Consultor de solos, o chileno Pedro Parra se firma como um dos nomes em ascensão no mundo do vinho

Um estudioso de terroir
Pedro Parra, chileno especialista em terroir.

O chileno Pedro Parra foi para a França em 1997 perseguir seu sonho: ser músico de jazz, saxofonista profissional. Não deu certo. Mas hoje, aos 41 anos, Parra, que significa videira em espanhol, não pode dizer que a viagem foi em vão. Na Europa, aprendeu a beber, virou especialista em solos e, sete anos mais tarde, obteve seu PhD em terroir. Na lista elaborada neste ano pela revista inglesa Decanter das 50 pessoas mais influentes do mundo do vinho, o chileno, que agora é consultor de terroir de quase uma quinzena de vinícolas em seu país, na Argentina, na Itália e na Califórnia, ocupa a 49ª posição. No ranking 2011 da publicação, há apenas outros dois sul-americanos, o produtor argentino Nicolás Catena, que dispensa apresentações, e Eduardo Guilisasti, gerente geral da gigante chilena Concha y Toro.

 

Oriundo de Concepción, no sul do Chile, onde mora, Parra veio ao Brasil pela primeira vez no fim de junho para falar de seu trabalho em geral e também do Projeto Terroir que toca para a Viña Altos Las Hormigas, de Mendoza, um de seu clientes, cujos vinhos são trazido ao Brasil pela importadora Mistral. Talvez ele preferisse discorrer sobre jazz e discos de vinil, duas de suas paixões, ou da pequena linha própria de vinhos que elabora no Chile. Mas, como não podia deixar de ser, a conversa foi em torno do tema que o projetou internacionalmente: terroir. Um conceito por vezes fluido, de difícil apreensão, que pode ser sintetizado grosseiramente como a assinatura estilística, a tipicidade, que um lugar, por meio de seu clima, de seus produtores e de seus terrenos, pode conferir a certos vinhos.

 

A Vindima: Por que resolveu estudar terroir?
Pedro Parra: Foi uma sorte, coincidência. Estudei engenharia florestal, mas não gostava disso. Mas era amigo, de jogar futebol, de um enólogo, Marcelo Retamal, hoje chefe de uma vinícola conhecida, a De Martino. Estávamos juntos na universidade, no sul do Chile, em Concepción, que é o centro, o motor, do país. Tudo se cria em Concepción, a música, mas o dinheiro, eles roubam em Santiago. Quando terminei a universidade, quis viajar, sair do Chile e ser saxofonista. Mas meus pais não deixaram. Meus pais, meus tios, meus primos, todos eram advogados. Ganhei uma bolsa de mestrado da embaixada francesa para ir a Montpellier, onde também está a escola de jazz de Michel Petrucciani (1962-1999), que foi um grande pianista.

 

AV: Não foi a Montpellier, que é um conhecido centro de pesquisa em viticultura e enologia, por causa do vinho então?
Parra: Não. Mas fui para a Escola de Agronomia de Montpellier, que é muito boa. Meu mestrado era sobre agricultura de precisão, embora eu não soubesse nada disso. Fui também à escola de jazz, mas houve um problema. Vi um garoto de doze ou treze anos que tocava mil vezes melhor do que eu, que tinha quase 30 anos. Depois de um mês na escola de jazz, vi que não tinha opção. No Chile eu era bom (saxofonista). Em Montpellier, era um zero. Tinha que fazer escalas (musicais) e não conseguia. Saí do jazz e fui fazer meu mestrado. Ao terminá-lo, tinha de fazer uma tese, um trabalho final. Fui ao Instituto Nacional Agronômico de Paris para trabalhar sobre o meu tema e lá havia uma moça, ao meu lado, que fazia um mestrado em solos e ajudava outra moça que fazia o doutorado em terroir. A moça que fazia o doutorado era Emmanuelle Vaudour, que fez um livro muito bom sobre terroir, financiado pela região das Côtes du Rhône. Isso foi no ano de 1998. Nesse momento, começam a me convidar para degustações de Syrah e Grenache.

 

AV: Qual é o seu conceito de terroir?
Parra: Para mim, o terroir é um pedaço espacial em três dimensões, abaixo, acima e ao lado, que gera uma tipicidade. A escola europeia e eu damos a maior importância à “genética” do terroir, que é essencialmente a geologia.

 

AV: A geologia é mais importante que o clima?
Parra: Não. Em primeiro lugar vem o clima, que dá um pouco da tipicidade aromática. Falo do que acredito. O clima dá o aroma. O solo, o tanino. Posso ter um solo calcário extraordinário num clima tropical no qual dificilmente consigo fazer um Pinot Noir. Creio, portanto, que o clima manda na geologia. Posso ter um clima muito bom e um solo muito ruim e, ainda assim, consigo fazer um Pinot Noir. Não é o melhor Pinot Noir, mas eu o faço. Se eu fosse começar um projeto, como me aconteceu no Chile, primeiro buscaria o clima. Há muitas formas de entender o clima. Tenho a minha forma pessoal de entendê-lo e outras pessoas têm outras formas. Por exemplo, como se pode definir o que é um clima frio. A resposta pode ser muito ampla. Amigos meus dizem que o Vale de Leyda (Chile) é frio. Sim, é frio, mas lá se fazem vinhos com 15,5 graus de álcool. Portanto, a relação entre frio e álcool, entre frio e açúcar, não é bem assim. A relação é entre frio e acidez. Há muitas opções dentro da família dos climas frios. Qual é o frio de que você gosta? Vale do Limarí, Casablanca, Leyda (todos no Chile) são áreas frias. O Vale do Uco (Mendoza) também. Que tipo de frio eu quero?

 

AV: O que faz, por exemplo, dois lugares frios serem diferentes? A geologia?
Parra: Acho que dois fatores contam. O primeiro é a geologia e o segundo é o homem. Sem o homem não há vinho. Portanto, sem o homem não há terroir. De certa forma, o homem é o centro do terroir. Pode tornar o terroir muito ruim ou muito bom. Um exemplo. Até quinze anos atrás, Clos de Tart (um vinhedo de Pinot Noir com o status legal de grand cru, o mais alto na Borgonha), era um terroir muito ruim. Hoje é extraordinário. O que aconteceu? Mudaram o homem que cuidava da terra. O anterior não entendia o terroir. O de hoje entende.

 

AV: Você acredita que o terroir é uma construção humana?
Parra: Não. É uma interpretação humana. Mas é preciso entendê-lo.

 

AV: Mas quando alguém move terra e coloca pedras num lugar não está construindo um terroir?
Parra: Sim, nesse caso sim. Isso geralmente se faz pouco, com exceção da França, onde se faz muito isso por uma questão de dinheiro. No Chile e na Argentina, onde tenho experiência, não se constrói um terroir. Não conheço exemplos muito bons de construção de terroir. Há alguns em St- Émilion (uma sub-região de Bordeaux). Mas construir um terroir é caro e toma tempo. Esse não é meu objetivo. É mais fácil procurá-lo (na natureza).

 

AV: Muitas pessoas pensam que um tipo de solo dá um tipo de aroma específico num vinho. As coisas são assim mesmo?
Parra: Não. Cinquenta e oito por cento dos solos vitícolas franceses são calcários. Um por cento dele é extraordinário. Os outros 57% são mais ou menos. Portanto, a palavra calcário sozinha não quer dizer muita coisa. Mas calcário com um complemento e mais outro complemento significa, sim, alguma coisa. É preciso especificar que tipo de calcário se tem, como ele se fraturou, qual é quantidade de calcário ativo tem calcário, que solo há acima dele. Uma coisa é dizer que se tem um solo calcário do Kimmeridgiano, com fraturas horizontais, com pedras presentes na argila e 22% de calcário ativo e uma inclinação de tantos porcento. Essa é a descrição de um terroir.

 

AV: Como é o seu trabalho?
Parra: Trabalho por etapas. O mais importante para mim é entender a “genética” do lugar. Essa tarefa pode demorar um dia ou um ano. Depende de muitas coisas. Em termos técnicos, precisa saber qual é a litologia (estudo da natureza das rochas) de uma região. No Priorato, é xisto. Na Borgonha, calcário. Em St-Émilion, calcário. No Douro, xisto. Em Hermitage, granito. Esse é o primeiro passo. Conhecendo a genética, posso ter uma ideia do que é ou pode ser o vinho. Calcário em ladeira dá elegância, profundidade, ataque. Xisto dá ataque, elegância, profundidade. Granito dá vinho gordo. Argila dá vinho suave e gordo.

 

AV: Vinhos de terroir têm de ser sempre caros?
Parra: Por dez ou doze dólares pode se comprar vinhos de terroir muito bons no Chile. Na Borgonha se pode comprar vinhos de terroir não muito caros também. Os vinhos até podem não ser tão bons, mas são de terroir. Vinho de terroir não é a mesma coisa que vinho bom. Tenho um amigo em Bordeaux, em Margaux (sub-região), que é dono do Château de Graviers. Ele é biodinâmico. O vinho é uma Ferrari. Vale 15 euros. Ninguém o conhece. Mas o vinho é expressão do plateau de Margaux numa garrafa.

 

Por Marcos Pivetta

Foto: Divulgação

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