Avaliação Nacional de Vinhos 2016 apresentou ao público exemplares elaborados com Marselan, Tempranillo e Alicante Bouschet
Mirian Spuldaro
Pela primeira vez, a Avaliação Nacional de Vinhos, promovida pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), no mês de setembro, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, classificou 11 distintas variedades entre as 16 selecionadas para o público. O que chamou atenção nesta edição é que, além das uvas mais conhecidas pelos consumidores, como a Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot, também estrelaram castas que, aos poucos, estão ganhando as taças dos consumidores, como a Marselan, a Tempranillo e a Alicante Bouschet. As três são cultivadas na Campanha e na Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul.
Percebe-se que, nos últimos anos, buscando inovar, muitos vitivinicultores estão investindo no cultivo de castas menos conhecidas que produzem vinhos especiais e alguns até excepcionais. Tal feito é corroborado pelo pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Guerra, que realizou um experimento o qual avalia o potencial enológico de novas variedades Vitis vinifera. Há cerca de uma década, Guerra estuda as diversas regiões produtoras de uvas no Brasil, a fim de conhecer as especificidades de cada uma e identificar as variedades que se adaptam melhor aos diferentes locais e terroirs do país.
O Cadastro Vitícola do Rio Grande do Sul identifica, ainda, o cultivo de outras variedades diferenciadas ou, digamos, pouco comerciais, mas que têm resultado em vinhos de excelente qualidade que são encontrados no mercado. Castas como Alvarinho (dois ha), Arinarnoa (7,4 ha), Barbera (6,77 ha), Chenin Blanc (19,26 ha), Gamay (21,73 ha), Gewürztraminer (41,68 ha), Petit Verdot (17,6 ha), Teroldego (19,78 ha), Touriga Nacional (21,28 ha) e Viognier (38,17 ha). Conheça mais sobre as três cepas que foram destaque na Avaliação Nacional deste ano.
Alicante Bouschet – Dal Pizzol Vinhos Finos (Bento Gonçalves – RS)
Foi dos vinhedos de Bagé, no Pampa Gaúcho, que a Dal Pizzol Vinhos Finos trouxe uma das variedades que mais surpreendeu o público na 24ª Avaliação Nacional de Vinhos (ANV). A vinícola de Bento Gonçalves (RS) ficou classificada entre as 16 amostras mais representativas da safra 2016 com a Alicante Bouschet. Conforme o enólogo responsável pela vinícola, Dirceu Scottá, a escolha corrobora com a preocupação e a busca incessante pela qualidade nas uvas e, consequentemente, nos vinhos que a empresa elabora. “Estar entre os 16 vinhos representativos da safra é motivo de muito orgulho e satisfação. Nos mostra que estamos no caminho certo e que devemos primar cada vez mais pela qualidade das uvas e vinhos elaborados”, comemora. O vinho, que segue sua maturação em tanques de inox, ainda não tem data para ir ao mercado.
Scottá destaca que a Dal Pizzol aposta no cultivo de novas variedades para diversificar e apresentar novos vinhos cada vez mais modernos, que vão ao encontro do gosto do consumidor. “Temos um estado com diferentes terroirs que podem ser melhor explorados, com o objetivo de apresentar estas diferenças ou melhorar o vinho com a mescla dos mesmos”.
O cultivo de Alicante Bouschet, um cruzamento entre Petit Bouschet e Grenache, tem crescido nas duas últimas décadas. Conforme o último Cadastro Vitícola do Rio Grande do Sul, em 1995 a área plantada da variedade era de 5,78 hectares, sendo que em 2012 já ocupava uma extensão 122 hectares (ha), em 27 cidades do Estado. O município que concentra a maior produção da casta tinta é Cotiporã (28,57 ha), seguido por Monte Belo do Sul (14,89 ha), Garibaldi (14,70 ha), Santana do Livramento (14,58 ha) e Bento Gonçalves (11,96 ha).
A Dal Pizzol conta hoje com uma área de 1,2 hectares da variedade na Campanha Gaúcha, o que rende uma produção aproximada de 10 mil litros de vinho por ano. Os vinhedos são de produtores parceiros, que são direcionados e orientados com relação à variedade e à forma de cultivo, vegetação, maturação e colheita. O trabalho tem rendido bons frutos, literalmente. “Podemos dizer de que ela se adaptou de forma fantástica, originando uva de excelente qualidade, mesclada com boa maturação e equilíbrio entre taninos, açúcar, acidez e álcool”, cita o enólogo.
A vinícola Dal Pizzol possui ainda vinhos com outras variedades diferenciadas, como os varietais Ancellotta, com uvas originarias da Serra Gaúcha, e o varietal Touriga Nacional, também oriundo da Campanha.
Marselan – Casa Valduga Vinhos Finos (Bento Gonçalves – RS)
Inicialmente a uva Marselan era tida como coadjuvante no processo de elaboração de vinhos. Contudo, a cada safra que passa, novos produtores lançam varietais dessa casta de origem francesa, resultado do cruzamento entre as castas Cabernet Sauvignon e Granache. O motivo do sucesso parece obvio, a variedade tem se destacado pela intensa coloração, boa estrutura tânica e aroma que une a complexidade do Cabernet Sauvignon com o frutado característico da Grenache.
A Marselan ainda é pouco cultivada no Rio Grande do Sul. Conforme o Cadastro Vitícola/RS, os primeiros registros de produção da variedade em solo gaúcho ocorrem a partir de 2004. Na época, a área ocupada com a casta era de 6,74 hectares, sendo a maior quantidade em Encruzilhada do Sul (dois ha), seguida de Farroupilha (1,72 ha) e Ipê (1 ha), ambas cidades da Serra Gaúcha. Os demais municípios que aparecem no relatório cultivavam menos de um hectare cada.
Todavia, o crescimento da produção tornou-se uma constante desde então. Em 2012, o cultivo da variedade havia crescido 550% no Estado, chegando a 43 hectares plantados e uma produção total de 262,7 toneladas da fruta. O plantio da casta era identificado em 15 municípios, destacando-se Encruzilhada do Sul, com 12,9 hectares e 79,5 toneladas; seguido de Bento Gonçalves, com nove hectares e 78,5 toneladas; e Farroupilha e Vila Flores com quatro hectares cada uma. A produção de Marselan em Farroupilha é de 30,8 toneladas e em Vila Flores chega a 14 toneladas.
A Casa Valduga Vinhos Finos, de Bento Gonçalves, é uma das vinícolas que apostou no potencial do terroir da região da Serra do Sudeste Gaúcho para a produção de uvas. Parte dos hectares mantidos pela vinícola em Encruzilhada do Sul é destinada a pesquisas de adaptação e desenvolvimento de novas variedades. Não por coincidência, é de lá que vêm as uvas do varietal Identidade Marselan, que a Casa Valduga emplacou entre os 16 vinhos mais representativos da safra 2016, na Avaliação Nacional de Vinhos (ANV). Conforme o enólogo da vinícola, Daniel Dalla Valle, O Identidade Marselan 2016 encontra-se em barricas de carvalho francês, onde ficarão por 12 meses. “Em 2017 este Marselan será engarrafado, mas irá para o mercado, de fato, somente em 2018. É um produto da linha Reserva, que conta somente com varietais, e que tem valor agregado”, cita. Este mesmo vinho já esteve entre os 16 mais representativos da safra, no ano de 2012. O primeiro Marselan Identidade foi lançado pela Casa Valduga em 2005.
Conforme o enólogo da vinícola, Daniel Dalla Valle atualmente são cultivados oito hectares da variedade, o que rende entre seis e oito toneladas/ha. Ele destaca que a variedade adaptou-se bem ao terroir de Encruzilhada do Sul. “Aquela é uma região mais arejada, com boa insolação, isso para a produção de uvas tintas é um diferencial. Porém, a Marselan é uma variedade que bastante produtiva, então precisamos controlar essa produção, por meio do manejo adequado, para limitar a quantidade e aumentar a qualidade da fruta”, explica Dalla Valle.
Em Encruzilhada do Sul, a Vinícola também aposta no cultivo de variedades diferenciadas como Arinarnoa, Malbec, Gewürztraminer e Viognier, esta última pode ser uma aposta para vinificação em breve, adianta o enólogo da Casa Valduga.
Tempranillo – Miolo Wine Group Vitivinicultura (Bento Gonçalves – RS)
Originária da Espanha, a Tempranillo é pouco cultivada no Rio Grande do Sul. De acordo com a última atualização do Cadastro Vitícola, a variedade ocupava uma área de 32,2 hectares em 2012, o que corresponde a uma produção total de 177 toneladas. Dois municípios, um da Campanha e outro da Serra do Sudeste, lideram a produção de Tempranillo no Estado: Candiota, com 111 toneladas por ano, numa área de 20,5 hectares; seguido de Encruzilhada do Sul, na Serrado Sudeste Gaúcho, que atingiu uma produção média de 19 toneladas em 2012, numa área de 2,29 hectares. Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, aparece com uma produção de 12 toneladas, distribuída em 2,23 ha.
A Tempranillo, utilizada pela Miolo Wine Group Vitivinicultura, de Bento Gonçalves (RS), na elaboração do varietal que figura entre os 16 vinhos mais representativos da safra 2016 da Avaliação Nacional de Vinhos (ANV), é cultivada em vinhedos da Família Miolo no projeto Seival Estate, localizado em Candiota, na região da Campanha Gaúcha, próximo à divisa com o Uruguai. Por lá, são cultivados cerca de 20 hectares da variedade, o que rende uma produção média de 200 a 250 toneladas da fruta por safra.
Conforme um dos enólogos da empresa, Miguel Ângelo Almeida, neste momento o Miolo Reserva Tempranillo 2016 encontra-se em barricas americanas e será comercializado a partir de 2017. Este vinho não é uma novidade no mercado, pois foi lançado em 2004, na época intitulado de Fortaleza do Seival Tempranillo. Contudo, para o Grupo Miolo, a premiação neste ano foi uma surpresa. “Nos surpreendeu porque nos últimos anos de ANV parecia haver uma preferência por vinhos tintos de castas tintureiras ou quase tintureiras”, comenta Almeida.
O enólogo frisa que a Quinta do Seival, na Campanha Gaúcha, foi implantada em 2001, com o objetivo de diversificar a produção de vinhos e variedades, valorizando o potencial produtivo do Brasil. Segundo ele, a adaptação biológica da Tempranillo na região da Campanha Gaúcha tem sido excelente. Todavia, por ser uma variedade muito sensível, fica mais suscetível à incidência de míldio. “Esta é uma região de solos pobres e índices pluviométricos reduzidos no verão. A Tempranillo é uma casta que gosta de sol e calor. Quando plantada em regiões frias ou em exposições com pouco sol, revela maturação extremamente heterogênea, resultando em vinhos vegetais, herbáceos”.
Na Campanha Gaúcha, a Miolo também cultiva as variedades French Colombard, Semillon, Riesling Renano, Petit Verdot, Touriga Nacional, Alvarinho. A Miolo está presente, ainda, no Vale do São Francisco com uvas tão diferentes como Chenin Blanc, Mouvedre e Grenache. “O Brasil é sinônimo de diversidade e a Miolo gosta de explorar esta diversidade”, finaliza Miguel Ângelo.
Uma resposta
Muito boa não! Òtima reportagem sobre as uvas menos conhecidas,que estão tomando conta , das plantações da serra e que estão mudando a qualidade de nossos vinhos .