícola. Obviamente as uvas produzidas nestes sistemas devem proporcionar vinhos de qualidade, compatíveis com um mercado cada vez mais exigente. Alguns sistemas de condução, em anos de elevada precipitação, podem apresentar problemas fitossanitários, caso do ‘ combi’ (figura 5).
As mudanças na forma de conduzir os vinhedos vieram estreitamente ligadas à utilização de máquinas e equipamentos que viabilizam a produção de uvas de qualidade com baixo custo e mínima utilização de mão-de-obra, principalmente nas operações de podas e na colheita. Para exemplificar, existem atualmente, na Itália, vinhedos conduzidos exclusivamente com tratores e equipamentos polivalentes, como pode ser visto em algumas das figuras. Sendo assim, os novos sistemas de condução devem ser adaptados à utilização de máquinas e equipamentos disponíveis, pois a criação de uma nova alternativa normalmente tem elevados custos e demorada execução. No final dos anos 1980, foi proposto, pela Universidade de Bolonha, um sistema denominado ‘cordone libero’ (tradução literal para o português: cordão livre), uma forma de condução que, ao mesmo tempo, é bastante simplificada em termos de estrutura de sustentação e também oferece a possibilidade de ser mecanizada integralmente, analogamente a outras formas como o GDC (Geneva Double Courtin), que sofreu modificações na Itália (figura 6), ou a espaldeira, tanto na forma de cordão esporonado como em Guyot (figuras 7 e 9).
Uma das particularidades do ‘cordone libero’ é apresentar uma copa expandida sem nenhuma sustentação, pois não existe nenhuma estrutura de fios para manter a posição dos ramos na vertical (figura 8). Nos primeiros vinhedos, a altura do cordão girava em torno de 1,4 a 1,7 metro, mas recentemente ocorre a difusão de cordões com alturas entre 1 a 1,2 metro, dependendo do comprimento dos ramos da cultivar em questão. Sendo assim, as cultivares a serem escolhidas para a implantação de um vinhedo em ‘cordone libero’ devem apresentar características de desenvolvimento dos ramos em forma ascendente ou semi-ascendente e com boa fertilidade das gemas da base. Portanto, são particularmente mais adaptadas aquelas como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Sauvignon Bianco e Sangiovese, por exemplo, não sendo indicado para cultivares de hábito decumbente, caso de Trebbiano Romagnolo e Syrah, entre outras.
Terrenos de média fertilidade
Na prática, o ‘cordone libero’ é caracterizado por esporões dorsais curtos, isto é, posicionados na parte superior do cordão, formando uma parede de vegetação que se desenvolve de forma livre. É apropriado para terrenos de média fertilidade, onde o comprimento dos ramos frutíferos não contraste com a necessidade de mantê-los ascendentes. A estrutura é extremamente simples, já que é composta por um único fio de sustentação que comporta o cordão permanente da planta. Considerando-se que para a formação do ‘cordone libero’ se deve escolher uma vara que será atada horizontalmente ao fio de sustentação (localizado a uma distância do solo de 1,4 a 1,8 metro), é importante preocupar-se com ações que previnam a rotação lateral do cordão, nos primeiros anos depois da implantação. Observou-se que a ação de ventos dominantes perpendiculares à direção da fileira ou quando a carga produtiva da planta não é equilibrada podem causar o movimento do cordão (figura 15). Para limitar esse inconveniente, é indicada a utilização de um fio espiralado na instalação do vinhedo, que promove o posicionamento mais fixo do cordão a respeito ao fio tradicional (figura 11). Uma melhor estabilidade pode ser alcançada quando o fio de sustentação é composto por duas varas entrelaçadas ao fio espiralado. Isso traz o benefício de possibilitar maiores alternativas na seleção dos esporões, mas pode ser abrigo de pragas e moléstias, em especial das cochonilhas.
Em relação ao espaçamento, a escolha deve estar relacionada ao vigor da combinação cultivar/porta-enxerto e das condições pedoclimáticas da região, além dos equipamentos disponíveis na propriedade. A distância entre plantas na linha deve ser entre 0,8 e 0,9 metro para solos pobres e de até 1,5 metro para solos férteis; nas entrefilas a distância pode variar de 2,3 a 2,5 metros. Como a altura do cordão e a disponibilidade de máquinas e equipamentos são diversas, o espaçamento pode variar significativamente. Também os aspectos eco fisiológicos e agronômicos do ‘cordone libero’ estão estritamente vinculados ao habitus natural da planta (principalmente em função da matriz genética) e dos efeitos desencadeados pela poda verde dos ramos. É evidente que esses fatores são determinantes em condicionar o ‘microclima’, em especial a penetração de luz, o rendimento fotossintético do dossel vegetativo e a capacidade de mobilizar carboidratos para o cacho. A poda verde, com o objetivo de contenção do dossel, é feita geralmente entre as fases de pós-floração e grão de ervilha, deixando-se aproximadamente 12 nós, quantidade mínima necessária para o adequado crescimento e maturação da uva (figuras 12 e 13).
Essa operação é fundamental para limitar o desenvolvimento vegetativo e acelerar a lignificação dos ramos. A poda de inverno prevê a eliminação dos ramos voltados para baixo e aqueles inseridos na porção inferior do cordão (ventral). A carga de gemas deixada no cordão livre deve estar entre 12 e 14 por metro linear (esporões com duas ou três gemas). Essa operação, mesmo feita mecanicamente, geralmente sofre o refinamento manual (figura 10).
Vale ressaltar que a adoção dessa forma de condução deve ser muito bem ponderada, já que em terrenos muito férteis, onde é difícil o controle do vigor dos ramos, seriam necessárias várias intervenções de poda verde para garantir a ascendência dos ramos. Assim, a correta escolha da cultivar e da combinação com o porta-enxerto torna-se uma decisão fundamental.
Entre os aspectos positivos, é importante ressaltar que os custos de implantação de um vinhedo a ‘cordone libero’ são inferiores em cerca de 20-30% em relação a um sistema de espaldeira, além do menor custo de manutenção, graças ao tempo reduzido da realização de todas as intervenções necessárias e, normalmente, de forma mecânica. Se gestado corretamente, consente condições de luz e sombra ótimas para a maturação das uvas, compatíveis com a expressão de elevados níveis de qualidade, permitindo também boas condições de aeração e diminuição de moléstias (como a Botrytis spp. e outras podridões), além de facilitar a aplicação dos produtos fitossanitários (figura 14) e a colheita.
Sendo integralmente mecanizável, o ‘cordone libero’ é, portanto, compatível à conjuntura da nova viticultura mundial, que, além da preocupação com qualidade do produto final, respeito ao ambiente e à saúde, diminui os custos de produção.
Deve-se ressaltar que na adoção do cordão livre é fundamental a adequada escolha do terreno, observando a circulação e velocidade dos ventos, o vigor da cultivar e do porta-enxerto, o manejo do dossel, o controle da produção de uvas, entre outros. Um escolha inadequada pode resultar em grande fracasso. Assim, esta forma de condução deve ser antes testada em determinados ambientes e com as cultivares mais importantes para cada região, mas seguramente pode ser uma importante alternativa no contexto da viticultura atual.
Por Gilmar Arduino Bettio Marodin; Adamo Domenico Rombolà; Francisco Antonello Marodin
Foto: Gilmar Arduino Bettio Marodin/Divulgação