Viticultores necessitam profissionalizar-se nesse tema, de maneira a obter um produto de qualidade no momento da colheita
Lucas da R. Garrido e Marcos Botton*
Pesquisadores Embrapa Uva e Vinho
O controle de doenças, insetos e ácaros-praga da videira não pode ser resumido somente à aplicação de fungicidas e/ou inseticidas, acreditando-se que o objetivo inicial será alcançado. Muitos outros fatores importantes estão envolvidos e a sua negligência pode causar perdas frequentes na produção e na qualidade da uva produzida. Os viticultores necessitam profissionalizar-se nesse tema, de maneira a obter um produto de qualidade no momento da colheita.
Um dos aspectos de maior importância no manejo fitossanitário é a aplicação conjunta de inseticidas, fungicidas, adubos foliares e outros produtos, ações que, embora sejam realizadas, não são permitidas por lei. Como não há uma recomendação por parte dos fabricantes e/ou da pesquisa, a cada ano, está aumentando de maneira significativa o número de solicitações de diagnóstico de problemas causados pela fitotoxicidade de misturas não adequadas que, em muitas situações, têm causado danos maiores do que os provocados pela incidência de doenças ou insetos-praga.
As recomendações técnicas a seguir visam melhorar o controle das principais pragas e doenças que ocorrem nos vinhedos, racionalizar a utilização de agrotóxicos, reduzir a exposição do aplicador e o resíduo no produto final, esclarecer dúvidas frequentes dos técnicos e viticultores e contribuir para a profissionalização das operações a campo.
Identificação correta do problema
Antes de se pensar na doença, inseto ou ácaro-praga que se deseja controlar, é importante conhecer o histórico do parreiral. Quanto mais velhas forem as plantas, maior será a probabilidade de existirem fungos causadores de doenças e insetospraga instalados (por exemplo, as cochonilhas), perpetuando-se a cada geração e sobrevivendo nos restos culturais, em plantas hospedeiras (língua-de-vaca com pérola-da-terra ou frutas de caroço com Glomerella ou Botrytis, por exemplo) ou mesmo nas plantas do parreiral. Logo, o viticultor e seu técnico devem identificar corretamente o agente causal do dano, de preferência no início da infestação.
Algumas doenças e pragas são muito parecidas e os detalhes para a sua adequada identificação devem ser levados em consideração antes da escolha do produto. Além disso, deve ser observada a suscetibilidade da cultivar ao ataque de determinado inseto e/ou patógeno. Como exemplo, pode-se apontar a sensibilidade das cultivares do grupo Moscato ao ataque da mosca-das-frutas.
Manejo correto do vinhedo
– Antes de pensar na aplicação de um agrotóxico, é importante o viticultor realizar as seguintes atividades:
– Retirar os restos culturais infestados por doenças e/ou pragas logo após a poda.
– Implantar um sistema de monitoramento com armadilhas e vistorias periódicas.
– Realizar uma adubação adequada, evitando o excesso, principalmente de adubos nitrogenados.
– Efetuar a drenagem da área antes do plantio.
– Realizar o manejo da copa, evitando o excessivo crescimento vegetativo, que contribui para o microclima favorável às doenças.
– Realizar a poda verde e o desponte.
– Implantar quebra-ventos em áreas sujeitas a ventos frios.
– Utilizar mudas sadias.
– Efetuar o tratamento de inverno com calda sulfocálcica para a redução de fontes de inóculo (fungos e cochonilhas).
– Evitar aplicar inseticidas sem necessidade, pois muitos produtos afetam negativamente os inimigos naturais, aumentando a incidência de pragas secundárias como os ácaros).
– Manter a cobertura vegetal no interior do vinhedo, evitando a aplicação excessiva de herbicidas.
Momento da aplicação
A escolha do momento para o controle é fundamental para um correto manejo de insetos, ácaros-praga e doenças que ocorrem ao longo do ciclo vegetativo e reprodutivo da videira. Há momentos em que os tecidos da videira são mais suscetíveis, por isso, o produtor deverá concentrar mais atenção nesses períodos (Tabela 1). Nem sempre o vinhedo é uniforme em relação ao microclima, tipo de solo e distribuição das doenças. Para algumas doenças, como a antracnose, escoriose e a podridão-da-uva-madura, o aparecimento ocorre em reboleiras, a partir de um mesmo ponto no parreiral.
O conhecimento do local onde iniciam as primeiras infecções é importante, pois o produtor poderá efetuar um controle mais rigoroso onde está a fonte de inóculo, reduzindo, consequentemente, a pressão das doenças em todo vinhedo. Para outras doenças, como o míldio, oídio e a podridão cinzenta, a distribuição pode ocorrer em toda área, pelo tipo de esporo e a forma de disseminação pelo vento. Já com insetos-praga, como a mosca-das-frutas e besouros desfolhadores, o ataque inicia pela bordadura do vinhedo, geralmente próximo às matas. No caso das cochonilhas, o ataque ocorre principalmente em reboleiras, que devem ser identificadas no momento da poda para posterior tratamento localizado. No caso dos insetos e ácaros praga, deve-se atentar para o nível de infestação, evitando, sempre que possível, os tratamentos preventivos (Tabela 2).
Manejo Integrado de Pragas e Doenças, comumente chamado de “MIP”, é uma técnica agronômica que visa manter as pragas e doenças abaixo do nível em que causam danos nos cultivos. Oficialmente, a técnica é definida pela FAO como: “Sistema de manejo de pragas que no contexto associa o ambiente e a dinâmica populacional da espécie, utiliza todas as técnicas apropriadas e métodos de forma tão compatível quanto possível e mantém a população da praga em níveis abaixo daqueles capazes de causar dano econômico”. O monitoramento é o primeiro passo para se praticar o MIP. Sem monitorar a densidade populacional da espécie-alvo no campo não há como se aplicar a técnica. Assim, recomenda-se iniciar o monitoramento mesmo antes da brotação da videira.
A frequência e o método de amostragem dependem da fase de desenvolvimento da cultura e do nível de precisão que se pretende conduzir o manejo. Os insetos fitófagos alimentam-se das plantas para sobreviverem e, como consequência, as plantas deixam de produzir a mesma quantidade de produtos que outras que não foram danificadas por eles. Do ponto de vista do manejo integrado de pragas, uma espécie de inseto, ao se alimentar de uma planta cultivada provoca nela uma injúria, que é definida como qualquer alteração deletéria decorrente da sua ação. A planta injuriada perde produção, que pode ser quantificada monetariamente, recebendo o nome de Dano Econômico, definido como qualquer perda econômica decorrente de uma injúria.
Quando esse dano se torna significativo diz-se que um inseto se tornou praga. A dúvida é saber quando o dano econômico se torna significativo, e, para isso, foi criado o conceito de Nível de Dano Econômico (NDE), que é a densidade populacional de uma praga capaz de causar um prejuízo (dano econômico) de igual valor ao seu custo de controle. Outro conceito muito usado no MIP é o do Nível de Ação ou de Controle (NA ou NC), que é a densidade populacional de uma praga em que devem ser tomadas as medidas de controle, para que não causem danos econômicos. Na prática, o produtor terá que acompanhar a flutuação populacional da praga no tempo e somente aplicar o controle quando essa densidade atingir um valor igual ou superior ao NC, para manter a densidade populacional do inseto no ponto de equilíbrio. Como há uma variação significativa no valor da produção dependendo da cultivar, safra, etc., é importante que os produtores e técnicos adequem essa informação a realidade do vinhedo.
Escolha do produto
Na escolha do fungicida e/ou inseticida, o viticultor deverá priorizar os produtos com melhor eficácia no controle, com menor classe toxicológica, custo e facilidade de aplicação, além de reduzido efeito sobre inimigos naturais. Nem sempre os produtos mais caros são os melhores, e o viticultor deve analisar o melhor custo-benefício. Da mesma forma, além de escolher o produto mais eficaz para realizar o controle, é fundamental a aplicação no momento certo e com a tecnologia adequada de pulverização.
Os fungicidas de contato ou protetores são efetivos somente se aplicados antes da ocorrência da penetração do patógeno nos tecidos da planta. Quando são aplicados na superfície dos órgãos (folhas, cachos, ramos ou tronco) da videira, exercem uma barreira tóxica, prevenindo a penetração de fungos pela inibição do processo de germinação dos esporos. Já os fungicidas sistêmicos são aqueles cujo princípio ativo é absorvido pela planta e translocado para outros tecidos distantes do local da aplicação.
De um modo geral, os produtos sistêmicos não fornecem proteção externa à planta por períodos longos, por isso não são conhecidos como protetores ou de contato, mas podem ser caracterizados, em alguns casos, como erradicantes.
Os inseticidas/acaricidas atuam principalmente por contato, ingestão e de forma sistêmica. Conhecer essa classificação é fundamental, pois alguns inseticidas somente controlarão a praga quando o inseto/ácaro ingerir o produto, sem apresentar efeito de contato. Nesse caso, deve-se verificar a fase de desenvolvimento da cultura, pois a necessidade de ingerir o produto pode resultar em dano ao tecido vegetal, que ocasiona a abertura para a entrada de doenças. Da mesma forma, alguns inseticidas devem ser aplicados via solo, visto que serão absorvidos pelas plantas, controlando os insetos quando esses sugarem a seiva.
Do ponto de vista da eficácia biológica, a mistura de dois produtos fitossanitários pode resultar em três situações diferentes: a) efeito aditivo, quando a eficiência do produto é similar ou igual à aplicação de ambos individualmente (por exemplo, tiofanato metílico + captan); b) efeito sinérgico, quando um produto aumenta a eficiência do outro após a mistura (por exemplo, piremetanil + iprodione); e c) efeito antagônico, quando um produto interfere negativamente na eficiência do outro. O terceiro caso tem sido muito comum e pode ser exemplificado pela mistura de azoxystrobin com óleo mineral ou mancozeb com produtos alcalinos.
Intervalo de aplicações
O intervalo entre aplicações depende da doença ou inseto-praga que se quer controlar, do nível de infestação, das condições meteorológicas, da qualidade da aplicação e do produto utilizado. Para o caso das doenças (por exemplo, o míldio da videira), é fundamental que sejam realizadas pulverizações semanais durante os estádios mais críticos, enquanto que, para as podridões do cacho, as aplicações devem ser distanciadas de vinte a trinta dias. Quando a incidência for intensa, o controle com fungicidas poderá não ser tão eficiente quanto se espera, levando a novas pulverizações. Anos mais secos permitem o maior espaçamento entre as pulverizações, enquanto que anos com precipitações mais frequentes requerem menor intervalo.
Os viticultores que aplicarem produtos protetores ou de contato devem reaplicá-los caso ocorram chuvas acima de 25 mm, uma vez que elas são suficientes para a lavagem do depósito do produto sobre os tecidos da planta. Da mesma forma, quando a tecnologia de aplicação não estiver adequada (por exemplo, com diferença de vazão entre bicos, bicos gastos ou entupidos), poderão ocorrer focos de doenças no vinhedo, fazendo com que seja necessário reaplicar os produtos. De um modo geral, produtos sistêmicos devem ser reaplicados a cada sete a doze dias, enquanto que, para produtos de contato ou protetores o intervalo é a cada sete dias, no entanto, sempre que possível, um técnico deverá avaliar, no vinhedo, a real necessidade da aplicação.
Já para os inseticidas e acaricidas, o monitoramento deve ser realizado e a reaplicação dependerá do nível de reinfestação determinado a partir das amostragens.
Uso da dose correta
O uso da dose correta é um dos fatores indispensáveis na aplicação de qualquer agrotóxico, e sua manutenção durante todo o processo assegura economia. A dose excessiva, além de provocar fitotoxicidade, eleva os custos do tratamento. A concentração correta do produto, por sua vez, assegura a maior eficiência no controle, inclusive com garantia do efeito residual previsto na bula, o que não se obtém quando são empregadas subdosagens,sendo também obtida por meio da calibragem do equipamento, feita antes do início das operações de pulverização.
Equipamentos e utensílios importantes
O viticultor deverá dispor de alguns poucos equipamentos e utensílios importantes no local de armazenamento de agrotóxicos, para maior precisão durante a sua diluição. São eles: balança para a medição do peso dos produtos secos, como o pó molhável e grânulos dispersíveis em água; copos ou embalagens com escalas volumétricas para medição do volume de formulações líquidas, como concentrado emulsionável, suspensão concentrada, entre outros; fitas para medição do pH da água da calda, balde e papel hidrossensível à água para ser utilizado durante a calibração do pulverizador.
Fatores ambientais a serem considerados na aplicação de agrotóxicos
O controle de doenças e/ou pragas com a utilização de agrotóxicos deve ser alcançado com o máximo de eficiência. Quanto mais precisa for a aplicação, menores serão os custos, a exposição aos produtos e os possíveis efeitos negativos sobre o ambiente. No dia a dia, observa-se uma preocupação demasiada com a escolha do produto em detrimento das condições do ambiente e do equipamento, dos adjuvantes, da qualidade da água utilizada e do nível de conhecimento dos aplicadores. No entanto, para o sucesso da aplicação, deve-se considerar que todos esses itens têm a mesma importância. Dentre os fatores ambientais que mais influenciam a eficiência do uso dos agrotóxicos, está o vento e a umidade relativa do ar.
Na pulverização, em condições climáticas adequadas, as gotas costumam percorrer uma distância de 50 cm, que vai do bico até o alvo. Nesse percurso, elas sofrem influência decisiva da umidade do ar, pois o tempo de vida das gotas, principalmente das menores, é fortemente influenciado por esse fator. Quanto mais baixa for a umidade do ar, mais rapidamente as gotas evaporarão e, com elas, o produto químico aplicado. Gotas pequenas (com menos de 100 micra), que podem representar até 30% do volume total, dependendo do bico e da pressão utilizada, dificilmente atingirão o alvo. Por isso, veja as recomendações abaixo no quadro abaixo:
Recomendações para aplicação de agrotóxicos
– Realizar a pulverização nas horas mais frescas do dia, evitando-se as situações em que a umidade relativa do ar for próxima ou inferior a 50%.
– Evitar a aplicação quando a superfície foliar estiver molhada pela chuva, orvalho ou irrigação, uma vez que o produto aplicado não será retido sobre o tecido, devido ao seu escorrimento.
– Evitar a aplicação dos produtos com ventos fortes.
– Evitar a aplicação dos produtos quando a temperatura estiver superior a 35 °C.