Tempo para já ir pensando no póscolheita

 Vegetação nativa cobrindo o solo: a cobertura ideal, por manter biodiversidade natural.
Vegetação nativa cobrindo o solo: a cobertura ideal, por manter biodiversidade natural.

O período é de colheita, mas sempre é prudente o produtor pensar, com antecedência, no que deverá fazer em um próximo momento visando a um cultivo de qualidade. Nesse sentido, findados os trabalhos de vindima – que, na Serra Gaúcha, deve se estender até o final de março/começo de abril, esse ano –, o viticultor precisa direcionar seus esforços a duas práticas: a semeadura da cobertura verde e a manutenção do sistema foliar do vinhedo.

 

A cobertura verde, assinala o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho George Wellington Melo, que atua na área de fertilidade do solo e nutrição de plantas, tem, dentre outras finalidades, dois objetivos principais. Um deles é, cobrindo o solo, evitar que o impacto das gotas de chuva desagregue-o, causando erosão – e a consequente perda de solo e nutrientes e, ainda, a contaminação dos cursos de água. O outro é reaproveitar os nutrientes contidos na parte vegetativa da videira – ou seja, absorver, reciclando, os nutrientes das folhas que caem, que seriam perdidos, por lixiviação, se não houver outras plantas no solo. Uma terceira função da cobertura é evitar que a temperatura do solo oscile muito (posto que uma amplitude térmica – a variação entre temperaturas mínima e máxima – exagerada pode ocasionar a diminuição da população de micro-organismos que são benéficos para a videira, além de inibir o desenvolvimento do sistema radicular).

 

OLYMPUS DIGITAL CAMERA Wellington Melo ressalta que o produtor deve planejar o tipo de cobertura a utilizar: “plantar por plantar”, sem saber qual o objetivo de cada espécie, é um erro. “Muitas vezes, o viticultor tem vegetação nativa debaixo do parreiral, mas, por desconhecimento, acaba dizimando-a, para implantar, por exemplo, aveia, achando que essa será mais benéfica – o que não é o caso”, aponta. A propósito, nota o pesquisador, manter a cobertura nativa seria o ideal. “As exceção são quando se trata de plantas altas, e não for possível mantê-las baixas, ou que causem algum incômodo para a execução dos trabalhos, como o picão preto e o carrapicho: aí sim, elas devem ser eliminadas”, ressalva. Não sendo possível conservar a vegetação nativa, o viticultor pode lançar mão de pelo menos cinco opções de cobertura – preferencialmente em diferentes combinações –, que são as mais usadas na Serra Gaúcha: aveia, ervilhaca, nabo forrageiro, azevém e trevos. Uma composição variada (o que caracteriza a vegetação nativa, sendo o principal motivo pelo qual se aconselha sua manutenção) é importante porque a diversidade de sistemas radiculares favorece a estabilização dos agregados que formam o solo, deixando-o mais permeável a gases e água.

 

O especialista da Embrapa Uva e Vinho também destaca a importância de se manter o maior percentual possível do solo coberto. Isto é: um solo com 100% de uma cobertura de 05 centímetros de altura está bem mais protegido do que um solo com 50% de uma cobertura de 50 centímetros de altura – portanto, a altura da vegetação não tem relevância para a proteção do solo, observa.

 

Semear a cobertura é algo que se pode fazer logo que se conclui a safra – por exemplo, agora que já se colheu, em regra, toda a uva Pinot Noir, o viticultor já poderia fazer a semeadura na área em que mantinha tal casta. Contudo, diz Wellington Mello, por questões de logística – a disponibilidade de mão-de-obra –, o viticultor normalmente faz o procedimento ‘de uma vez só’, assim que terminou a vindima de todas as variedades que cultiva. Dessa maneira, é geralmente no final de março/começo de abril quando inicia a semeadura.

 

Sobre a adoção da prática, Wellington Melo afirma notar que atualmente o produtor se preocupa consideravelmente mais com cobertura do solo do que há cinco anos. “Contudo, acho que o viticultor deveria se preocupar mais em diminuir o uso de herbicidas, para controle das ditas plantas daninhas, porque – ao contrário do que se pensa –, em anos com precipitações normais, em nossa região, elas não vão competir com a videira”, salienta. O pesquisador adverte, todavia, que o fato de a cobertura de solo não concorrer com o desenvolvimento da videira é uma descoberta relativamente recente – o que justifica a postura errônea do produtor hoje observável.

 

Características das principais opções de cobertura do solo
Ervilhaca: é uma leguminosa, normalmente semeada sozinha, em solos pobres em matéria orgânica. Contudo, como na Serra Gaúcha os solos, na regra, são médios em tal quesito, é usada em composição com a aveia;
Aveia: gramínea, usada, sozinha, em solos mais férteis, porque não tem capacidade para fixar nitrogênio – ou seja, evita o excesso de vigor da videira, que normalmente acontece em solos altamente férteis;
Nabo forrageiro: além de produzir massa seca (palha), tem capacidade de ‘quebrar’ as camadas compactadas do solo. É indicada para vinhedos em solos demasiadamente compactos, portanto;
Azevém: sua função é praticamente a mesma que a da aveia. A diferença é que o azevém é muito mais agressivo: em anos de seca, retém mais água que a aveia, competindo com a videira e fazendo com que ela sofra mais pela falta de água. Por esse motivo, os viticultores geralmente não gostam de usá-la – contudo, nota o pesquisador George Wellington Melo, as sementes de aveia que são vendidas na região da Serra Gaúcha já estão, em grande medida, ‘contaminadas’/misturadas a sementes de azevém;
Trevos: um de seus benefícios é fornecer nitrogênio para a planta; outro é o fato de se tratar de uma vegetação rasteira, não atrapalhando o produtor em sua lida diária. São indicados para solos médios ou pobres em matéria orgânica;
Vegetação nativa: a ideal, na opinião de Wellington Melo, por manter uma biodiversidade natural.

 

A manutenção das folhas
O princípio do manejo da massa foliar do vinhedo é o seguinte: com ela, a planta é favorecida pela manutenção das reservas nutritivas contidas nas folhas, as quais, além de realizarem a fotossíntese, serão usadas na brotação no ciclo seguinte. A prática depende, basicamente, da aplicação, a partir do término da colheita, dos fungicidas indicados para evitar doenças que acometem a parte aérea da plantas – e, por conseqüência, causam a queda precoce das folhas. “O produtor não pode ‘abandonar’ o vinhedo quando a colheita termina”, recomenda o pesquisador George Wellington Melo.

 

Ele observa que com menos energia – a qual se acumula nas gemas e na raiz da videira – e, portanto, menor vigor da brotação, a produtividade pode cair bastante, assim como a qualidade do fruto. O efeito é cumulativo: “O esgotamento da planta fica ainda mais evidente à medida que se repete a queda precoce”, assinala Wellington Melo. De acordo com ele, em termos de Serra Gaúcha, o ideal seria a manutenção das folhas sobre o vinhedo até maio ou junho, de um modo geral. Especial cuidado deve-se ter com os vinhedos de uvas americanas, os mais atacados pela ‘mancha das folhas’.

 

Foto: George Wellington Melo / Divulgação

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